J.D. Vance é o escolhido por Donald Trump para acompanhar o ex-Presidente na terceira candidatura à Casa Branca. O senador norte-americano pelo estado do Ohio, autor de um livro de memórias que chegou a estar na lista de mais vendidos do “The New York Times”, foi eleito pela primeira vez apenas em 2022, mas subiu à fama nos Estados Unidos da América após o apoio de Trump, que agora lhe dá a mão para voos mais altos.
Desde cedo na recandidatura de Trump à presidência norte-americana que se especulou sobre qual seria a escolha de "companheiro de corrida" para a campanha de 2024, dada a óbvia indisponibilidade do ex-vice de Trump, Mike Pence.
Essa indisponibilidade é um resultado direto do dia 6 de janeiro de 2021, quando a certificação dos resultados das eleições presidenciais de 2020, vencidas por Biden, foi interrompida numa invasão violenta do Congresso dos EUA, resultando em cinco mortes.
Trump pediu aos apoiantes num comício frente à Casa Branca para irem até ao Capitólio e disse repetidamente que esperava que Mike Pence “fizesse a coisa certa”. A multidão foi ouvida a pedir o enforcamento de Pence que, no fim da tentativa de golpe, certificou a eleição.
Atualmente, J.D. Vance recusa a ideia de que Trump tenha instigado o ataque ao Capitólio, e disse que, se estivesse no lugar de Mike Pence, teria cumprido os desejos de Trump e revertido a eleição. Mas Vance nem sempre foi fã de Donald Trump.
A gota de água na radicalização de Vance
J.D. Vance ganhou destaque mediático em 2016, quando escreveu "Hillbilly Elegy", um livro de memórias em que explora os problemas socioeconómicos que cidade natal de Middletown, no Ohio, enfrenta.
O livro criticava o que Vance via como uma cultura autodestrutiva na América rural, e procurava explicar a popularidade de Trump entre os americanos brancos pobres. Uma crítica apontou que Vance escreveu sobre o “desespero” dessa América.
Elogiado pela crítica, o senador viu o livro ser usado como exercício de empatia para com uma América esquecida pela política. Nessa altura, criticou duramente Trump, antes e depois da vitória nas eleições de 2016 contra Hillary Clinton, chamando-o de “idiota” e “Hitler da América”, e comparando-o a um opiáceo que permite uma “fuga fácil à dor”.
Foi algures depois da vitória de Donald Trump, em 2016, que J.D. Vance mudou de opinião. Em 2022, quando Vance se candidatou ao Senado, uma reportagem do “The Washington Post” apontou que a relação dele com os liberais – termo que, nos EUA, identifica tipicamente apoiantes do Partido Democrata – ficou insustentável quando a vitória de Trump passou a ser explicada pela interferência russa e pelas tensões raciais provocadas pelos Republicanos.
O ponto de rutura, segundo um amigo da universidade, terão sido as críticas negativas e o gozo online à adaptação para filme de “Hillbilly Elegy”.
Aos 39 anos, Vance representa uma geração mais jovem numa eleição em que os principais candidatos são já membros de longa data do clube da terceira idade - Donald Trump tem 78 anos, enquanto Joe Biden tem 81. A atual vice-presidente, Kamala Harris, tem 59 anos.
A rápida ascensão de Vance é incomum na política americana. Depois de uma infância pobre no sul de Ohio, serviu no Corpo de Fuzileiros Navais, ganhou uma bolsa de estudos na Faculdade de Direito de Yale, e mais tarde trabalhou como investidor de risco em São Francisco.
"Não me interessa o que acontece à Ucrânia”
Um dos membros mais isolacionistas do Partido Republicano, J.D. Vance pode ser uma dor de cabeça para a Europa. Ao “Politico”, um funcionário europeu descreveu mesmo a escolha como um “desastre” para a Europa e para a Ucrânia. A CNN descreve a reação do Velho Continente à escolha como uma de “ansiedade”.
Formalmente, o papel atribuído pela Constituição dos EUA ao vice-presidente é bastante limitado, ficando-se pela presidência do Senado, onde apenas pode votar para desempatar (algo que Kamala Harris já fez 33 vezes), por um papel de sucessão imediata no casos de morte, demissão, remoção do cargo e incapacitação do Presidente, e por funções ligadas à segurança nacional. Na prática, quem ocupa a vice-presidência tem um papel importante na promoção da legislação desse Governo, assume frequentemente a gestão de um dossiê específico, e fica na linha da frente para ser o próximo candidato à Casa Branca do seu partido.
Vance foi um dos líderes do movimento republicano que bloqueou o pacote de 60 mil milhões de dólares de ajuda dos EUA à Ucrânia este ano. Em 2022, ainda antes da invasão russa começar, disse no podcast de Steve Bannon (ex-conselheiro de Trump) que considerava “ridículo estarmos focados nesta fronteira na Ucrânia”.
“Não me interessa mesmo o que acontece à Ucrânia de uma forma ou de outra”, acrescentou o novo parceiro de Trump, que também já pediu que a Ucrânia ceda o território atualmente ocupado pela Rússia para terminar a guerra.
O protecionismo de que Trump e Vance são adeptos também pode ser uma fonte de preocupação. A imposição de novas tarifas aduaneiras em exportações europeias pode ser ainda mais um obstáculo à recuperação das economias centrais da União, como a França e a Alemanha, cujo crescimento tem sido anémico (quando existe). A proposta de Trump é de taxar a 10% todas as importações dos EUA, independentemente da origem.
J.D. Vance também tem opiniões sobre questões internas da União Europeia, como a decisão de Bruxelas de reter fundos à Hungria e Polónia por violações do Estado de Direito, que criticou como uma “imposição de visões liberais imperialistas” a partir de Bruxelas e Berlim.
Tal significa que é adepto de Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria – como é tendência entre o novo movimento conservador nos EUA –, e das políticas como as restrições aos temas do racismo e identidade de género nas escolas. No mesmo diapasão, criticou o despedimento, pelo atual governo polaco, dos diretores de informação da comunicação social pública da Polónia nomeados pelo anterior executivo.
Ao "Politico", J.D. Vance disse não acreditar na "ordem internacional baseada em regras", o sistema de leis e instituições multilaterais que governa o mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O novo parceiro de Donald Trump acredita que a "mitologia à volta do comércio livre e da globalização" foi "escondida para justificar" a aproximação do Ocidente à China, e que apenas resultou na exportação de empregos para a China, sem transformar o país numa democracia liberal.
Vance critica ainda a política de energia da Alemanha, que apelida de “idiótica”, assim como o setor de Defesa alemão, que “gasta consideravelmente mais que a França cada ano e tem pouco para mostrar”.
Num vídeo que tem circulado nas redes sociais, o candidato republicano à vice-presidência acusa também o Reino Unido de ser o “primeiro país verdadeiramente islamista a obter uma arma nuclear” desde que o Partido Trabalhista assumiu o governo.
Os utilizadores da rede social não perderam tempo a anexar uma nota que mostra que a frase não tem qualquer ligação com a realidade: nos censos de 2021, apenas 6,5% da população na Inglaterra e no País de Gales se identificou como muçulmana, o que se traduz em 3,9 milhões de pessoas (face a 27,5 milhões de cristãos e 22,2 milhões sem religião).
Aborto, imigração e clima: as posições habituais
J.D. Vance tem fortes ligações a Peter Thiel, o bilionário cofundador da PayPal adepto do conservadorismo libertário - uma corrente que defende a maior liberdade económica possível e a menor regulação possível da vida social, o que se traduz numa promoção da autoridade e rejeição do que chamam de “engenharia social” dos liberais.
Vance acredita que os EUA estão perto do colapso e que os líderes do país não estão interessados nesse facto, e defende ainda o despedimento sumário de funcionários federais.
Além disso, o candidato a vice-presidente tem as posições comuns dentro do Partido Republicano em vários temas.
No aborto, J.D. Vance opõe-se ao direito de abortar mesmo em casos de incesto e violação, mas abre exceção para quando a vida da mãe está em perigo. Como Trump, diz não querer uma proibição nacional, e deixa a decisão nas mãos dos estados.
Na imigração, Vance é um espelho de Trump: quer terminar a construção do muro na fronteira e é contra a amnistia para os imigrantes que entraram sem visto nos EUA.
Nas alterações climáticas, o senador diz que não são uma ameaça, e é cético do consenso científico que atribui aos humanos a culpa do aquecimento global. “Está a mudar há milénios”, diz Vance sobre o clima.
Na questão do Médio Oriente, o candidato é um acérrimo defensor de Israel, e tem defendido a orientação do governo de Benjamin Netanyahu mesmo com as críticas pelo crescente número de mortes de civis palestinianos a aumentar.
É ainda conhecida a posição de Vance sobre o horário de verão, que diz reduzir "a fertilidade por pelo menos 10 por cento" - um tweet que foi recordado pela congressista democrata Alexandria Ocasio-Cortez.
Uma escolha para reforçar a base eleitoral
A escolha de James David Vance pode ajudar a aumentar a votação de Trump nas eleições de 5 de novembro, particularmente em alguns dos estados do “Rust Belt”, nomeadamente o Michigan, Wisconsin, Illinois e a Pensilvânia, onde a eleição provavelmente será decidida.
O nativo de Ohio é profundamente popular entre a base do candidato republicano e a mensagem populista tem acolhimento nos estados onde uma parte significativa da população é branca e de classe trabalhadora, assegurando assim a ida às urnas dos republicanos.
Ao mesmo tempo, é improvável que Vance traga muitos novos eleitores para o lado de Trump, e pode até alienar alguns moderados. Alguns dos apoiantes de Trump pressionaram-no a escolher uma mulher ou um afroamericano como "número 2" para expandir a coligação eleitoral em 2024.
Segundo a Reuters, embora vários doadores tenham dito que ficaram desapontados com a escolha, outro doador, o empresário petrolífero Dan Eberhart, viu a escolha como um sinal da confiança de Trump na campanha contra o Presidente Joe Biden.
As sondagens mostram que os dois homens travam uma disputa acirrada a nível nacional, mas Trump tem uma liderança aparentemente saudável na maioria dos estados decisivos.
“Isso demonstra que Trump não sente que precisa do vice-presidente para conseguir qualquer grupo demográfico ou estadual específico”, disse Eberhart, para quem o ex-Presidente "está confiante de que esta corrida está encerrada."