Os botões da paternidade
21-09-2018 - 06:40

Mesmo que a evolução da espécie tenha colocado a natureza masculina num ponto menos disponível para os filhos, isto não legitima o machismo e a clássica divisão de trabalho: ela, os filhos; ele, o trabalho fora de casa.

Botões. Como é que uma coisa tão pequena e tão dada à fofice pode irritar tanto uma pessoa? Explico-me: abotoar os botões da roupa das minhas filhas é uma daqueles misteres da paternidade que me põem a praguejar em pensamento. Os meus dedos gigantescos nem sequer conseguem agarrar naqueles minúsculos círculos.

Não, não é o elefante na loja de porcelana. É o elefante na loja de porcelana a tentar apanhar com a paquidérmica pata os pedaços da faiança que já partiu. Desisto quase sempre. Quando a mãe está, lanço o SOS. Quando a mãe não está, vão desabotoadas para a escola. Brincadeiras à parte, este é um daquelas momentos em que a tentação do machismo espreita. É um daqueles momentos em que sinto que isto dos filhos é para a natureza das mulheres, não para a natureza dos homens. Dura segundos, mas dura.

Será que os filhos são mesmo mais enquadráveis na natureza das mulheres? Será que a natureza dos homens é menos propensa para o cuidado da ninhada? Admito que sim. O cérebro dos homens pensa de forma diferente do cérebro das mulheres. É factual. Tal como me parece factual a capacidade que as mulheres têm para fazer mais tarefas ao mesmo tempo. Cuidar de crianças é fazer dez coisas em simultâneo e não apenas uma – algo que me parece mais natural para elas do que para eles. Contudo, nós, seres humanos, não somos a nossa natureza animal criada pela evolução. Somos outra loiça; loiça que parte menos. Ou seja, mesmo que a evolução da espécie tenha colocado a natureza masculina num ponto menos disponível para os filhos, isto não legitima o machismo e a clássica divisão de trabalho: ela, os filhos; ele, o trabalho fora de casa e chegar a casa às sete ou oito, ora essa!, já depois de banhos e jantares dados.

Nós não somos o nosso instinto, natureza ou “feitio”. Somos seres racionais com uma visão moral que se eleva acima da natureza. É isso que nos separa dos animais. Fazermos aquilo que não é natural é a base da civilização, da moral, até da beleza. O ballet, por exemplo, é duro, difícil e pouco intuitivo. É um treino, um mister que se pratica, tal como a paternidade.

Os homens não têm desculpa, porque precisamente são homens e não orangotangos. Admito que a paternidade é mais difícil e muitas vezes contrária à nossa natureza, mas isso não é álibi. Sim, para um homem é mais difícil abotoar um vestido de uma menina, mas isso não determina que as mulheres devem ficar com o monopólio dos botões. Determina, isso sim, um esforço e uma disciplina da parte do homem, do pai. Ou seja, implica amor. É esse amor que preenche o vazio entre o feitio e a decência, entre a natureza e o dever. Portanto, sejam homenzinhos e abotoem o mundo; o vosso mundo, pelo menos.