“A verdade é para se dizer: não há evidência de que o fogo de Pedrógão começou com um raio”
02-07-2017 - 09:59

O presidente do IPMA diz que não há nenhuma evidência meteorológica que ateste a tese de que foi um raio a dar início ao fogo que vitimou 64 pessoas na zona centro. A PJ tinha afastado a hipótese de mão criminosa no dia a seguir às chamas deflagrarem.

No relatório intitulado “Condições meteorológicas associadas ao incêndio de Pedrógão Grande de 17 de Junho”, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) revela que não há nenhuma evidência meteorológica de que tenha sido um raio a provocar o incêndio de Pedrógão.

A versão dada pela Polícia Judiciária, através do director-nacional Almeida Rodrigues, um dia depois do início do incêndio, dizia que teria sido um raio decorrente de uma trovoada seca a provocar o fogo. "Tudo aponta muito claramente para que sejam causas naturais. Inclusivamente encontrámos a árvore que foi atingida por um raio”, afirmava Almeida Rodrigues.

Em declarações à Renascença, o presidente do IPMA, Miguel Miranda, considera que não há qualquer indício atmosférico que estabeleça uma relação de causa e efeito entre trovoadas e o fogo, embora não exclua na totalidade essa possibilidade.

“Não estamos a dizer que não foi como foi descrito [pela PJ], isso é uma questão forense que tem de ser analisada pelos especialistas. O que estamos a dizer é que não há evidência meteorológica desse facto”, sublinha.

A segunda conclusão deste estudo pedido pelo primeiro-ministro tem a ver com a dimensão avassaladora atingida pelo fogo. O IPMA conclui que essa dimensão resultou do facto de ao incêndio se ter associado um “downburst”. Trata-se de uma corrente de ar gerada por nuvens que chega até ao chão onde em seguida se espalha em todas as direcções e provoca ventos forte. É um fenómeno que não é tão inédito quanto isso. O que há de novo é o efeito de conjugação com o fogo.

Como resume o que o IPMA conclui dos incêndios de Pedrógão Grande?

O relatório que apresentámos agora foi preparado por uma comissão técnica e sei que é muito extenso, mas é necessário que seja assim. Existem um conjunto de questões que têm sido discutidas ao longo dos últimos dias e que têm de ser confrontadas com os dados que nós temos. Uma das questões tem a ver com a origem. Nós não somos peritos forenses, a Polícia Judiciária é que os tem, e o que podemos dizer é em que medida existe evidência meteorológica da existência de uma descarga eléctrica que tenha dado origem ao incêndio na hora a que ele deflagrou.

Do nosso ponto de vista, o que se passa é que não temos nenhum registo desse género. Nós reprocessámos todos os dados existentes. Pedimos apoio e colegas da rede Euclide (rede europeia) e os dados são os mesmos. Quer isto dizer que não houve descarga, em caso nenhum? Não podemos concluir isso de forma radical, porque todas as redes têm uma margem que não são capazes de detectar, e existem fenómenos mais invulgares que podem dar origens a descargas eléctricas.

De qualquer das maneiras a verdade é para se dizer, não há evidência meteorológica.

Afastam embora não completamente a hipótese...

Nós não afastamos, a Polícia Judiciária tem fantásticos especialistas forenses que analisam milhares de fogos. Não estamos a dizer que não foi como foi descrito, isso é uma questão forense que tem de ser analisada pelos especialistas. O que estamos a dizer é que não há evidência meteorológica desse facto.

A dimensão avassaladora do incêndio resultou da conjugação de dois factores inéditas?

Tivémos durante a tarde do fatídico dia 17, um conjunto de fenómenos meteorológicos que são razoavelmente conhecidos dos especialistas. O que fomos capazes de verificar pelas imagens de radar é que houve uma intensificação muito grande da pluma do incêndio, de tal forma que ela atinge uma expressão vertical altíssima acima dos 10 quilómetros, e que temos dados que nos permitem verificar que uma dessas rajadas horizontais atingiu o fogo e levou a sua amplificação.

A imagem de radar é muito expressiva porque mostra bem a altura a que chegou a pluma do incêndio.

Foi um "downburst" ou mais do que um?

Houve vários. Estão cartografados mais de nove. Mas a maioria não teve nenhum efeito expressivo. Isso sem subavaliar alguns efeitos locais que tenham sido avaliados. Na região de Pedrógão apontam para a existência de um.

É a primeira vez que o IPMA verifica a conjugação de um "downburst" com um incêndio em Portugal?

Nenhum dos especialistas que participou no relatório tinha visto este tipo de fenómeno com esta expressão,

É inédito?

Sim.