Marcelo de Portugal
01-02-2022 - 06:05

O Presidente será oposição, contraditório e instrumento de promoção da transparência.

Marcelo Rebelo de Sousa é o homem do momento: com a vitória eleitoral de António Costa ganhou tudo aquilo que pediu. Atento à gula, eleitoralista e apressada, dos partidos da Geringonça, e sensível à necessidade de tranquilidade para recuperar da pandemia que mostravam os vários grupos sociais, foi ele quem mais exigiu estabilidade e uma solução sólida para quatro anos. E os eleitores despertaram e fizeram-lhe a vontade, aproveitando para mostrar, mais uma vez, que não gostam da fórmula “um presidente e uma maioria” da mesma cor.

É certo que uma legislatura de quatro anos pode ter um custo para um Presidente interventivo e que aprecia a ribalta, mas este é, meramente, afetivo. Marcelo parece disposto a pagar esse preço. Não se trata, apenas, do evidente prazer que lhe dá o desafio de ser um Presidente à altura dos seus valores e das suas fés, mas a atração que jaz no seu combate pelo futuro, com a possibilidade de alcançar, privadamente, e de ficar, publicamente, para a eternidade.

Exemplo disso foram, no Domingo, aqueles preciosos minutos de prime time, estrategicamente roubados às exageradas, infantis, excitações televisivas, quando se dirigiu ao Clube de Jornalistas para seguir a noite eleitoral, rodeado pelos grandes profissionais que a nova comunicação social isolou. E foi com ironia e com graça que explicou ao que vinha e o que é, uma voz, pois, que se ergue acima das gritarias.

Agora, junto de António Costa, exercerá o múnus de defender a comunidade, num movimento de instilação, parlamentar e governativa, aconselhando e tentando influenciar. Estará imbuído do dever de fomentar a tarefa partilhada de cuidar de uma vida comum que a pandemia agitou, feriu e distorceu. Naturalmente, guardando, perto da mão, todas as, suas muito conhecidas, armas constitucionais.

E, se Costa, agora tão centrado, é tanto ou mais habilidoso do que se diz, ouvirá e tirará disso o melhor proveito: pessoal, partidário, nacional. Depois, uma vez por outra, o Presidente será oposição, contraditório e instrumento de promoção da transparência. Usará deliberadamente o seu longo domínio dos corredores do poder, as máquinas publicitárias da comunicação social e o coração dos portugueses.

A autoridade, mais e melhor escutada do universo luso, cá estará para defender a democracia e fomentar o autocontrole dos, novos e antigos, radicais e, esperemos, para ajudar a nova maioria a construir-se como uma melhoria para todos. E o Presidente usá-la-á como um grande mestre, ousando uma parcimoniosa tonalidade íntima que não intimidante nem messiânica, mas tão abertamente pública que se torna absolutamente incomparável na sua eficácia, popular mas não populista. Muitos a desejam e de facto, só Costa parece capaz de se aproximar.

Portanto, no Domingo foi eleito este par absolutamente provável, e talvez venha daí uma parte da tremenda desgraça do CDS e da profunda instabilidade do PSD. Rio tem muitas qualidades, de inteligência e de humanidade. Mas agindo, repetidamente, num intervalo emocional extraordinariamente estreito, transforma a sua natural sinceridade numa frieza e numa artificialidade suspeitas. Mostrando incapacidade de promover adesão e empatia, destruiu qualquer possibilidade de gerar, para dentro de portas, uma casa próspera, e face ao país, de fomentar uma crença firme na sua capacidade de governar a adversa dificuldade do tempo presente. Nem tudo nesta vida se resume às boas ideias.

Quanto ao CDS, é uma pena ver desaparecer um partido, de uma direita moderada e social, que teve líderes brilhantes e ofereceu a vários governos os quadros competentes que abundantemente preenchiam as suas fileiras. Como qualquer grande instituição social, os partidos políticos que esquecem a sua fundação, os seus princípios constitutivos, e não avançam no sentido de melhorar, sem destruir, os primórdios das suas lideranças inaugurais, estão, simplesmente, a forjar a sua própria morte.