​Haja quem comande. O País mal consegue respirar
27-01-2021 - 21:00

Agora que não há mais camas, nem enfermarias, nem corredores, nem ambulâncias e já vamos nos 15 mil infetados, “não passa nada”. Habituámo-nos. Perdeu-se a compaixão. Cada um, chora os seus mortos. Em silêncio. Salve-se quem puder. Onde estão agora as palmas? E as velas? Esgotámo-nos.

Há falta de mando. Não é uma questão de extremos, nem de esquerda, nem da direita. É simplesmente uma questão Central. Debitar números não chega. Não podemos esperar que, para ficarmos em casa, o vírus entre de mansinho em todas elas e então o susto venha e se vá, em forma de fanfarronice ou morte.

É preciso ficar em casa para que não aconteça que alguém precise de ir ao hospital e fique pendurado, horas a fio dentro, de uma ambulância. Ou que o utente incauto acabe por entrar numa urgência “sem covid” e perder-se depois num sistema saturado, onde de transferência em transferência, de serviço em serviço, de hospital para hospital, de cidade em cidade, saia “com covid” dentro de um saco de plástico, umas semanas depois.

Não podemos esperar. Falta mesmo oxigénio. O País mal consegue respirar.

Agora que as eleições já passaram, é preciso quem dê um murro na mesa e mande. Ou melhor comande. Isto não vai a “olhómetro”. Fora de cena quem não é de cena. E quem fica, confine e decida. E faça, de uma vez, o que lhe parece melhor e não o que é politicamente imposto ou já se anunciou que irá fazer daí a uma semana.

Alguém que espante este fantasma da espera permanente e se adiante. Que não nos infantilize. Que razão pode haver para que não se use uma máscara? Que razão pode haver para se ver tanta gente a circular? Se mesmo tarde as escolas já fecharam.

Erre-se. Mas não se leve tanto tempo a errar. E se já levamos semanas de atraso num confinamento com horas de ponta, confine-se a sério e de uma vez. Alguém que estude menos e não “equacione”, que se feche no gabinete com quem efectivamente sabe e esteja menos “aberto a ponderar todas as hipóteses”, que trace um rumo e não esteja permanente a “decidir conforme a evolução” à espera da saturação e da exaustão. Assim, não vamos lá.

Quando passámos os sete mil infetados em 24 horas, foi a catástrofe, quando passámos os dez mil foi outra vez a catástrofe. Mas restava sempre uma cama vaga à nossa espera, não sei se repararam, mas nunca o sistema mostrava o zero que os médicos constatavam dentro dos hospitais. Agora que não há mais camas, nem enfermarias, nem corredores, nem ambulâncias e já vamos nos 15 mil infetados, “não passa nada”. Habituámo-nos. Perdeu-se a compaixão. Cada um, chora os seus mortos. Em silêncio. Salve-se quem puder. Onde estão agora as palmas? E as velas? Esgotámo-nos.


Parece que, por sermos os piores do mundo, achámos que era impossível piorar mais. Mas pode. Atrasámos no verão, tardámos no outono e corremos agora como baratas tontas em pleno Inverno, sem acreditar na primavera.

Outros, muito melhores que nós, estão a fechar escolas a confinar tudo, a pôr tropa na rua, a bloquear fronteiras. Talvez não seja má ideia copiar já. Quando os turistas estrangeiros nos faziam falta deixámos um corredor aberto com a Grã-Bretanha, onde se falava do milagre português, devemos ter sido os primeiros a importar a nova estirpe. Agora, estamos a continuar a fazer o mesmo com as novas.

E enquanto estamos neste colapso sanitário a perder toda uma geração de velhos, de menos velhos, de semi-novos, e novos, de débeis, de saudáveis, de azarentos. Parece que não aprendemos nada.

O senhor ministro das Finanças delira (talvez ainda sob efeito da Covid) e o que tem para nos dizer é que “tem medo”, muito medo de que assim como as coisas estão a “economia derrape” e o défice acabe a passar dos limites. Alguém tem de lhe baixar a febre financista e dizer-lhe que há outras prioridades. Basta reler o discurso de vitória do novo/velho Presidente.

Se não for agora que o défice pode e deve derrapar, é quando? Se não é perante esta catástrofe, nunca vista, que o país tem razões para pedir ajuda financeira (não apenas sanitária) para se endividar, para gastar com apoios sociais que não deixem que a fome cresça e a iliteracia suba ainda mais.


Que sim, precisamos de quem nos empreste e não venha cobrar depois com juros, precisamos de médicos, de enfermeiros, de ventiladores, de investimento estrangeiro, de confiança, de solidariedade, porque a Europa se fez para isso. E precisamos de tudo isso, mas já. Precisamos de todas as bazucas, sim senhor. Não precisamos, quando estamos em risco de ficar sem oxigénio ou que nos faltem sacos ou contentores para fazer de morgues, do discurso do défice.

Alguém tem de nos dizer a verdade. Marcelo, eleito com 60% dos votos, e líder em todos os concelhos do país, prometeu que não nos deixaria enganar. Há que repensar a esquerda (extrema) e a direita (toda). Porque, como Paulo Portas dizia na noite eleitoral, há uma nova realidade. Um novo quadro e uma nova força que umas vezes é de “direita extrema” e outras de “extrema direita” e está a morder os calcanhares à chamada direita “decente ou social, ou moderada”.

Coloquemos de fora deste jogo a liberal, porque essa joga do lado direito, mas no Portugal “estatista/ dependente” sempre que tenta marcar deixam-na fora de jogo.

Isto se à agonia do CDS não quisermos chamar ainda o fim da democracia cristã e ao PSD não quisermos chamar a barata tonta da liderança da oposição da política portuguesa. Como é possível que Rio, na noite eleitoral, em que ganha Marcelo (e em que engole um sapo!) tenha escolhido como alvo dos seus ataques António Costa e dos seus elogios o partido que veio pescar nas suas águas.

Alguém mediu a febre ao líder do PSD quando elogiou Ventura por ter conseguido, em Beja, o que os sociais-democratas nunca tinham conseguido: bater o PCP? Estará Rui Rio fascinado com o próprio Chega e, já que Costa não quer casar com ele, o Chega basta para noivar? Mesmo antes das autárquicas? Ou Rio já sabe quem lhe fugiu para as listas do partido rival e já está fora das listas que o próprio quer apresentar?

À agonia da direita “normal”, soma-se a crise da esquerda radical. Mas este vai ser o jogo para disputar depois. Agora, o que importa é fazer descer a curva. Nem que para isso tenha que mandar fechar as floristas (se os mortos estão dias dentro dos camiões para que servem as flores? As lojas de ferragens, as drogarias, as grandes superfícies, os stands de automóveis, as lojas de decoração de porta entreaberta e as boutiques de campainha, os cafés de porta fechada e dezenas de pessoas lá dentro. Em Espinho ou na capital, esta espinha de incumprimento transversal que atravessa o país. As imobiliárias deste mundo que continuam a marcar visitas. Porque as do outro é que não se podem mandar fechar. E os vivos terão tempo de repensar no défice.

Com tantos a mandar, haja quem comande.