Há 365 mil desempregados, mas milhares de ofertas de trabalho por preencher. Porquê?
14-02-2019 - 11:30
 • João Carlos Malta

Setor dos serviços precisa de 60 mil pessoas, o têxtil de 15 mil e a metalurgia de 25 mil. Não conseguem contratar. Ministro da Administração Interna fala da necessidade de 50 mil imigrantes para fazer face às necessidades das empresas.

O INE contabilizou em 2018 mais de 365 mil desempregados, mas há setores de atividade em Portugal que querem contratar e não conseguem. O que explica este aparente paradoxo, em que há procura, há oferta, mas uma não preenche a outra?

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, voltou a colocar na agenda o tema da falta de mão-de-obra, ao dizer que o país precisa de entre 50 a 75 mil imigrantes para fazer face às necessidades das empresas que querem contratar.

A Renascença confirmou que esta é uma realidade em muitos setores, sobretudo na indústria. No têxtil, o diretor-geral da associação empresarial (ATP), Paulo Vaz, fala em, pelo menos, 15 mil vagas por preencher.

“Estamos a testemunhar essa falta de mão-de-obra nos últimos dois anos, apesar de estarmos a criar emprego, em termos líquidos. Mais disponibilidade tivéssemos para encontrar mais o teríamos empregue. Estimamos que cerca de 15 mil pessoas podiam ser absorvidas, por muitas empresas”, relata.

Nos serviços, o líder da confederação do sector, João Vieira Lopes, estima que sejam necessários quase 60 mil trabalhadores que não encontram no mercado.

“Há falta mão-de-obra qualificada, sobretudo na área de informática e nas novas tecnologias”, explica Vieira Lopes.

“A questão da mão-de-obra qualificada é complicada de resolver, mesmo que o nível médio dos salários tenha subido 3,5% a 4% no ano passado”, acrescenta.

Há uma semana, foi o sector do metal que afirmou ter disponíveis 25 mil postos de trabalho que ninguém quer.

Desajustamento

Se é verdade que a taxa de desemprego caiu para 7%, no final do ano passado, os números absolutos ainda são muito elevados - 365 mil pessoas.

O economista Vítor Escária, especialista na área do trabalho e conselheiro na área económica de António Costa, diz que o fenómeno se explica porque as “pessoas que estão desempregadas não reúnem as condições de qualificações e de emprego para desempenhar as funções disponíveis no mercado de trabalho”.

Escária exemplifica: “Uma costureira despedida de uma têxtil não preenche os requisitos de uma Autoeuropa ou PSA.”

O economista vai ao encontro das declarações de Eduardo Cabrita e considera que o país, para conseguir um crescimento de “1,75% ou 2%”, tendo em conta a produtividade e o crescimento da população, precisa entre 50 a 70 mil pessoas, todos anos.

As projeções para os próximos anos perspetivam uma redução da população para entre sete milhões e nove milhões, o que levará a uma contração do PIB, caso não haja uma compensação do lado da imigração.

Vítor Escária sinaliza, ainda, que o país está a perder investimento por não ter trabalhadores suficientes e aponta casos de regiões em concreto.

“Há projetos que não são feitos por falta de mão-de-obra. No interior, em Bragança ou em Castelo Branco, por muito que o Governo dê apoio majorados nos impostos, não há mão-de-obra disponível”, concretiza.

“Em Aveiro, queixam-se de que não há pessoas para os projetos de investimento que lá estão”, acrescenta.

O desajustamento entre oferta e procura é também, muitas vezes, regional, com os dois fatores a não coincidirem na mesma zona.

Paulo Vaz, da Associação Têxtil de Portugal, afirma não saber se o problema “se resolve com a vinda de imigrantes”. Diz que há casos de empresas que estão a contratar no Bangladesh e na Índia, mas tem dúvidas de que esta fórmula resolva de modo consistente o problema.

