A paz é um bem tão precioso que se torna incompreensível que, nos dias de hoje, seja um bem tão escasso. Apesar de todos os avanços alcançados pela Humanidade, a verdade é que ainda não conseguimos – enquanto comunidade global – acabar com a guerra e espalhar os valores do bem, da caridade e da paz.
Atualmente, vivemos num mundo marcado por guerras e conflitos que causam o sofrimento de tantos inocentes. Todos os dias ouvimos falar de pessoas que perdem a vida e de cidades que são completamente destruídas. A guerra semeia apenas morte e destruição, não sendo nunca uma via para resolver qualquer conflito ou divergência. Na carta encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco deixa claro que nenhuma guerra é justa (parágrafos 256 a 262). A guerra é um verdadeiro “crime contra a humanidade” (Papa Francisco, Angelus, 14 de janeiro de 2024). Assim, torna-se imperativo que, individualmente e enquanto comunidade, nos empenhemos em ser construtores da paz.
Falar em construir a paz leva-me a relembrar São Francisco e a cidade de Assis. Precisamente há 805 anos, em plena Quinta Cruzada, Francisco de Assis foi ao encontro do Sultão Malik-al-Kamil, “armado” com a sua fé e com o espírito de fraternidade que esta lhe inspirava. Contra aquilo que os seus conselheiros lhe recomendavam, o Sultão acolheu-o com admiração e cortesia. Dá-se, assim, um encontro marcado por um forte espírito de diálogo, humildade e fraternidade.
Este foi, sem dúvida, um encontro profundamente profético e que nos deve inspirar hoje a evitar toda a forma de agressão ou conflito, e a viver de forma humilde e fraterna, à imagem de São Francisco. Este encontro mostra-nos que alcançar a paz passa por ir ao encontro do outro que é nosso irmão.
Nesse sentido, o movimento internacional A Economia de Francisco lançou a iniciativa Steps for Peace (Passos pela Paz), onde todos somos chamados a ser peregrinos da paz. Esta iniciativa tem como objetivo que, um pouco por todo o mundo, se percorram 4.000 quilómetros (8 milhões de passos) pela paz. Esta é sensivelmente a distância de Assis ao Cairo, e de Assis a Jerusalém.
Em Portugal, o hub português da Economia de Francisco associa-se a esta iniciativa através de uma caminhada pela paz, que terá lugar em Lisboa no próximo dia 13 de julho (pode inscrever-se aqui). Quando forem alcançados os 8 milhões de passos, uma delegação da Economia de Francisco irá a Jerusalém, simplesmente para pedir a paz, com a pobreza de palavras e estratégias diplomáticas que animavam Francisco há 800 anos. Desta forma, Assis volta a ser uma cidade a partir da qual partimos para pedir a paz.
A cidade de Assis é há séculos um símbolo de um humanismo da fraternidade. Em 1986, São João Paulo II escolheu-a para ser o palco do primeiro encontro de oração inter-religiosa pela paz. Não se tratava de uma oração de uns contra os outros, como aconteceu durante séculos, mas de uma oração fraterna de uns pelos outros. O espírito gerado nesse encontro ficou a chamar-se “Espírito de Assis”.
Também inspirado por este Espírito, em 2019 (precisamente 800 anos após São Francisco ter ido ao encontro do Sultão), o Papa Francisco deslocou-se aos Emirados Árabes Unidos para se encontrar com o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb. Deste encontro resultou um documento (Documento sobre a Fraternidade Humana, Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019) que nos relembra que “a fé leva o crente a ver no outro um irmão que se deve apoiar e amar”. Este documento deixa claro que “as religiões nunca incitam à guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue”. Pelo contrário, “os verdadeiros ensinamentos das religiões convidam a permanecer ancorados aos valores da paz; apoiar os valores do conhecimento mútuo, da fraternidade humana e da convivência comum”.
Estes três encontros mostram-nos que a paz se constrói através do encontro, do diálogo e do amor ao próximo. É disto que precisamos nos dias de hoje! Hoje precisamos de seguir o exemplo de São Francisco e ousar sonhar um mundo novo. Precisamos de lançar a semente de um novo espírito de amizade e fraternidade, tal como Francisco há 805 anos. Hoje, toda a Humanidade (independentemente do seu credo) deve unir-se e dar passos concretos para alcançar a paz no mundo, ousando derrubar muralhas que são criadas pela indiferença, por desejos de poder e supremacia, e pela falta de amor. A paz constrói-se todos os dias, com os atos mais simples. Que inspirados pelo “Espírito de Assis” possamos todos juntos construir a paz.
Carlos Figueira é Mestre em Economia pela Nova School of Business and Economics, onde atualmente leciona enquanto Assistente Convidado. É também membro do movimento internacional “A Economia de Francisco”, inspirado em São Francisco de Assis e lançado pelo Papa Francisco, em 2019.