Os serviços secretos russos e Trump
01-02-2021 - 06:30

Depois de décadas a tentarem promover o comunismo no mundo, os agentes secretos russos ensaiaram aliciar possíveis simpatizantes nos EUA. Tiveram um sucesso que nem eles esperavam com Trump, alvo durante 40 anos de operações de sedução desenvolvidas por esses agentes. Ora Trump revelou-se o “alvo perfeito”.

O diário britânico “The Guardian” entrevistou um ex-espião do KGB, Yuri Schvets, que vive nos EUA desde 1993, tendo adquirido a nacionalidade americana. Schvets foi a principal fonte de um livro agora publicado sobre as relações dos EUA com a Rússia, escrito pelo jornalista americano Craig Hunger. Schvets e o livro contam uma história muito interessante sobre Trump e a polícia secreta russa. Uma história verídica? Neste momento é impossível garantir; mas é uma história verosímil, que não foi, entretanto, desmentida, que eu saiba. Em Portugal pelo menos o jornal “Público” abordou o assunto.

Em resumo trata-se do seguinte. Putin foi um agente ativo do KGB, antes e depois do colapso da União Soviética. A polícia secreta russa manteve enorme poder, apesar daquele colapso. Há décadas lançou uma ofensiva de “charme” a Trump, bem como a outras promissoras personalidades dos EUA. Schvets foi enviado para os EUA e uma das suas missões não foi converter Trump ao comunismo, que tinha desaparecido, mas levá-lo a simpatizar com a Rússia de Putin. A aposta foi ganha, sobretudo quando em 2016 Trump foi eleito presidente dos EUA.

A estratégia dos serviços secretos russos era seduzir americanos que poderiam ser mais tarde úteis para a política externa de Putin. Diz o “Guardian” que Trump foi o “alvo perfeito”. Durante 40 anos o KGB, agora com outro nome, fingiu-se imensamente impressionado com a personalidade de Trump. Percebendo que lidavam com uma pessoa extremamente vulnerável no plano intelectual e psicológico e que, além disso, se mostrava muito suscetível às lisonjas, os agentes secretos russos nos EUA encorajaram-no a candidatar-se a presidente.

Mas, ainda antes disso, Trump manifestou opiniões nada ortodoxas para um conservador, como criticar a guerra fria de R. Reagan contra a Rússia, acusar o aliado Japão e exprimir ceticismo quanto à NATO. “A América deve deixar de pagar para defender países que não conseguem defender-se”, disse então Trump. Afirmações destas provocaram grande entusiasmo em Moscovo, como se calcula.

Deve dizer-se em abono do ex-espião Schvets que ele próprio ficou surpreendido com a vitória de Trump nas eleições presidenciais de 2016. Disse ele ao “Guardian”: “Este foi um caso sem precedentes. Eu era conhecedor das medidas para aliciar simpatizantes nos EUA, mas nunca tinha visto nada semelhante – até Trump se tornar presidente dos EUA, porque isso era uma coisa louca. Era difícil acreditar que Trump fosse aceitável para pessoas sérias no Ocidente”...

Percebe-se, assim, a estranha relação de Trump com Putin – que ele nunca criticou, quando o seu hábito era insultar toda a gente, a começar pelos amigos. Mas Putin tem agora mais com que se preocupar. Não é que ele arrisque ser afastado do poder, pois o aparelho repressivo que o sustenta é muito forte. Mas não há dúvida de que a extraordinária coragem do seu opositor Navalny suscitou uma inédita onda de manifestações contra o Kremlin. E a vizinha Bielorrúsia continua a dar, também, um exemplo destemido contra a feroz repressão do seu presidente, exemplo que os russos conhecem.