“Penso que passará pela melhoria da produtividade dos que já trabalham e dos processos de automação”, defende.

Construção sofre

Na construção, o grupo bracarense Casais, com atividade em 16 países, sabe bem o que é querer contratar e não conseguir. Há dois anos, abriu 150 vagas, mas só 30 foram preenchidas.

O CEO da empresa, António Carlos Rodrigues, fala de situações estruturais que ajudam a explicar o problema. A crise na construção fez encolher o emprego em 400 mil postos de trabalho e, assim, "muitos mudaram de profissões e outros emigraram”.

“Criou-se um estigma sobre o setor. Interrompeu-se o fluxo de entradas e saídas”, reforça.

A solução aventada pelo ministro da Administração Interna é apoiada por este empresário. No entanto, António Carlos Rodrigues assinala que nem sempre os processos burocráticos são os mais céleres.

“Estamos a ser muito mal sucedidos em alguns processos de trabalhadores que são nossos, estão na empresa, mas não estão em Portugal. O SEF até tem colaborado, mas, ao nível do Ministério dos Negócios Estrangeiros, não percebemos o porquê - devemos estar a fazer algo mal - tem havido problemas”, afirma o empresário.

António Carlos Rodrigues critica também a falta de formação profissional e de cursos que especializem profissionais e aponta o dedo ao Instituto de Emprego. “Não se distingue um trolha, de um picheleiro e de um eletricista. Nós valemos pelas nossas capacidades e, se não fazemos essa distinção e categorização, como poderemos distinguir em termos salariais?”, questiona.

Também na região vitivinícola do Douro, a crise de mão-de-obra tem alguns anos. “As pessoas fogem para as cidades e os jovens não se dedicam à agricultura, cada vez é mais difícil arranjar mão-de-obra”, explica a CEO da Lavradores da Feitoria, Olga Martins.

Segundo esta empresária, em anos que a vindima se concentra num curto espaço de tempo, há empresas que sofrem muito e não conseguem angariar trabalhadores suficientes. Olga Martins argumenta que, em consequência, os custos estão a subir.

A líder da Lavradores da Feitoria sublinha que aumentar o valor do pagamento é necessário.

Numa região em que não há indústria nem serviços, “os empreiteiros agrícolas davam um valor baixo, o que desmotivava as pessoas”.

“Se se pagar melhor, podemos atrair mais trabalhadores. Se se aumentar o valor por dia ao funcionário, haverá mais pessoas a fixar-se aqui. O primeiro passo poderá ser pagar salários mais justos e fixar quem é de cá”, argumenta.

Paga-se pouco?

A questão dos salários é um dos argumentos mais comuns para justificar a falta de trabalhadores em alguns setores, num quadro em que existe desemprego.

O economista Eugénio Santos diz que na família tem exemplos concretos desta realidade: “Chega-se ao ridículo de se oferecer a um engenheiro 600 ou 700 euros. Efetivamente, isso quer dizer 'fica onde estás e não voltes para Portugal'.”

“Não é com grandes declarações ou a redução de IRS que se atrai mão-de-obra qualificada”, critica.

O economista diz que, nos últimos anos, os gastos em capital fixo [imóveis, máquinas] têm sido superiores ao investimento novo, o que tem como resultado que o nosso aparelho produtivo “não seja renovado e modernizado”. Assim, o emprego criado “é muito pouco qualificado e de baixos salários”.

Por isso, desconfia que o apelo do ministro para mais imigração seja “para que haja mais empregados precários”.

Em relação aos setores que afirmam que não conseguem contratar, Eugénio Santos faz uma pergunta: “Quais são os salários que eles oferecem?” E responde: “Deve ser o salário mínimo nacional, ou pouco acima. E ainda querem pessoas qualificadas...”.

No entanto, nem toda a gente partilha a ideia. Vítor Escária coloca a questão ao contrário: “Será que há salários baixos ou há um Estado social demasiado generoso?”