​Não ao AO90
24-02-2017 - 07:19

Ao longo dos últimos anos tenho verificado o enorme número de situações em que o Acordo Ortográfico em vez de simplificar acaba por complicar as coisas.

Deixem-me começar com uma "declaração de voto": continuo escrevendo português segundo a antiga ortografia, em parte por preguiça, em parte porque me parece que o Acordo Ortográfico (AO) é um péssimo acordo.

O número de opositores ao AO é grande. Em linhas gerais, podemos distinguir três tipos de "teimosos". Primeiro, os que acham que o AO é um grande erro porque a ortografia do português era muito melhor como estava antes. Alguém dizia que, para cada pessoa, a melhor música que alguma vez foi escrita é a música que foi composta quando a pessoa em questão tinha 18 anos. Para a minha geração, é indiscutível que o cume da história da música foram os Pink Floyd, enquanto que para a geração anterior foi o Frank Sinatra ou talvez o Elvis Presley. Pela mesma tabela, para este primeiro grupo do "Não ao AO" a melhor ortografia do português é a que aprenderam na escola simplesmente porque foi a que aprenderam na escola. Muitos deles não admitem que realmente é esse o motivo da sua escolha, assim como as preferências musicais "objectivas" têm muito de subjectivo. (Neste sentido, seria útil estudar a reacção que o País teve perante as anteriores reformas ortográficas que a nossa língua sofreu.)

Um segundo grupo opõe-se aos objectivos do AO: a ideia de que, por exemplo, a uniformização da ortografia entre diferentes países, ou a simplificação da escrita (e.g., a omissão de consoantes mudas), são passos necessários para a afirmação internacional da língua portuguesa, senão mesmo a sua sobrevivência. Esquecem-se de que a língua franca do Século XX é a língua com menos regras entre as línguas ocidentais — e está também muito longe da uniformidade espacial.

Finalmente, temos os que batem o pé à mudança não pela mudança em si mas simplesmente porque o AO é uma aberração: não a ideia de um acordo mas si mas a ideia deste acordo em concreto. Não fiz as contas, mas ao longo dos últimos anos tenho verificado o enorme número de situações em que o AO em vez de simplificar acaba por complicar as coisas, nomeadamente por criar múltiplas situações de confusão.

Esta é a essência, segundo consigo perceber, do recentemente divulgado manifesto dos “Cidadãos contra o 'Acordo Ortográfico' de 1990”

(AO90), assinado por personalidades tão variadas como António Barreto, Carlos Fiolhais e António-Pedro Vasconcelos. Não sendo nem de longe nem de perto um especialista na matéria, os argumentos apontados pelos autores do manifesto parecem-me coerentes e convincentes.