A caminho de Fátima, a pensar, a chorar e a falar com Deus
12-05-2016 - 18:58
 • Paula Costa Dias

A paz e a fé dão força aos pés dos peregrinos que chegam a Fátima. “Pensamos na vida, choramos, falamos com Deus.”

É a primeira vez que Susana Lima vai a Fátima a pé. A ida de carro, a cada 13 de Outubro, era um hábito, mas este ano, em Maio, quis fazer a peregrinação da forma mais difícil. Quis cumprir uma promessa relacionada com a sua saúde.

Habituada a fazer caminhadas, não teve grandes problemas, a não ser uma bolha no pé. “O cansaço é normal porque são muitos quilómetros”, diz Susana, de 38 anos. A “força dos amigos e do grupo foi determinante” para chegar a Fátima. Quando se chega ao Santuário, “passam as dores”, garante.

Da mesma forma pensa Catarina Serra, da Aldeia da Roupa Branca, Mafra. Saiu de casa na terça-feira de madrugada, num grupo de oito peregrinos. Saiu “pela paz de espírito, pela devoção a Nossa Senhora”, e para lhe "agradecer tudo aquilo" que lhe aconteceu "este ano" – "tudo aquilo que Ela faz pela minha filha e pela minha família".

Nas mãos de Nossa Senhora põe tudo o que lhe acontece. Agradecer-lhe em casa poderia ser uma hipótese, mas “não é a mesma coisa”. “Você pode rezar na sua casa, no seu espaço, mas aqui não tem nada a ver. A espiritualidade e a paz com que a gente fica dão-nos ânimo para o ano que vem”. Ao aspecto devocional junta-se o convívio com os amigos.

Maria de Lurdes Cardoso, de 69 anos, organiza estas peregrinações a partir da terra-natal de Beatriz Costa. Já vem a Fátima a pé há 36 anos.

“Quando o meu filho nasceu”, conta, “o pai não o aceitou porque queria uma menina e eu sofri muito”. Pediu então uma filha a Nossa Senhora e, em pouco tempo, ficou grávida de uma menina. Prometeu que, enquanto pudesse, não deixaria de vir a Fátima a pé.

Apesar da idade, Maria de Lurdes não se prepara fisicamente para a caminhada. "É uma bênção tão grande que, assim que chego, as lágrimas correm, pelo sofrimento que tive”, diz. Pelo caminho, reza o terço. “Pensamos na vida, choramos, falamos com Deus. E eu tenho a sensação que Ele nos ouve com a Mãe do Céu.”

“Muito leve e com muita paz”

José Faria, de Vila Nova de Famalicão, também se deveu a um pedido feito a Nossa Senhora. Quando o seu filho nasceu, há dez anos, “teve um problema grave”. Esteve internado nos cuidados intensivos do Hospital de São João, no Porto, durante dois meses após o nascimento. Os médicos diziam que “as possibilidades de sobrevivência eram mínimas e só um milagre o podia salvar”.

A fé de José e da esposa levaram-nos a prometer a Nossa Senhora: “Se o nosso filho melhorasse, enquanto pudéssemos, viríamos a Fátima a pé.” A criança melhorou e já lá vão nove anos que o casal vem a Fátima. Deixou o trabalho na sexta-feira passada às 22h00 e pôs-se o caminho com o grupo de dez amigos.

Anabela Rodrigues vem pela terceira vez a Fátima, também por motivos de saúde. Estava muito debilitada fisicamente devido às hemorragias provocadas por vários miomas, quando pediu ajuda à Virgem Mãe. “Não estou completamente curada, mas estou melhor”, afirma.

Em Fátima, sente-se “muito leve e com muita paz”, apesar das mazelas provocadas pela caminhada desde Almada. Traz problemas “nas rótulas dos joelhos” e, se não fosse o tratamento que recebeu já em Fátima, estaria “muito pior”.

Podologistas dão uma “mãozinha”

A Associação Portuguesa de Podologia é uma das entidades que prestam apoio aos peregrinos. Fá-lo desde 2004, conta o presidente Manuel Portela. “São muitos os traumatismos e as dores, principalmente a nível do membro inferior e do pé, e pensámos que poderíamos ser importantes para minimizar o sofrimento dos peregrinos”, justifica.

Aos seus serviços aparecem casos simples, “como as flictenas [bolhas], que podem tornar-se complicadas”, e “casos mais graves como roturas, lesões ligamentares a nível do joelho e do pé que obrigam a um cuidado mais específico”.

Os voluntários têm uma viatura que vai para o terreno no dia 6, percorrendo vários locais até chegar a Fátima, no dia 12, além de dois postos fixos em Águeda e em Formigais, Ourém.

Durante esse período, 100 voluntários, entre podologistas licenciados e alunos, dão o seu contributo. Hoje em dia, os peregrinos já têm mais formação e informação. Manuel Portela diz que já há mais cuidados com o calçado, por exemplo, pelo que os problemas que aparecem são menos complicados.

Como prevenir as lesões? Manuel Portela aconselha: “Em primeiro lugar, o peregrino deve perceber se, do ponto de vista cardiovascular, está em condições de fazer o percurso porque encontramos peregrinos com algumas patologias a nível cardíaco e de diabetes que, com o esforço físico, chegam a situações extremas.”

Depois, “o peregrino deve fazer caminhadas antes de começar para ir preparando o músculo porque são muitos quilómetros”. Durante a caminhada, é importante ter um calçado adequado e “usar uma peúga que não faça compressão ao pé, de fibras naturais, mas que a possa trocar ao longo da caminhada”.

Por outro lado, “é importante ir aplicando um creme nos pés, mais hidratante, se estiver calor, ou mais adstringente, se o clima estiver húmido”. Não caminhar mais do que três ou quatro horas seguidas e fazer repouso, se possível deitado e com os pés levantados para evitar os edemas, são outros conselhos do podologista Manuel Portela.