O catolicismo político
09-01-2019 - 06:20

A Igreja, a religião, não fazem política; mas têm o direito, para muitos o dever, de a inspirar e de a informar.

Devem os católicos, os cristãos em geral - não a hierarquia da Igreja, mas o laicado - envolver-se na política e fazer política? Definitivamente, sim. Existe um preconceito contra isso, velho de séculos, provindo de um tempo em que havia uma indistinção entre poder temporal e poder espiritual, que chegou até aos dias de hoje, na forma de um laicismo extremista, que visa remeter a crença para a estrita esfera da convicção privada, isto quando não a denigre, declarando-a uma simples superstição ou conjunto de dogmas que urge extirpar das sociedades e das mentalidades, a benefício de um “homem novo”. O católico de hoje não vive no Antigo Regime, sob o império do Trono e do Altar. Mas também não vive, nem quer viver, num mundo de corrupio fraturante e de liquefação completa daqueles valores ou certezas que ajudam a situar, a enraizar e a projetar rumos, dissipando o imediatismo e o relativismo das coisas e dos ideias.

Desde há mais de um século - foi o Papa Leão XIII quem a inaugurou - que a Doutrina Social da Igreja baliza e incentiva o que deve ser o “catolicismo político”. A Igreja, a religião, não fazem política; mas têm o direito, para muitos o dever, de a inspirar e de a informar. São, por isso, indiferentes às formas de regime, e apenas atentas ao conteúdo, à obra, às orientações e leis que estes produzem para a governação dos homens.

O catolicismo político não é conservador ou progressista, liberal ou socialista, democrata-cristão (o seu rótulo mais conhecido) ou social-democrata; e sobretudo não constitui um partido político - e não deve fazê-lo. Quando a hierarquia apela à consciencialização cívica dos crentes, não lhes pede que sejam ou se tornem políticos católicos, no simples sentido partidista e carreirista do termo (ou seja, gente que disputa o poder recorrendo a uns slogans de moralidade e fé), mas antes católicos políticos (ou seja, crentes que fazem da intervenção possível na política um meio, e não um fim em si mesmo, para a realização de uma sociedade mais conforme aos valores que coerentemente os guiam). E nem é preciso ser católico para lutar por uma sociedade melhor e mais justa; bastam homens e mulheres “de boa vontade”, pois que a moralidade e a ética também podem provir de quem não é crente.

Vem isto a propósito do ano que agora começa, das eleições europeias e nacionais que irão ocorrer e do conteúdo da mensagem do Papa Francisco para o “Dia Mundial da Paz” (1 de janeiro), intitulada “A boa política está ao serviço da paz”. Os políticos, sabemo-lo, são das categorias profissionais menos respeitadas e que menos confiança suscitam nas opiniões públicas de hoje. É isso que abre a porta a todos os aventureirismos populistas antissistema. Não tem de ser assim, se eles - os políticos - regressarem à noção da política como atividade de serviço nobre e de busca do melhor e mais justo governo para a Polis, ajudando a aproximar a cidade dos homens da “Cidade de Deus”, de que Santo Agostinho falava.

Na sua mensagem, o Santo Padre recorda as condições, ou os requisitos, que constituem as “bem-aventuranças” dos políticos: precisam de ser sérios e exemplares, credíveis e altruístas, coerentes e consensuais, progressistas e otimistas, plurais e respeitosos do que encontram, do que gerem, dos que os rodeiam e dos muitos para quem governam. Precisam de ser “artesãos da paz”, “instrumentos de diálogo” e construtores de uma “casa comum”. Parecem palavras óbvias e de cortesia. Porém, com o que para aí virá, na política rasteira e nos truques e fintas das campanhas eleitorais, (re)ler as palavras inaugurais de 2019 do Papa Francisco pode ser esclarecedor para todos os políticos e inspirador para os católicos que querem, muito legitimamente, fazer parte da política.