A nova diretora da CIA (era subdiretora quando o diretor Mike Pompeo foi para Secretário de Estado) está a passar por um difícil exame na Comissão dos Serviços Secretos do Senado de Washington, não sendo segura a sua confirmação no cargo. Gina Haspel tem uma longa carreira na CIA, sendo considerada competente. O problema está em que ela autorizou a tortura em interrogatórios a suspeitos de terrorismo numa prisão secreta na Tailândia, em 2002. Parece que G. Haspel também colaborou, depois, na destruição de provas de tortura, entretanto proibida pelo presidente Obama. No Senado, agora, a senhora já prometeu que não voltará a recorrer à tortura nem a prisões secretas no estrangeiro. E disse que não cumprirá “ordens imorais”, mesmo que sejam “tecnicamente legais”.
Em 2002 era presidente George W. Bush. E estava ainda muito vivo o choque do terrível ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Oficialmente, não havia tortura – apenas interrogatórios mais duros (“enhanced interrogation”). A CIA sentia-se autorizada a usar, por exemplo, o simulacro de afogamento (“waterboarding”). Até porque juristas do Departamento de Justiça do governo federal consideraram legais aqueles métodos violentos, em território americano (incluindo Guantánamo) e em prisões secretas no estrangeiro. E altos responsáveis políticos da Administração, particularmente o vice-presidente Dick Cheney, mostravam-se claros adeptos da tortura a suspeitos de terrorismo (tortura com outros nomes, claro).
Ora a tortura está ilegalizada pela Convenção de Genebra de 1949, além de ser moralmente inaceitável. E desde o julgamento de Nuremberga que não serve de desculpa a prática de tortura “obedecendo a ordens superiores”. Ou seja, a tortura sempre foi e é imoral e ilegal, ainda que realizada no cumprimento de ordens.
Nos EUA poderão voltar ordens desse tipo. Trump tem afirmado que acredita na tortura e não vê obstáculos de ordem jurídica ou moral nessa prática sinistra. Também a reabertura de prisões secretas no estrangeiro (nomeadamente em países onde a tortura não seja criminalizada) foi admitida por Trump em janeiro do ano passado.
É cada vez mais claro que a ausência de distinção ética entre o Bem e o Mal, característica de Trump, tem sólidas raízes no passado recente. Os neoconservadores que rodearam George W. Bush defendiam uma América isolada, com aliados apenas pontuais, não dependente do direito internacional nem de resoluções da ONU – “America first”, portanto: era o direito da força, em vez da força do direito. Os EUA tinham acabado de ganhar a guerra fria…
Trump tem, pelo menos, a vantagem de não tentar justificar as suas decisões com a promoção da democracia – que os neoconservadores tentaram impor à bomba no Iraque e no Afeganistão, com os resultados que se viram. Hoje os neoconservadores e aqueles que os seguiram estão calados sobre esse passado de má memória. Trump cumpre o essencial do programa dos “neocons” sem pruridos morais.