Francisco e os desafios da sua viagem mais longa
02-09-2024 - 07:03
 • Aura Miguel

O Papa vai iniciar esta segunda-feira uma maratona de 32 mil quilómetros por via aérea, com quatro escalas: Indonésia, Papua Nova-Guiné, Timor-Leste e Singapura. Diálogo com o Islão, desigualdades sociais, alterações climáticas e o exemplo de uma Igreja Católica vibrante vão ser alguns dos marcos da visita histórica à Ásia e Oceânia.

O Papa parte esta segunda-feira para a 45.ª viagem do seu pontificado. Trata-se da mais longa visita pastoral de Francisco, com destino à Ásia e Oceânia e com uma agenda recheada de encontros de grande significado.

Há muito que o Papa jesuíta sonhava visitar esta região. A deslocação chegou a estar planeada para 2020, mas viria a ser suspensa devido à pandemia de covid-19.

Agora, quase aos 88 anos, e alheio ao cansaço e às limitações de saúde, Bergoglio sai ao encontro dos fiéis da Indonésia, Papua Nova-Guiné, Timor-Leste e Singapura.

Olhando para as várias etapas, Francisco vai também pôr em prática o que ensina nas encíclicas “Fratelli Tutti” e “Laudato Si”.

Diálogo com o Islão e contrastes entre irmãos

A preferência pelas periferias, anunciada desde que é Papa, assume aqui grande destaque. Do ponto de vista geográfico e de diversidade cultural e religiosa, a realidade dos católicos naquelas terras é muito diferente da que se vive no Ocidente. E, quer na Indonésia, quer em Singapura, a presença minoritária dos cristãos torna evidente a importância do diálogo e da convivência com o islão e outras religiões.

Quando aterrar em Jacarta, a capital do país com o maior número de muçulmanos no mundo, vai certamente reafirmar a sua proximidade aos que acreditam ser possível uma convivência pacífica, entre católicos e outros crentes, na convicção de que todos somos irmãos (“Fratelli tutti”).

Neste contexto, os encontros que vai manter com as realidades políticas, caritativas e religiosas - cristãs ou não - reforçarão os alicerces para a convivência pacifica da família humana. Significativa será, sem dúvida, a presença do Papa na grande mesquita Istiq’lal, a maior do sudeste asiático.

Na visita a Singapura, um dos países mais ricos do mundo, com uma população multiétnica e religiosa (um quarto da população é chinesa), Francisco não esquecerá, certamente, os graves contrastes e disparidades económicos. A mão de obra imigrante atinge 40% da população ativa e, geralmente, não beneficia das condições de vida da restante população.

O drama das alterações climáticas

A beleza da fauna e das florestas, bem como a biodiversidade da Papua Nova-Guiné, têm sofrido com as alterações climáticas, com o aumento do nível dos oceanos e, sobretudo, com uma impiedosa exploração mineral. A presença de multinacionais tem causado um rápido crescimento económico, a par de graves problemas sociais e extrema pobreza, pois cerca de um terço da população vive com menos de 1,25 dólares americano por dia.

Espera-se que o Papa da “Laudato Si” denuncie os problemas que afetam gravemente as sociedades, tão cheias de contrastes, nesta parte do mundo.

Ao defender uma “ecologia integral”, Francisco alia a defesa da Casa Comum à preocupação pela justiça a favor dos mais pobres e desprotegidos e aposta no diálogo solidário e corresponsável. Por isso, esta viagem inclui também vários encontros com diversas realidades caritativas ligadas à Igreja Católica, como, por exemplo, em Díli, no encontro com crianças portadoras de deficiência.

No país mais católico do mundo

"Timor-Leste é atualmente o país com a mais alta percentagem de católicos no mundo (97,8%), excetuando a Cidade do Vaticano!”. O comentário é do arcebispo Paul Gallagher, responsável da Santa Sé para a relação com os Estados.

Numa entrevista ao semanário italiano "L’Espresso", o diplomata elogia o dinamismo da igreja timorense, “sempre muito ativa na promoção dos direitos de todos e em todo o processo para alcançar a independência”.

Nesta zona mais populosa do mundo, além de Timor-Leste e das Filipinas (com 80% de católicos), a Igreja não está em maioria, mas Gallagher reconhece que a importância da Ásia para a Igreja “é inegável” e explica porquê: “À luz da diversidade cultural e religiosa que caracteriza o continente, a Ásia representa também um modelo positivo de diálogo e mútuo respeito, do qual podem beneficiar a Igreja universal e o mundo inteiro”.

A “geopolítica” de Francisco e a declaração de Guterres

Alguns analistas também consideram esta visita do Papa “um significativo passo na geopolítica contemporânea”. No seu editorial dedicado inteiramente à visita papal, Emilio Carelli, diretor do "L’Espresso", escreve que "a presença de Francisco, não como diplomata mas como homem de fé e de vida, é já um sinal de esperança e que a sua capacidade de preencher o vazio, sem ódios nem preconceitos, é um ato político fundamental que mira não só promover o diálogo, mas construir também relações autênticas entre as comunidades”.

Também a pedido da Renascença, António Guterres comentou esta viagem apostólica. “A visita do Papa Francisco à Indonésia sob o lema ‘Fé, Fraternidade e Compaixão’ reveste-se de uma grande importância por ser marcada pelo diálogo inter-religioso entre cristãos e muçulmanos, essencial para uma cultura de paz. Todos os avanços nesse domínio são necessários e bem-vindos.”

O secretário-geral da ONU acrescentou ainda: ”Além da Papua Nova Guiné e Singapura, a visita a Timor-Leste tem um especial significado em nome da liberdade dos povos e da diversidade das culturas. Devem ser valorizados todos os gestos no sentido do respeito mútuo, da solidariedade, do primado da justiça e da paz".