Pergunta ao Governo. Não pode um aluno pobre escolher uma escola privada?
20-05-2021 - 23:47

Sempre haverá escolas públicas melhores do que muitas escolas privadas; e sempre existirão escolas privadas melhores do que muitas escolas públicas. Tanto no público como no privado temos do melhor e do pior: ótimos exemplos e exemplos péssimos. E é também claro que existem perceções diferentes do que significa qualidade de ensino.

O Governo promete pagar o alojamento aos alunos do secundário que não encontrem oferta pública de ensino na sua região e se vejam por isso a braços com o seguinte dilema: abandonar a escola ou ir viver fora da família para garantir a escolaridade?

Na raiz, parece haver um lado saudável na medida governamental: criar condições para que os alunos prossigam a sua qualificação académica.

Mas gostaria de ter a certeza que por detrás de uma medida boa, não esteja afinal escondido, o preconceito do costume.

A saber: se em vez de oferta pública houver na mesma zona uma alternativa de ensino privado que evite a deslocalização dos estudantes, o Governo rejeita financiar, não o alojamento, mas a proposta educativa que esses alunos escolherem?

Estando o interesse do aluno no centro da preocupação, não deve o Estado fazer tudo o que esteja ao seu alcance para que esses estudantes se mantenham no radar da escolaridade e de preferência sem terem que sair do ambiente familiar, mesmo que tal implique a opção por uma escola privada?

E se não houver nenhuma oferta de ensino na região e o aluno tiver mesmo que sair de sua casa, o pagamento do alojamento mantém-se, mesmo que o aluno venha depois a optar, na nova localização, por uma escola privada e não por uma pública?

Se o aluno e a sua família não escolherem uma escola do Estado deixam de merecer semelhante apoio e idêntica consideração?

Dirão alguns que se o aluno preferir uma escola privada é porque dispõe de meios necessários e o Estado deve daí lavar as suas mãos.

Por outras palavras, estarão a dizer que um aluno de famílias pobres não pode nem deve aspirar a estudar numa escola privada, ignorando-se até que boa parte das escolas privadas dispõem já de um sistema de apoios que ajuda a acolher alunos economicamente desfavorecidos.

Sempre haverá escolas públicas melhores do que muitas escolas privadas; e sempre existirão escolas privadas melhores do que muitas escolas públicas.

Tanto no público como no privado temos do melhor e do pior: ótimos exemplos e exemplos péssimos. E é também claro que existem perceções diferentes do que significa qualidade de ensino. Há, por isso, critérios respeitáveis que podem levar a diferentes opções.

Mas há duas coisas fundamentais que em qualquer caso devem ser garantidas.

Uma delas é respeitar a liberdade de escolha educativa dos alunos e das famílias, sem preconceitos - estatizantes ou outros - tal como de resto estabelece e consagra a Constituição.

A outra é tudo fazer para evitar que a origem social e a situação económica impeçam um aluno de prosseguir os seus estudos na escola que entender mais apta para a sua formação, seja ela pública ou privada. Impedir que os alunos mais pobres exerçam livremente a escolha da sua proposta educativa contribui, pelo menos nalguns casos, para os amarrar a uma situação endémica de pobreza e de menor desenvolvimento.

Sem respeito pela liberdade de escolha e sem mecanismos de ajuda, o ‘elevador social’ avaria e pára, muito antes de arrancar.

Por isso, era bom clarificar: se os alunos puderem continuar a estudar, através da frequência de uma escola do ensino particular e cooperativo, está o Governo disponível para continuar a pôr o aluno no centro e a deixar para outros a fobia ideológica que diaboliza o privado e endeusa o público?

Por maior que seja a cegueira ideológica, não há públicos sempre bons nem privados sempre maus. Em cada caso importa poder escolher e separar o trigo do joio. Porque o único objetivo deve ser o de encontrar as soluções mais justas e que melhor sirvam quem está em primeiro lugar: os alunos, as famílias e a sociedade.

O receio de que na base desta medida educativa estejam bem vivos os preconceitos ideológicos, foi-me avivado pelas declarações da ministra da Saúde, esta semana no parlamento. Diz Marta Temido que o trabalho do Estado com os privados não pode ser simplesmente um "lá vai cheque", sendo preciso fazer mais pelos utentes. Estamos todos de acordo: não basta passar um cheque. Mas a ministra da Saúde está a generalizar? Quer com isto dizer que os hospitais privados – em geral – fazem mal o seu serviço ou não fazem o suficiente pelos seus utentes?

Por coincidência, as palavras da ministra da Saúde foram proferidas no exato dia em que o Tribunal da União Europeia pôs em causa o auxílio do Estado à TAP. Porquê? Por entender que a decisão não estava devidamente fundamentada. Porque não basta passar um cheque, cujo montante pode chegar neste caso a 1,2 mil milhões de euros.

Tudo visto e somado, deve ser preconceito meu. Ao dizer que não basta passar um cheque, Marta Temido estaria certamente a referir-se a um seu colega de Governo.

Pedro Nuno Santos que a ouça.