Falta uma estratégia para o interior
03-03-2018 - 10:58

O propósito de reduzir o crescente fosso entre o litoral e o interior tem de passar do domínio das boas intenções e encarar a realidade.

Desde a década de 60 do século XX que o interior do território continental perde população. Nessa altura, acelerou a emigração para o estrangeiro (França, sobretudo), grande parte dela “a salto”. Mas muitos saíam das suas aldeias para irem tentar a sorte nas grandes cidades do país, como Lisboa e Porto. Ora a década de 60 foi aquela onde maior crescimento económico se registou em Portugal. As pessoas abandonavam o interior para viverem melhor, não suportavam mais a miséria secular onde haviam nascido.

Esta tendência nunca foi contrariada. Ela aponta para que, em breve, quatro quintos da população do continente se concentrem num quinto do território, no litoral ou perto dele. E insere-se na crescente saída dos campos para as cidades, um fenómeno universal. Pretende-se, agora, travar entre nós este crescente desequilíbrio territorial, que esvazia o interior agrícola e congestiona o litoral urbano. Só que não se conhece uma estratégia credível para concretizar tal desejo.

É verdade que o interior possui, hoje, acessos rodoviários que não existiam há vinte anos. Ora esses acessos servem, sobretudo, para as pessoas originárias do interior e que agora vivem no litoral irem passar férias ou fins-de-semana à “terra”. E também é certo que, com acesso à internet, à televisão e aos telemóveis, quem viva no interior se sente agora menos isolado do que no passado.

Mas no interior não há empregos, pelo menos em empresas não agrícolas. Talvez seja um bom sítio para gozar a reforma, ou um curto período de lazer, mas não para trabalhar. Excepto, claro, quem vá para o interior cultivar a terra – e há jovens que o fazem, mas são uma pequena minoria. Ora um jovem casal que opte pela agricultura não pode deixar de pensar que os filhos que venha a ter não encontrarão estabelecimentos de ensino próximos de casa, pelo menos a partir da escola primária.

Ciclo vicioso

O ciclo vicioso funciona: como há pouca gente em localidades do interior, fecham equipamentos, como tribunais, repartições de finanças, lojas dos CTT, etc. O que, por sua vez, induz quem pode a sair do interior logo que consiga.

Fala-se em atrair empresas para o interior, com incentivos fiscais. Mas, em regra, as empresas gostam de se juntar geograficamente e de estar perto, seja de potenciais consumidores dos artigos que produz, seja de fornecedores, seja, ainda, de povoações onde possa recrutar trabalhadores com um mínimo de qualificações. É muito difícil encontrar no Nordeste transmontano um tratorista, por exemplo. Ou mesmo pessoal para trabalhar na construção civil. Que empresas estarão dispostas a implantar-se em sítios como esse, ainda que paguem quase zero de impostos? Muito poucas.

Em suma, há inúmeros obstáculos em tornar o interior mais parecido com o litoral. Por isso é necessário passar de afirmações genéricas para análises realistas. E a partir daí delinear uma estratégia credível, não uma mera declaração de intenções.

Apostar nas cidades do interior

Parece evidente, por exemplo, que as aldeias não têm futuro, salvo um ou outro caso especial. É um drama humano muito sério o abandono das aldeias pelos jovens. Ficam lá os velhos, cada vez mais desacompanhados, pois muitos vão morrendo. A tragédia dos incêndios florestais em 2017 mostrou bem que na maioria das aldeias atingidas havia casas com pessoas de muita idade e casas de fim-de-semana, que ficam fechadas a maior parte do ano. Também há aldeias que sobrevivem, mal, graças às férias dos emigrantes, que animam o local apenas durante algumas semanas no verão.

Há que não abandonar os idosos que vão permanecendo nas aldeias. A GNR, por exemplo, tem ajudado muitos deles. Mas, a prazo, a situação não é sustentável.

Por tudo isso, creio que a aposta a fazer é nas cidades pequenas e médias do interior. Cidades com uma escala que permita atrair investimentos empresariais e pessoas dispostas a trabalhar. Mas esta é uma impressão minha. Falta estudar o problema a sério, para evitar que nos iludamos com fantasias.