Mais de metade dos portugueses está insatisfeito ou muito insatisfeito com a vida sexual, um em cada cinco diz estar em sofrimento devido à vida sexual e mais de um terço dos indivíduos LGBT+ (37%) garante já ter sido alvo de discriminação.
Os resultados do Questionário de Avaliação das Práticas e Experiência de Saúde Sexual, divulgados no final de setembro, vieram dar nota negativa à saúde sexual de quem vive em Portugal – o que, para o sexólogo João Teixeira Sousa, é “surpreendente”, ainda para mais porque “agora as pessoas falam, é um tema que as preocupa”.
Apesar do espanto, o psicólogo clínico, convidado desta semana do podcast Geração Z da Renascença/EuranetPlus, é rápido a ler os números: a culpa é das “expectativas demasiado altas” que se criam no espaço público. Se antes havia tabu, hoje o tema é dominado por “muitas obrigações” e há "vergonha" quando os níveis de desejo são baixos ou se está insatisfeito.
“William Simon dizia que ‘a verdade mais importante sobre a sexualidade é que não há verdades que sejam permanentes’. No campo de desejo sexual, foi isso que aconteceu. Uma mulher que tivesse desejo sexual era ninfomaníaca. Agora, aparecem nos manuais de diagnóstico o baixo desejo sexual”, assinala.
Também “as muitas queixas relacionadas com a saúde mental, com a ansiedade e a falta de tempo” perturbam a sexualidade, nomeadamente para as pessoas mais vulneráveis, por exemplo, com menos capacidade económica.
Esta ligação entre bem-estar psicológico e vida sexual não significa, no entanto, que a pandemia tenha necessariamente deteriorado a vida sexual e amorosa dos jovens – “é melhor não fazer generalizações”.
“A pandemia foi vivida de forma muito diferente de acordo com a personalidade prévia de cada um. Além disso, os jovens estavam mais preparados devido à capacidade que têm de se ligar à tecnologia. Por outro lado, também não era sobre eles que recaía o grande problema de saúde pública”, esclarece.
Casos de DST sobem cada vez mais e nós preocupamo-nos cada vez menos
O alerta foi deixado pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças: as doenças e infeções sexualmente transmissíveis (DST/IST) dispararam 80% em 2022 e os casos entre os mais jovens não param de aumentar. Porquê? “Fala-se menos e há menos perceção de risco”, diagnostica a psicóloga Ana Luísa Duarte, uma das responsáveis pela Ser+, a Associação Portuguesa para a Prevenção e Desafio à SIDA.
Esta especialista refere que a redução da taxa de mortalidade e a “cronicidade” da infeção por VIH vieram “tirar do espaço público o tema e tornaram a informação muito escassa nas escolas” – o que é “especialmente preocupante, porque muitas IST não provocam sintomas desde o início” e só com “noção dos comportamentos de risco” é possível acelerar o rastreio.
Por estas razões, o perfil de infetados alterou e registou-se uma subida de casos entre os adolescentes e jovens adultos – o que implica mudanças no acompanhamento clínico a partir do momento do diagnóstico.
“Há uma grande dose de culpa e vergonha. E isto liga-se a medos dos jovens. A questão dos relacionamentos: ‘vou ter alguém que me aceite com VIH?’ Depois vem a questão de ter filhos, nomeadamente nas mulheres. Há ainda a profissão, nomeadamente quem está a tirar um curso de medicina ou enfermagem pensa se pode exercer. Certamente que pode, não há implicações nenhumas”, desmistifica.
Quem pode combater o preconceito? Estado e UE
O caminho a trilhar para uma vida tranquila depois de um diagnóstico ainda é, por isso, longo – e, muitas vezes, dificultado pelo preconceito que teima em permanecer. E até nos locais “onde se deve dar o exemplo”.
“Onde surgem mais situações de discriminação é nos serviços de saúde. A maioria das pessoas opta por não partilhar no seu emprego ou até com amigos e familiares, mas com os profissionais de saúde, a maioria partilha. E, infelizmente são relatadas muitas, muitas situações”, lamenta.
Em 2019, a União Europeia encerrou o Grupo de Reflexão e o Fórum de Sociedade Civil sobre o VIH, hepatites virais e tuberculose – onde elaborava planos de ação e políticas públicas com as autoridades sanitárias e ONG de cada país para combater estas doenças.
Ainda assim, mantém-se de pé o financiamento direto de Bruxelas a projetos para combater as IST e as DST que, em Portugal, são geridos maioritariamente pelo Programa Nacional para a Infeção VIH, Sida e Tuberculose.
Apesar de se encontrar entre os objetivos a “elaboração de normas de orientação clínica e terapêutica”, Ana Luísa Duarte defende que os fundos europeus também devem ser direcionados para a formação de profissionais de saúde “para conseguirem tratar de forma aberta as questões da sexualidade”. E não só.
“Na sociedade civil, a publicidade institucional tem um papel mais importante. Acho que deveria ser relançada e investidas algumas campanhas até para deixar de associar VIH ao medo e à morte. A maioria das campanhas que foram feitas inicialmente eram muito pelo medo”, apela.
João Teixeira Sousa assina por baixo, até porque a discriminação sexual também afeta outras camadas da população. No caso das pessoas LGBT, o sexólogo confirma que até pode haver preconceito interno, com muitos jovens a acreditarem que as relações dentro da comunidade são mais tóxicas. “Todos vivemos nas mesmas sociedades. Ninguém fica imune a um discurso vigente, não é?”.
Educação sexual. Afinal, é possível conciliar escola e família
Perante o anúncio do primeiro-ministro de que a disciplina de cidadania vai ser “libertada de amarras ideológicas”, João Teixeira Sousa não comenta diretamente as palavras do primeiro-ministro, mas reforça que a educação sexual “até atrasa o início da vida sexual e tem um impacto muito positivo no combate à violência de género”.
O sexólogo concorda, por isso, com a decisão de manter a disciplina obrigatória – e pede que se expliquem aos pais as razões pelas quais a educação sexual deve ser tratada num ambiente familiar e também escolar
“É preciso dizer aos pais que eles terão uma palavra a dizer e até podem não estar de acordo. Mas a educação sexual tem espaços informais, como a internet e redes sociais, que ninguém pode controlar. Portanto, é muito importante que os jovens tenham um espaço formal [a escola] onde partilham o que veem, ouvem, as dúvidas e as angústias”, assinala.
Este especialista aponta ainda que “deve haver” um programa mais estruturado, adaptado a cada idade e fase da vida. Já para Ana Luísa Duarte, o futuro da educação sexual passa por abordá-la também fora da sala de aula.
“Não só promover a formação dos professores nesta área, como também trazer outras pessoas de fora da escola, nomeadamente as ONGs, os próprios cuidados de saúde primários. Os professores trabalham em temas onde não estão muito à vontade e isso não facilita”, remata.