​O padre português que acha que o Papa promove heresias, afinal, não existe
27-11-2017 - 15:44
 • Filipe d'Avillez

Luiz António de Aguiar era o único português signatário da “Correcção Filial”, que um grupo de teólogos dirigiu ao Papa Francisco. A Renascença foi à procura do sacerdote, mas sem sucesso. Site já retirou a sua assinatura.

No dia 24 de Setembro um grupo de 62 teólogos de várias partes do mundo divulgou uma carta, a que chamou “correcção filial a propósito da propagação de heresias”, dirigida ao Papa Francisco, acusando-o de defender sete heresias nos seus ensinamentos públicos. Publicado na internet, os organizadores convidavam outros a juntar o seu nome à lista de signatários. Até há dias havia apenas um português na lista, agora não há nenhum.

O documento tinha sido originalmente entregue no Vaticano em Agosto. A publicação “online” causou furor mediático e revelou a dimensão da contestação ao Papa por parte de alguns sectores tradicionalistas da Igreja, nomeadamente devido a questões como o acesso por parte de pessoas em situação matrimonial irregular aos sacramentos.

Mal a lista de signatários foi aberta ao público, com os autores a deixarem claro que apenas pessoas com credenciais académicas ou religiosas deveriam assinar, ao longo dos dois meses seguintes, o número de signatários subiu para cerca de 250.

Logo no dia 25 de Setembro, 24 horas depois de ter sido tornado público, o documento recebeu um grande lote de assinaturas, entre as quais se destacava a do padre Luiz António de Aguiar, identificado apenas com o país de origem, Portugal.

Foi durante vários meses o único signatário português da lista. Como tal, a Renascença tentou entrar em contacto com ele para saber o que o motivava a acusar o Papa de heresias. Logo aí começaram as dificuldades.

No anuário da Igreja Católica o nome deste sacerdote não constava – não seria, por isso, um padre diocesano. Mas também as pesquisas “online” não revelaram qualquer indício deste padre. Há um com um nome parecido, mas brasileiro.

A Renascença contactou bispos, padres a trabalhar tanto em Portugal como em Roma, e um grande número de pessoas ligadas ao sector mais tradicionalista da Igreja. De todos a resposta foi a mesma. Ninguém conhecia ou alguma vez tinha ouvido falar num padre Luiz António de Aguiar. Houve quem sugerisse tratar-se de um pseudónimo, mas num texto desta natureza, que vive do peso intelectual, religioso e académico dos seus signatários, a inclusão de pseudónimos não faz sentido.

Por fim, foram contactados os organizadores da própria iniciativa. Um primeiro email para o endereço geral não teve qualquer resposta, mas mais sorte tivemos quando escrevemos para Joseph Shaw, líder da Sociedade da Missa Tradicional em Latim de Inglaterra e responsável pela comunicação da “Correcção Filial”.

Shaw disse que o signatário em questão não tinha deixado mais detalhes, mas que havia um email. Tinha-lhe sido reencaminhada a mensagem da Renascença, com um pedido para que entrasse em contacto. Nada.

Passadas algumas semanas insistimos, perguntando desta vez directamente se o padre Luiz António de Aguiar não seria, afinal de contas, um nome falso. “Depois de algumas pessoas inexistentes terem assinado a Correctio, instituímos algumas verificações. Não tenho sido eu a tratar disso, mas esperaria que ele só fosse incluído após algum tipo de confirmação, contudo, poderá ter passado despercebido”. A informação, disse-nos, foi reencaminhada para o moderador.

Finalmente, este sábado a Renascença pôde verificar que o nome do misterioso padre Luiz António tinha sido retirado da lista de signatários. Comentário de Joseph Shaw: “não recebi mais informação do moderador, mas a retirada do nome fala por si”.

“Falta de seriedade”

Esta não é a primeira vez que os nomes associados à “correcção filial” apresentam incongruências, como o próprio Shaw admite.

Num dos casos mais mediáticos, o responsável do site de informação católica ACI Prensa, Alejandro Bermúdez, teve de escrever para pedir que o seu nome fosse retirado, uma vez que tinha sido adicionado sem o seu consentimento.

“Nunca assinei a vossa carta, nem tenciono fazê-lo. Enquanto jornalista fico admirado por ver o quão fácil é acrescentar o nome de alguém à vossa lista sem que se verifique a sua autenticidade. Isso diz muito sobre a falta de seriedade da vossa iniciativa”, disse na altura Bermúdez.

[Título corrigido para melhor reflectir o conteúdo da "correcção filial"]