Daniel Mordzinski. “O melhor café de Paris era em casa de Jorge Amado”
03-03-2022 - 18:19
 • Maria João Costa

É conhecido no meio literário como o “fotógrafo dos escritores”. Natural da Argentina, Daniel Mordzinski retratou autores como José Saramago, Luís Sepúlveda, Jorge Amado ou Jorge Luís Borges. Mostra no Instituto Cervantes, em Lisboa, alguns dos retratos.

Com o seu avô judeu de origem polaca aprendeu que a humildade deve ser uma caraterística dos artistas. De José Saramago aprendeu que “retratar é voltar a tratar”. Daniel Mordzinski nasceu em Buenos Aires há 62 anos, vive hoje em Paris e move-se pelo mundo para fotografar escritores.

Conhecido no meio literário como “o fotógrafo dos escritores”, este artista tem agora uma exposição, em Lisboa, onde mostra o seu trabalho. A pretexto do centenário de José Saramago, o fotógrafo que muitas vezes retratou o Nobel apresenta no Instituto Cervantes a exposição “Navegantes da Jangada de Pedra”.

Esta exposição de homenagem ao Nobel português reúne um conjunto de imagens. A bordo desta jangada fotográfica estão autores de diferentes nacionalidades.

“Nesta jangada há lugar para muitas literaturas e países. No essencial são retratos de escritores da América Latina, Espanha, Portugal, Brasil e de países lusófonos de África”, explica o fotógrafo em declarações ao programa Ensaio Geral da Renascença.

As imagens de autores que “teve a sorte” de conhecer surgem em paredes de diferentes cores. “O que fiz foi pintar cada uma das salas com tons que vão do branco, esse branco da cegueira de que fala Saramago, até ao preto, passando por dois tons de cinzento”. Estas diferentes cores, como “como capítulos de um livro” que ajudam a “contar outra história”, salienta.

“No primeiro capítulo faço uma clara homenagem a duas pessoas que morreram e de quem gostava muito, a Almudena Grandes e o Luís Sepúlveda. Na sala dois, em tons de cinzento, estão alguns dos meus primeiros retratos a preto-e-branco de Jorge Luís Borges, Júlio Cortazar ou o Jorge Amado”, explica o fotógrafo, que esteve recentemente no encontro de escritores da Póvoa de Varzim, Correntes d’Escritas.

"Retratar é voltar a tratar"

Se no rolo de câmara ficam as imagens, na cabeça do artista ficam muitas histórias de amizade. Sobre Jorge Amado diz que teve “a grande sorte de partilhar muito tempo”. Em Paris, onde Amado chegou a viver, e onde Mordzinski também conheceu a filha do escritor, Paloma e a mulher Zélia Gatai, Daniel recorda: “Eu adorava ir beber o melhor cafezinho de Paris que era em casa dos Amado”.

Na memória do artista, que regressa a cada edição ao Correntes d’Escritas, estão também as horas partilhadas como José Saramago, a quem dedica a última sala da exposição. “Tive a sorte de o retratar muitas vezes em Paris, Lanzarote e em várias geografias. Mostro aqui uma pequena seleção”, indica Daniel Mordzinski.

Nesta conversa, Mordzinski recorda o dia em que tinha marcado uma sessão com Saramago em Paris. O escritor de “Ensaio sobre a Lucidez” já tinha ganho o Nobel e tinham marcado encontro num hotel. O fotógrafo que já o tinha fotografado outras vezes, preparou-se para o retrato perfeito.

“Lembro-me que lhe agradeci muito ter mantido o nosso encontro. Ele disse-me: ‘é normal, como é que eu poderia defraudar aqueles que sempre apostaram em mim antes do Nobel?’", recorda Mordzinski numa voz calma.

Porém, acrescenta, “estive uma hora e um quarto a fotografar o José. É muito importante a técnica, a experiência, mas chega um momento em que se em 40 minutos não conseguiste a fotografia, não o vais conseguir!”

E foi o que aconteceu. Daniel Mordzinski saiu da sessão com a impressão que tinha falhado o retrato. Depois telefonou mais tarde ao Nobel para lhe pedir para fazer um novo encontro. Saramago disse-lhe que se ia embora, e que nesse dia jantaria à beira do Sena, num restaurante português com uns amigos. “Dá-me cinco minutos”, pediu-lhe o fotografo.

Depois de um silêncio do outro lado do telefone, as palavras que não esquece e repete: “Daniel, retratar é voltar a tratar”.

A insistência do fotógrafo que gosta de trabalhar com luz natural e acredita na intimidade entre o retratado e o fotógrafo, acabou com uma imagem que Daniel Mordzinski não esquece.

“Durou cinco minutos. Creio que nesses cinco minutos fiz as melhores fotografias. Foi à beira do Sena e quando ia a disparar, passou um barco iluminado e como não tinha flash, porque queria ser eu, fiz uma fotografia em contraluz, com o José marcado com as luzes do barco. Uma maravilha!”, alude.

Na verdade, acaba a contar, “sou um pouco pícaro”, uma vez que quando revelou as fotografias da primeira sessão no hotel “até não estavam tão mal!”.

Quanto à exposição “Navegantes da Jangada de Pedra”, integra as comemorações do Centenário de José Saramago e poderá ser vista no Instituto Cervantes, em Lisboa, até ao dia 13 de maio.