António Lobo Xavier: “Se não fosse Deus, caminharia na sombra, sem luz"
04-04-2019 - 22:27
 • Ana Catarina André

Sofreu com a vida política, mas admite “ceder à tentação” e regressar um dia ao ativo. António Lobo Xavier, advogado e conselheiro de Estado, esteve à conversa com Maria João Avillez, no âmbito da iniciativa "E Deus nisso tudo".

António Lobo Xavier estava encarregue de demitir um grupo de consultores alemães – a empresa para a qual trabalhava queria apenas ficar com os franceses. Na conversa em que supostamente iria comunicar-lhes a decisão, não conseguiu ser claro. “Perceberam que eu queria era despedir os franceses e não tive coragem de lhes dizer o contrário. Vim-me embora de avião e mandei lá outra pessoa para dizer a verdade”, recordou.

A história, contada na primeira pessoa no âmbito das conversas “E Deus nisso tudo?” conduzidas por Maria João Avillez, na igreja do Campo Grande, em Lisboa, elucida uma das dificuldades do advogado e conselheiro de Estado. “Estou a treinar-me para ser franco que é coisa que nunca fui. Não gosto de ofender os outros, de dizer coisas agressivas”, confessou. “Tenho ideia de que a franqueza está por trás de muitas guerras.”

Ao longo de uma hora, António Lobo Xavier falou sobre si, sobre o seu percurso político e sobre o modo como a sua vida tem a marca de Deus. “Tenho dificuldade em perceber – não no sentido de aceitar, mas de entender – como vivem as pessoas que imaginam que resultaram de uma evolução da matéria, e que depois voltam para a matéria e acabou tudo. Não consigo ver a minha vida sem ter dela o sentido de uma passagem.” E sublinhou: “ Se não fosse Deus, caminharia na sombra, sem luz. Estou grato a quem me trouxe aqui”. Por tudo isto, encara com tristeza os problemas com que o catolicismo se depara. “Faz-me muita impressão discutir os problemas atuais da Igreja e do clero, as generalizações, as imagens, este tempo horrível que atravessamos, porque eu só conheci pessoas fantásticas. Não conheci sacerdotes maus. Foram vários os que passaram pela minha vida, com diferentes formações. Fui um privilegiado. E aflige-me muito pensar naqueles que, não tendo neste aspeto a minha sorte, vivem estes acontecimentos.”

António Lobo Xavier cresceu no seio de uma família cristã. “A minha avó paterna tinha três irmãs religiosas, os avós do lado da minha mãe têm dois filhos padres – um foi superior dos Beneditinos, outro é um sacerdote secular. Na minha geração, desse lado da família, tenho dois primos direitos padres e duas religiosas. Isso é produto de uma vida, de um ambiente e de uma admiração enorme que tínhamos pelos meus avós e pela sua espiritualidade.” A família procurou, desde cedo, contrariar nele comportamentos de vanglória. “O meu pai cultivava a não vaidade, a não arrogância. Estava sempre a dizer que há milhares de pessoas mais inteligentes, mais sabedoras do que nós”, recordou. “Isso demorou-me um tempinho a aceitar, mas com a vida vi que isso é verdade.”

O atual conselheiro de Estado começou a interessar-se pela política depois do 25 de Abril. “Seria uma pessoa diferente, se não fossem essas lutas de liceu e de faculdade, o gosto pelo debate e pela oratória política”. Neste momento, é também um dos comentadores da Circulatura do Quadrado. “Para mim, [o programa] funciona como um iQOS, um tabaco de aquecer que não tem monóxido de carbono, alcatrão, chumbo, mas que dá o mesmo efeito, sem fazer tão mal. Eu que gosto da política diria que a Circulatura é o meu iQOS”, admitiu.

Saudades do Parlamento e a tentação do regresso

Sobre um regresso mais ativo ao Parlamento e às andanças em campanhas eleitorais, diz que talvez possa ter “uma recaída”. “Sinto-me atraído por essa vida [política] e pela vida pública, mas sei que vou sofrer, se ceder à tentação”. E explicou:” Sim, eu sofri. Tinha a vida completamente do avesso. Vivia no Porto. De vez em quando, a minha mulher trazia as minhas filhas para me verem. Nessa altura, o CDS era um partido muito pequeno. Tinha quatro deputados e eu fazia tudo: de recados a discursos. Sofri um bocado e tive pena, quando aquilo acabou, quando renunciei ao mandato. Tenho saudades disso.” Ao longo dos anos, foi refletindo sobre o que deve ser um bom político. “Deve ser uma pessoa com boas intenções, séria, com sentido de serviço público, uma pessoa direita, conhecedora, competente e honesta”, diz. E confessa: “Com estas características todas, não conheci muita gente”.

Aos 59 anos, não imagina a vida sem Deus e admira os que o descobrem mais tarde. “Há alguns dias estive um debate, no Porto, com um tema semelhante a este, com políticos de vários quadrantes, e uma das pessoas, ministro do atual governo, converteu-se aos 40 anos. Eu fico um pouco embaraçado e envergonhado com a força interior que é preciso para uma pessoa inteligente, culta, lida, pública, criada num ambiente agnóstico, converter-se. Tem muito mais mérito do que eu.” Ainda que Portugal seja maioritariamente um país católico, António Lobo Xavier considera que alguém “afirmar-se e ser abertamente católico” em certos ambientes mais cultos “causa estranheza, não é bem compreendido nem bem recebido: ‘Agora vais-te embora porque tens de ir à missa?’”.

Na próxima semana, Maria João Avillez receberá Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica. A conversa decorrerá na 2ª feira, dia 8 – as restantes realizam-se sempre à 4ª feira e incluem figuras como o musicólogo Ruy Vieira Nery, o historiador Henrique Leitão e a presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza.