Termina a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023, seis dias de festa católica, cinco deles com o Papa Francisco como grande protagonista.
DIA 1
Apesar de o Santo Padre ter aterrado em Portugal no dia 2 de agosto, quarta-feira, a JMJ começou um dia antes, na terça-feira, dia 1. Um dia amargo, no entanto, dado que uma peregrina francesa sofreu uma queda no local de alojamento e teve de ser hospitalizada. Viria a morrer, o que motivou um encontro do Papa com os seus familiares.
Por fim, o arranque da JMJ. Na missa de abertura, perante 180 mil peregrinos, o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, desafiou os jovens a trocar o virtual pela "realidade verdadeira" e garantiu: "Lisboa acolhe-vos de coração inteiro."
Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve em todas, admitiu: "Concretizou-se um sonho."
DIA 2
O segundo dia da JMJ foi sinónimo de Papa. Foi o início da segunda visita de Francisco a Portugal, depois de ter presidido, em 2017, à canonização dos pastorinhos Jacinta e Francisco, no centenário das Aparições de Fátima.
O avião que transportou o Papa desde Roma aterrou na Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa, pelas 10h00 - Saiba como foi para Manuel Falé Borges ser o piloto do Papa.
Dentro do avião, a jornalista da Renascença Aura Miguel ofereceu a Francisco uma carta das Monjas Concepcionistas de Campo Maior com uma promessa, uma espécie de ramo de flores espiritual. A vaticanista relata que o Santo Padre saudou os jornalistas portugueses que seguiram no voo até território nacional pela "companhia e trabalho" e afirmou esperar "regressar rejuvenescido" desta visita.
À descida do avião, o Papa foi saudado por uma comitiva que contava, entre outros, com as presenças do Presidente da República, do presidente da Câmara de Lisboa, e de D. Manuel Clemente, D. José Ornelas e D. Américo Aguiar. Francisco foi cumprimentado por Marcelo Rebelo de Sousa e presenteado com um ramo de flores.
O Papa rumou, de carro, ao Palácio de Belém, onde foi novamente recebido por Marcelo. Os aplausos de muitos peregrinos e populares foram audíveis - a multidão em torno do perímetro de Belém era vasta. Uma fragata da Marinha disparou salvas no Rio Tejo e ouviu-se "A Portuguesa". Seguiu-se a fotografia oficial com o Presidente da República e uma mensagem de quatro linhas escrita no livro de honra.
Após reunião, em privado, com Marcelo, o Papa partiu para o Centro Cultural de Belém, para um encontro com as autoridades, a Sociedade Civil e o Corpo Diplomático.
Marcelo foi o primeiro a discursar, dizendo que Portugal "acolhe de braços abertos" o Sumo Pontífice, e ofereceu-lhe uma medalha de comemoração da JMJ, com uma imagem da Sé de Lisboa no centro, e um presépio de Estremoz, património mundial da UNESCO, a título oficial, e um medalhão de ouro do Pontificado de Francisco, bem como um registo de São Francisco de Assis, datado do século XIX, a título pessoal.
No discurso no CCB, o Papa declarou que Lisboa se tornou "a capital do mundo", citou grandes personalidades da cultura portuguesa, como Sophia e Amália, e usou o simbolismo do oceano para criticar a guerra e a lei da eutanásia, alertar que a crise ambiental continua a ser um "problema global extremamente grave" e apelar a que "nos sintamos chamados a dar esperança ao mundo".
O discurso de Francisco, elogiado por várias figuras políticas, foi aplaudido de pé.
À saída do CCB, Francisco quebrou o protocolo para abençoar um bebé junto à Nunciatura. Quatro dias depois, já todos tinham perdido a conta aos bebés abençoados pelo Papa.
À tarde, foi a vez de António Costa ter um encontro com o Papa. O primeiro-ministro ofereceu três presentes ao Santo Padre: uma escultura de São Francisco de Assis, da autoria do mestre José Franco, uma peça de olaria de Mafra; a obra completa de Manuel Antunes, padre jesuíta e um dos maiores pedagogos do século XX; e o livro "Santuários Marianos", coordenado por José Sá Fernandes, o responsável do Grupo Missão do Governo na JMJ. Em troca, Costa recebeu um tríptico de medalhas papais referente ao décimo ano de Pontificado e livros religiosos.
Após o encontro, de cerca de 15 minutos, com Costa, Francisco deixou a Nunciatura, rumo ao Mosteiro dos Jerónimos, para presidir à recitação de Vésperas com representantes do clérigo português. Entrou na igreja sob um coro de aplausos e tinha à sua espera o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, o Bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, e o pároco da igreja do mosteiro, José Manuel Santos Ferreira.
Depois do discurso de boas-vindas de D. José Ornelas, o Papa pronunciou a primeira Homilia em Portugal, em que declarou que a Igreja deve seguir "humilde e constante purificação" e apelou a que a Igreja Portuguesa seja "porto seguro".
Mesmo ao lado do Mosteiro dos Jerónimos, no Jardim Botânico Tropical, foram plantadas seis árvores, em representação das seis grandes famílias religiosas: o Cristianismo, o Taoísmo, o Hinduísmo, o Budismo, o Judaísmo e o Islão.
Já depois da agenda oficial, o Papa reuniu-se individualmente com 13 vítimas de abusos de membros do clero na Nunciatura Apostólica. Francisco ouviu testemunhos durante cerca 40 minutos.
O grupo chegou ao local acompanhado de Pedro Strecht, ex-coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais Contra as Crianças na Igreja Católica.
"O encontro decorreu num clima de escuta intensa e durou mais de uma hora, concluindo-se pouco depois das 20h15", referiu a Santa Sé, em comunicado.
No final, as vítimas "sentiram-se reconfortadas e reparadas”, afirmou o presidente das Comissões Diocesanas.
DIA 3
O terceiro dia da JMJ foi o primeiro inteiro do Papa em Portugal.
Logo ao início do dia, o Papa encontrou-se com 15 jovens ucranianos, na Nunciatura Apostólica, durante cerca de 30 minutos. No fim, segundo informações do Vaticano, Francisco e os jovens "recitaram juntos o Pai-Nosso, com o pensamento voltado para a martirizada Ucrânia".
O Papa também prestou homenagem à peregrina francesa que morreu depois de uma queda na casa onde estava a ser acolhida. Numa missa celebrada na Nunciatura, estiveram presentes quatro familiares da mulher, de 62 anos, animadora de catequese, que tinha vindo a Lisboa para a JMJ.
No primeiro lugar da ordem de trabalhos esteve o encontro com estudantes na Universidade Católica (UC). O Santo Padre ouviu o testemunho de vários jovens e pediu-lhes que "procurem e arrisquem" e sejam "protagonistas de uma nova coreografia". Também abençoou a primeira pedra do Campus Veritati da UC.
Mais tarde, o Papa seguiu para Cascais, onde deu a última pincelada num mural de três quilómetros e meio criado na Scholas Occurrentes e comparou-o à Capela Sistina. Também assinou uma bola de trapos e regou uma oliveira, símbolos da instituição que fundou, há 20 anos, em Buenos Aires. No final, deixou um apelo: "Mesmo os que não rezem por mim, mandem uma boa onda".
Antes do regresso à Nunciatura, a fadista Cuca Roseta cantou o cântico "Recado" ao Sumo Pontífice. À chegada ao local onde está alojado, Francisco conversou com uma pessoa com deficiência e benzeu-a. Naturalmente, também abençoou mais algumas crianças.
Da parte da tarde, realizou-se a Cerimónia de Acolhimento. Em declarações à Renascença, enquanto esperavam pelo Papa, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moeda, assinalou que a capital vive um momento "absolutamente extraordinário", e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, enalteceu o "exemplo" que Francisco dá ao "ouvir sobre os temas fundamentais".
Após um longo percurso (a certa altura em contramão) no Papamóvel pelas ruas de Lisboa, e de bênção a mais um bebé, Francisco chegou ao altar-palco.
Depois de um momento musical de Mimi Froes, de uma mensagem de D. Manuel Clemente, da leitura de excertos de cartas por parte de jovens de vários países e de um original de Héber, fundador da banda HMB, Mariza subiu ao palco para cantar "Foi Deus", de Amália Rodrigues e Alberto Janes, acompanhada por uma guitarra portuguesa. Houve mais dois momentos musicais à portuguesa: cante alentejano e um número de Tiago Bettencourt.
Por fim, o Papa Francisco presidiu à Cerimónia de Acolhimento, perante as 500 mil pessoas presentes no Parque Eduardo VII. Pediu jovens sem medo e apelou à integração, entreajuda e tolerância."Repitam comigo: na Igreja há espaço para todos, todos, todos", entoou, qual estrela de rock em concerto.
"Esta JMJ é um grande sucesso", concluiu António Costa, em exclusivo à Renascença, em jeito de beijo de boa noite.
DIA 4
Ainda antes do primeiro ponto na agenda do quarto dia da JMJ, o Papa Francisco encontrou-se com a mulher que nasceu no dia da primeira aparição de Fátima. Tem 106 anos idade. O encontro aconteceu cedo pela manhã, na Nunciatura Apostólica.
O Papa rumou até ao bairro da Serafina, "um dos pontos altos" da visita de Francisco a Portugal, segundo Carlos Moedas. O evento começou com os testemunhos do pároco da Serafina, o padre Francisco Pereira Crespo, e de associações sociais que trabalham na região.
No primeiro discurso do dia, Francisco largou o guião que tinha preparado para elogiar o trabalho feito no bairro da Serafina, uma obra que "cria vida continuamente". A dado ponto da sua intervenção, Francisco assumiu sentir dificuldades na leitura por causa das luzes, largou o guião e partiu para o improviso.
"Não poderia existia uma JMJ sem dar conta desta realidade. Aqui, gerem vida continuamente, por ajudarem a miséria dos outros, criam vida e inspiração", elogiou, antes de terminar com um gracejo: "Agradeço-vos a todos por isso. Sigam em frente e não desanimem. Se desanimarem, bebam um copo de água e sigam em frente."
À tarde, a Via Sacra, um dos eventos mais esperados da JMJ. Depois de um longo percurso - preenchido com bênçãos a bebés, um quadro de Nossa Senhora de Guadalupe e mate argentino - rumo à Colina do Encontro, o Papa chegou ao palco para assistir a um imponente espetáculo multisensorial.
Um espetáculo de 14 Estações, que contaram a história da crucificação de Jesus Cristo. Durante a Via Sacra, um grupo de peregrinos ucranianos formou um cordão humano em homenagem às vítimas da guerra.
Chamado a falar perante os 800 mil peregrinos no Parque Eduardo VII, o Papa pediu "sentinelas de esperança" numa humanidade "sedenta de paz".
DIA 5
No sábado, quinto e penúltimo dia da JMJ, o calor abrasador abateu-se sobre o sul do país e o Papa foi a Fátima.
Francisco partiu de helicóptero, logo às 8h00, rumo à cidade religiosa. Logo à chegada, abençoou dezenas de crianças.
No Santuário de Fátima, o Santo Padre voltou a largar o guião, depois de ler somente um parágrafo e meia do discurso que levava preparado, e dirigiu-se diretamente aos milhares de peregrinos presentes.
"Maria saiu a correr quando soube que a sua prima estava grávida. É uma tradução um pouco livre. Dizemos que Maria saiu a correr com o objetivo de ajudar. A Virgem que sai a correr. Tem um problema e sai a correr. Gostam disto? Digamos todos juntos. Nossa Senhora apressa-se porque é mãe. Nossa Senhora apressada", disse, com o público a repetir, na breve visita à Capelinha das Aparições, no Santuário da Cova da Iria, onde Francisco participou na recitação do Terço com jovens doentes
O Papa voltou a insistir que a Igreja é para todos, mensagem forte do seu discurso na cerimónia do Acolhimento, dois dias antes.
"A Capelinha onde nos encontramos constitui uma bela imagem da Igreja: acolhedora e sem portas. Podemos insistir que todos podem entrar, é a casa da Mãe, e uma mãe tem sempre o coração aberto para todos, todos todos, sem exceção", afirmando, socorrendo-se do discurso escrito para voltar a interagir com os presentes.
À tarde, o Papa Francisco regressou a Lisboa, onde teve um encontro privado com os membros da Companhia de Jesus, no Colégio de São João de Brito.
Entre insolação e hipotermia, em Fátima, e as grandes dificuldades do INEM em lidar com as consequências do calor, em Lisboa, o Parque Tejo preparou-se para a Vigília com o Papa. Os peregrinos encheram a zona do Parque das Nações e os símbolos da JMJ chegaram de barco, pelo rio, até ao local da celebração.
