Ministério Público acusa ativista que interrompeu António Costa de desobediência qualificada
21-04-2021 - 06:33
 • Fábio Monteiro

Acusação chega quase dois anos depois de manifestação no jantar de aniversário do Partido Socialista. “Parece-me claro que há uma tentativa de tentar castigar quem ousa bater-se por aquilo em que acredita, por uma causa justa”, diz o ativista Francisco Pedro, à Renascença. Pena pode ir até dois anos de prisão.

O ativista do movimento Extinction Rebellion Portugal que, a 23 de abril de 2019, interrompeu e tirou o microfone ao primeiro-ministro António Costa no jantar de aniversário do Partido Socialista, para criticar a construção do aeroporto no Montijo, foi acusado pelo Ministério Público de desobediência qualificada, crime cuja moldura penal pode ir até aos dois anos de prisão.

À Renascença, Francisco Pedro, de 24 anos, confessa-se surpreso pela notificação tardia do Ministério Público e acusação a título individual. “De alguma forma fiquei surpreendido. Por outro lado, acho que é muito revelador das instituições que temos, que, quando perante um crime realmente grave para todos como a expansão aeroportuária, os nossos recursos, os nossos impostos estejam a ser usados numa acusação tão absurda como esta”, diz.

A acusação do Ministério Público, que chega quase dois anos depois do sucedido, imputa ao jovem ativista a responsabilidade “perturbar a ordem e tranquilidade públicas”, de organizar a manifestação e de não ter comunicado com antecedência a realização da mesma à Câmara Municipal de Lisboa – dado que o jantar de aniversário do PS decorreu no Centro de Congressos em Alcântara.

“Francisco Pedro não comunicou a realização da aludida manifestação, por escrito, ao Presidente da Câmara de Lisboa, nem nos dois dias úteis imediatamente anteriores à sua realização, nem antes ou após essa data”, lê-se no despacho do Ministério Público, a que a Renascença teve acesso.

O julgamento está marcado para 13 de janeiro de 2022.

Manifestação e castigo

Apesar da acusação do MP ser a título a individual, a manifestação no jantar do PS, em 2019, não foi protagonizada por apenas Francisco, mas por um grupo de treze ativistas que “bombardearam” o primeiro-ministro com aviões de papel e exibiram uma faixa com a mensagem: “Mais aviões? Só a brincar! Precisamos dum plano B, não há planeta B”.

“Parece-me claro que há uma tentativa de tentar castigar quem ousa bater-se por aquilo em que acredita, por uma causa justa. Outra coisa que torna óbvio é a importância de cada vez mais nós e mais pessoas desobedecerem quando as leis são injustas e quando as pessoas que tem responsabilidade enveredam por medidas tão perigosas para todos nós”, afirma Francisco.

De acordo o despacho, o Ministério Público identificou ainda outros cinco manifestantes que estiveram presentes no mesmo evento do PS. Todos recusaram depor e não identificaram o Francisco Pedro como o organizador. Tendo em conta que colaboraram e não “ofereceram resistência” ao serem retirados do evento do PS, o MP decidiu arquivar os crimes imputados aos mesmos.

Além do movimento Extinction Rebellion Portugal, Francisco Pedro integra ainda o Grupo de Ação e Intervenção Ambiental (GAIA) e está também ligado ao ATERRA – Campanha Pela Redução do Tráfego Aéreo e por Uma Mobilidade Justa e Ecológica. “Sou uma pessoa que se preocupa imenso com o planeta onde vivo e que acha que a espécie humana tem aqui algo mais para fazer que ser extinta na próxima geração, então a questão da expansão aeroportuária preocupa-me imenso”, diz.

O jovem ativista afirma mesmo: o facto de a moldura penal do crime de desobediência qualificada ir até dois anos de prisão “não é realmente preocupante, ao lado do problema que todos juntos a enfrentar: a extinção em massa, a perda de biodiversidade, o caos climático”.

A Renascença tentou contactar o gabinete do primeiro-ministro, mas sem sucesso.