A revolução energética
07-04-2018 - 10:26

A descarbonização da energia é inevitável. Mas a transição será lenta e difícil.

A volatilidade dos preços do petróleo tem sido claramente sentida pelos consumidores portugueses. O gasóleo e a gasolina descem e (sobretudo) sobem desde que os preços destes combustíveis passaram a estar indexados em Portugal aos preços praticados nos mercados de produtos petrolíferos refinados. Embora não exista um perfeito paralelismo entre o preço do petróleo bruto (“crude”) e os preços dos produtos refinados (frequentemente influenciados por problemas em refinarias, por exemplo), o mais importante motivo dessa volatilidade é o preço variável do próprio “crude”.

Ao longo do século XX até finais da década de 60 o preço do petróleo bruto manteve-se relativamente estável, em torno dos dez dólares o barril. Em 1960 foi fundada a OPEP, agregando os principais exportadores petrolíferos, nomeadamente os árabes. Nos primeiros anos, nada de novo aconteceu.

Mas a chamada “guerra dos seis dias”, que em 1967 opôs Israel vitoriosamente ao Egipto, Jordânia, Síria e Iraque, conduziu a um embargo árabe de petróleo como forma de “desforra” e a um brutal aumento dos preços do petróleo. Foi o chamado primeiro choque petrolífero, que triplicou o preço do “crude”. Dez anos depois, na sequência da revolução iraniana, que depôs o Xá da Pérsia, e da guerra Irão-Iraque, novo “choque”: o preço do “crude” mais do que duplicou, ultrapassando os cem dólares por barril.

Essa enorme subida do petróleo contribuiu para um fenómeno novo: a ocorrência simultânea de uma certa estagnação económica e de uma alta de preços. Até aí, parecia que o crescimento económico gerava necessariamente subida de preços e que a estagnação descia a inflação.

Mas depois deste segundo choque petrolífero os preços do “crude” foram baixando, situando-se até ao fim do século XX entre 20 e 40 dólares. Já no presente século o “crude” subiu até aos 120 dólares, mas seguiu-se uma nova quebra nos preços. Esta recente volatilidade petrolífera é, porém, diferente das anteriores. É condicionada por dois factos: a reemergência dos Estados Unidos como grandes produtores de petróleo; e, a mais longo prazo, pela complexa transição do petróleo para as energias renováveis.

Os EUA, de novo primeiro produtor

Uma nova técnica de extração de petróleo foi desenvolvida nos EUA, com espetaculares efeitos no aumento da produção petrolífera americana. Trata-se do chamado “fracking”, que extrai “crude” de rochas xistosas através de um método de perfuração que usa explosivos.

O método tem riscos para o ambiente, pois pode poluir águas subterrâneas. Há países, sobretudo na Europa, que proíbem o “fracking” – mas, nos EUA, com Trump na Casa Branca o combate pelo ambiente deixou de ser prioritário.

A produção petrolífera americana estava em queda desde a década de 1970. Agora, com o “fracking” e uma maior extração de gás natural (menos poluente do que o petróleo e muito menos do que o carvão), os EUA tornaram-se no maior produtor mundial de “crude” e gás natural, ultrapassando a Rússia e a Arábia Saudita. Em 2017 os EUA foram o maior exportador do mundo de gás natural. O gás natural consegue bater, em preço, o próprio carvão, cuja produção Trump incentiva, porque não acredita no aquecimento global.

Este sucesso americano diminuiu a dependência energética dos EUA de fontes externas. Numa década essa dependência passou de 57% do consumo energético dos EUA para 20%.

A balança comercial dos EUA na área da energia teve em 2008 um défice de 416 mil milhões de dólares, cerca de metade de todo o défice comercial do país; no ano passado andou pelos 53 mil milhões, um décimo apenas do défice comercial americano. O que tem reflexos geoestratégicos evidentes. Mas também poderá ter consequências negativas, adiando nos EUA a transição para energias renováveis e contribuindo para um agravamento considerável do nível de CO2 na atmosfera.

Transição para as renováveis

O futuro será cada vez mais marcado pela crescente importância das fontes de energia renováveis. O investimento mundial nas renováveis desde 2010 ultrapassou os 2 mil milhões de dólares. A própria Arábia Saudita, detentora de enormes reservas petrolíferas (cuja extração é relativamente barata), sob a orientação do príncipe herdeiro Moahmed bin Salman tenta reduzir o peso do petróleo na sua economia e incentiva as energias renováveis, sobretudo a solar e a eólica.

Para tal apela ao investimento estrangeiro e vai cautelosamente tornando menos rígidas algumas regras islâmicas – por exemplo, quanto ao lugar das mulheres na sociedade. Mas será uma tarefa hercúlea, num povo habituado a viver dos rendimentos do petróleo, com pouca vontade de trabalhar – para isso tem milhões de imigrantes.

Também a China, que no ano passado ultrapassou os EUA como maior importador petrolífero mundial, se esforça por acelerar a transição para uma economia energética dominada pelas renováveis. Travar a poluição que mal deixa ver o sol em inúmeras cidades chinesas é um imperativo que o Presidente Xi Liping leva muito a sério.

Segundo a Agência Internacional de Energia, a China produz já um terço da energia eólica mundial e um quarto da energia solar. Os chineses são grandes fabricantes e exportadores de painéis solares e de turbinas eólicas (os EUA queixam-se da concorrência chinesa nessas áreas e impuseram obstáculos pautais às importações de origem chinesa). Recorde-se que a China assinou o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas e tem defendido esse acordo contra as posições negativas de Trump.

A Rússia é um grande produtor de petróleo e gás natural. Mas parece o menos preparado para a transição que se esboça. Moscovo pouco investe nas renováveis e continua a apostar no “crude” e no gás natural, além do nuclear. O que faz prever dificuldades económicas e talvez políticas na Rússia a médio prazo.

Percebem-se as hesitações de Estados e empresas. Até que ponto vale a pena investir agora na pesquisa e produção de petróleo? Muito dependerá da evolução dos preços do petróleo nos próximos tempos. Mas será perigoso para um grande país produtor de petróleo não acautelar a evolução a longo prazo, que aponta inequivocamente para uma energia descarbonizada.

Por outro lado, a transição para a eletricidade, nos automóveis nomeadamente, exige um apreciável e caro investimento em redes elétricas e nas suas conexões. Bem como necessita de maiores progressos na capacidade de armazenamento das baterias. E a descarbonização apenas será total a partir do momento em que a eletricidade seja produzida em centrais não alimentadas a fuelóleo ou carvão.