Houve, até, quem tenha descido o Rio Trancão numa prancha de paddle, para assistir à Vigília. Contudo, como não tinha bilhete, foi escoltado de volta para Sacavém por duas motas de água da Polícia Marítima. O casal recém-casado vestido de noivos - Gabrielle e Juliet, da Polónia - é que não perdeu pitada.
Um milhão e meio de peregrinos acudiram ao Campo da Graça, entre os concelhos de Lisboa e Loures, para a oração do penúltimo dia da JMJ. O ambiente era de tal modo contagiante que o próprio Presidente da República prometeu ir à próxima Jornada, "onde quer que seja". No último dia, soube-se que será em Seul, na Coreia do Sul, em 2027. Marcelo terá uma viagem longa pela frente.
Antes da oração com o Papa Francisco, um dos momentos musicais mais memoráveis da JMJ Lisboa 2023. A fadista Carminho cantou "Estrela" e o Parque Tejo suspirou.
No discurso, o Santo Padre ofereceu o amor de Jesus Cristo aos peregrinos da JMJ e pediu aos jovens que "não tenham medo" de viver, porque a "alegria não deve estar fechada a sete chaves", mas é "missionária".
"É preciso caminhar e treinar muito. Aprender a caminhar. Não há cursos para ensinar a caminhar, aprende-se vivendo, com os amigos. Na vida aprende-se e treina-se um caminho. Treinar todos os dias. Na vida nada é grátis, só há uma coisa grátis: o amor de Jesus", sublinhou.
Francisco utilizou uma metáfora desportiva para dizer que no caminho da vida “é preciso caminhar e treinar muito”, mas também ajudar o próximo:
"Quando um amigo nosso cai, levantamo-lo. Quantas vezes passando junto de alguém e viramos a cara para o lado. É triste. Só olhamos de cima para baixo para ajudar a levantar o outro."
DIA 6
No último dia da JMJ - com aviso vermelho de calor para Lisboa -, os peregrinos acordaram, no Parque Tejo, ao som do DJ Padre Guilherme.
Cerca de um milhão e meio de pessoas assistiram à Missa de Envio, que foi inaugurada pelo cardeal patriarca de Lisboa.
D. Manuel Clemente acredita que a JMJ 2023 "será lembrada como um momento decisivo para uma geração que construirá um mundo mais belo e fraterno".
Na homilia da Missa de Envio, o Papa Francisco voltou a desafiar os jovens a que "se animem e não tenham medo".
A seguir, no Ângelus, o Sumo Pontífice assumiu sentir "grande tristeza pela querida Ucrânia", manifestou o "sonho da paz" e garantiu que a JMJ Lisboa 2023 foi "um sinal de paz para o mundo".
Francisco agradeceu a Lisboa, que "ficará na memória dos jovens como cidade dos sonhos", e dirigiu um "obrigado aos voluntários", pelo seu "grande serviço".
À tarde, num encontro com os voluntários da JMJ, no Passeio Marítimo de Algés, o Papa Francisco pediu-lhes que "sejam surfistas do amor" e assinalou que a viagem a Portugal foi uma "grande onda".
"Continuem assim, continuem nas ondas de amor, nas ondas da caridade, sejam surfistas do amor. Esta é uma tarefa que vos encomendo. Que o serviço que fizeram a esta JMJ seja a primeira de muitas ondas de bem, e que cada vez mais cheguem mais alto, mais perto de Deus e isto vai permitir uma melhor perspetiva para o vosso caminho. Obrigado a todos e bom caminho", declarou.
Em conversa com a Renascença, os voluntários admitiram que "vai ser estranho não ver o Papa amanhã".
Para Marcelo Rebelo de Sousa, a JMJ "é um grande sucesso para Portugal lá fora".
Chegou, então, a hora do adeus do Papa Francisco à Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023.
Regressou a Roma, num avião da TAP. Mesmo antes de o avião descolar, o Santo Padre publicou nas redes sociais uma mensagem de agradecimento "a todo o povo português" e a Lisboa.
Os motores ligaram-se, o trem de aterragem recolheu e lá partiu o avião, asas a rasgar as nuvens, para devolver o Papa ao Vaticano. Vemo-nos daqui a quatro anos, em Seul.
Até lá, ouça o podcast "Palco do Mundo", do jornalista da Renascença Vítor Mesquita, e, já agora, fique com a "setlist" do DJ Padre Guilherme para a JMJ.