Tribunal de Contas arrasa políticas do Governo para a habitação durante a pandemia
19-11-2021 - 10:09
 • João Carlos Malta

O ministério de Pedro Nuno Santos defende-se com "uma situação cheia de incógnitas" quando as medidas foram lançadas. E defende que se as medidas "não são quantitativamente qualificáveis", "têm um valor absoluto para quem viu essa estabilidade garantida".

O Tribunal de Contas reprova a ação do Governo durante a pandemia em relação às necesidades de habitação. O TC considera o programa do Ministério das Infraestruturas e Habitação como "insuficiente" e "incipiente".

No relatório de auditoria "Reação ao impacto adverso da pandemia no setor da habitação", o Tribunal escreve que até ao final do ano passado, a reação do Governo resumia-se a cinco medidas, e mesmo essas considera que tiveram um "grau de execução insuficiente e incipiente (16% do orçamentado)", sendo que " duas não apresentavam resultados, só uma tinha meta definida, sem a ter atingido, e nenhuma se revelava eficaz para alcançar o seu objetivo nem para recuperar a situação inicia l".

No comunicado é escrito ainda que "não foram determinadas com rigor as necessidades habitacionais decorrentes do impacto adverso da pandemia, nem essas necessidades tiveram impacto nos objetivos definidos para o programa orçamental", os quais se mantiveram inalterados, tal como as metas previstas para 2020. A mesma instituição considera que apenas "originaram uma medida para reagir a esse impacto, sem orçamento e com resultado imaterial".

Nas conclusões, o TC descreve que a estrutura existente "não se revelou adequada para monitorizar e controlar eficazmente (de forma ativa e tempestiva) as medidas, identificando e quantificando a situação inicial (anterior à pandemia), o impacto adverso da pandemia, a reação a esse impacto adverso e a recuperação desse impacto, através da correspondência, para cada medida tomada, entre objetivo pretendido (expresso pela meta a atingir) e resultado obtido."

Em relação à informação prestada sobre as medidas extraordinárias diz que a mesma "não foi completa, nem suficiente", não tendo promovido a responsabilização, a transparência e o escrutínio públicos , quanto à eficácia dessas medidas em atingir os seus objetivos e assegurar recuperação do impacto adverso da pandemia no setor da habitação.

O Ministério das Infraestruturas e da Habitação tinha identificado o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) como entidade gestora das cinco medidas extraordinárias tomadas como reação ao impacto adverso da pandemia no setor da habitação: conservação e reabilitação do parque habitacional do IHRU; proteção do arrendamento habitacional; parque habitacional público de habitação a custos acessíveis; reconversão de alojamento local; mecanismos de redução, suspensão e isenção de rendas, por entidade pública (o IHRU).

O TC recorda que a crise pandémica veio amplificar a importância da habitação na vida dos cidadãos, face à aplicação de medidas sanitárias que determinaram períodos de confinamento, teletrabalho e distanciamento social, com limitação generalizada e prolongada de atividades exteriores e, em muitas situações, com perda de rendimentos necessários para pagar empréstimos ou rendas habitacionais.

O Ministério das Infraestruturas e Habitação, liderado por Pedro Nuno Santos, já reagiu ao relatório em comunicado, escrevendo que qualquer análise às respostas promovidas em contexto da crise pandémica, seja em matéria de habitação, ou outra, nunca devem perder de vista a sua natureza singular. "Trata-se de um fenómeno novo, inédito, para o qual nenhum país estava preparado e que obrigou a uma resposta imediata e a uma constante «aprendizagem em processo»", começa por contextualizar.

O mesmo ministério fala de "uma situação cheia de incógnitas" quando determinou as medidas para atacar a crise pandémica.

A defesa continua assumindo que as medidas tomadas em contexto pandémico se traduziram em medidas de resposta imediata para garantir a estabilidade da permanência na habitação, "que não são quantitativamente qualificáveis", mas que "têm um valor absoluto para quem viu essa estabilidade garantida".

E o gabinete de Pedro Nuno Santos coloca três questões "Como pode a suspensão dos despejos, ou o regime excecional de proteção dos arrendatários (suspensão da produção de efeitos das denúncias e da caducidade dos contratos) ser medido quantitativamente se, precisamente, o que dita o seu sucesso, é não terem existido despejos, ou os contratos terem permanecidos válidos, e por isso as pessoas não terem perdido a sua habitação?"; e "Como pode ser medido o efeito da medida de apoio no pagamento de rendas aos arrendatários com quebras de rendimentos, convertido, em devido tempo, em comparticipação não reembolsável para os que mantêm a quebra de rendimentos, ser medido pelo facto de não ter esgotado a verba que o Governo, em contexto pandémico e de incerteza alocou? Não teria sido dramático que, pelo contrário, algum arrendatário tivesse ficado sem apoio, porque não havia dotação suficiente? "

Por fim, o Governo escreve que ao contrário da anterior “crise das dívidas soberanas”, não fomos confrontados com despejos em massa e com milhares de famílias sem casa, totalmente desprotegidas, em complemento, com um total desinvestimento em medidas estruturais. "E isso deve-se, e muito, à reação que o Governo teve, no seu conjunto, no contexto da pandemia", conclui.

Por isso, o ministério não compreende, as conclusões tiradas do relatório do TC, "seja quanto à definição, à partida, de uma meta orçamental (desfasada da excecionalidade da situação que estávamos a viver), seja quanto à conclusão de que as medidas foram insuficientes (desfasada do n.º de famílias que foram apoiadas com as medidas excecionais criadas, muitas delas sem impacto orçamental direto)".