A detenção de Joe Berardo, seguida pelo também constituído arguido Carlos Santos Ferreira, ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e do Banco Comercial Português (BCP), veio em parte colmatar o vazio no espaço mediático resultante da eliminação da seleção portuguesa no campeonato europeu de futebol. Infelizmente, nesse espaço continua a dominar a pandemia.
Berardo tem comportamentos de “clown”; não sendo intelectualmente destituído, exagerou no desplante e no gozo aos deputados que o interrogaram na comissão parlamentar de inquérito à CGD em 2019.
Mas Berardo e Carlos Santos Ferreira já estavam a ser investigadas pela justiça há anos. E muitos de nós não esqueceram o período negro da vida coletiva nacional, entre 2005 e 2011, quando os agora implicados se envolveram, sob o alto patrocínio de Sócrates, então primeiro-ministro, num sinistro conluio entre o poder político e o poder económico, este representado pelo DDT, o “dono disto tudo”, Ricardo Salgado.
A passagem direta de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara da CGD para o BCP, em 2008, foi talvez o mais grave escândalo na história do setor bancário português. Nessa altura, quem denunciava na comunicação social tais coisas era frequentemente acusado de praticar um “jornalismo de sarjeta”, acusação que partia de altos membros do PS, alguns dos quais estão ainda hoje no ativo e até no Governo.
O PS socrático tentou então calar a TVI, comprando-a através de “mãos amigas”. Não o conseguiu, felizmente, mas afastou Manuela Moura Guedes. Por outro lado, o PS mostrava uma enorme relutância em combater a sério a corrupção, inviabilizando as várias tentativas nesse sentido de João Cravinho (pai).
Relutância que não desapareceu – vejam-se as carências de meios do Ministério Público e da Polícia Judiciária, que explicam os seis anos que levaram as investigações a Berardo.
Carências que também contribuíram para o arrastamento da “Operação Marquês”, envolvendo Ricardo Salgado, entre outros, e culminando na extraordinária sentença do juiz de instrução Ivo Rosa.
Na quarta-feira passada o presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Manuel Soares, assinou um artigo no “Público” com o elucidativo título “Dizer uma coisa e fazer outra”.
Trata-se das propostas parlamentares para criminalizar a ocultação de riqueza adquirida em funções públicas. Por ação ou omissão dos deputados do PS, pontualmente com o apoio do PSD, aquelas propostas estão cheias de evidentes alçapões, permitindo aos eventuais infratores escaparem à lei.
Ora, é manifesto que o PS está a ocupar todos os lugares com alguma relevância no Estado. Não é apenas um problema de dar emprego aos “boys”; mais preocupante, é um desígnio de controlar todo o aparelho estatal, incluindo órgãos de regulação, que deveriam ser independentes do poder político.
Lembro dois casos: Mário Centeno passou de ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal, e Ana Paula Vitorino, militante e deputada do PS, ex-ministra, casada com o ainda ministro da Administração Interna, preside agora à Autoridade de Mobilidade e Transportes.
É positivo que judicialmente se esclareçam golpes financeiros de há vários anos e até de há décadas, embora muitos delitos possam já estar prescritos. Mas importa, também, que se investiguem possíveis casos que estão a acontecer agora. O que não parece agradar ao PS.