O 25 de Abril em cinco pontos
25-04-2020 - 17:05
 • Eunice Lourenço , Susana Madureira Martins

Foi uma cerimónia polémica e inédita e em que muitos dos discursos se centraram a própria cerimónia que foi condicionada pela epidemia de Covid-19.

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As justificações

O presidente do Parlamento, Ferro Rodrigues, alterou a ordem habitual das intervenções para ser o primeiro a falar na sessão deste ano e não o penúltimo, como é habitual. Quis, assim, dar explicações ainda antes das críticas que, à partida, sabia que ia ouvir. Mas quis também começar a sessão e o seu discurso por uma evocação das vítimas da pandemia de Covid- 19, apelando a um minuto de silencio muito pouco usual nestas cerimónias.

A polémica que, sobretudo nos últimos 10 dias, marcou a cerimónia também teve resposta por parte do Presidente da República, que dedicou grande parte do seu discurso também a justificações, afirmando que “evocar o 25 de abril é essencial”. Marcelo começou por dizer que a responsabilidade da cerimónia era da Assembleia, mas também garantiu que nunca lhe passou pela cabeça não estar ali.

A líder parlamentar socialista disse mesmo que os deputados não podiam assinalar o aniversário da revolução sem ser no Parlamento. Isto apesar de já ter acontecido quatro vezes não haver cerimónia parlamentar, duas das vezes por decisão do então Presidente Mário Soares.

Também Jerónimo de Sousa, o deputado mais antigo e único constituinte no Parlamento atual, aproveitou a ocasião para sublinhar que a decisão de celebrar a data foi a correta a tomar. “Nunca podemos deixar de celebrar abril e se há momento em que o 25 de abril não pode ser apagado, é este. Sim, impunha-se estar aqui.”

As críticas

O Chega, o CDS e também o PAN fizeram questão de deixar claro no Parlamento a sua discordância com a cerimónia parlamentar. “Não devíamos estar aqui hoje", afirmou André Ventura, o líder e deputado único do Chega . "Uma grande maioria dos portugueses não queria que estivéssemos aqui", acrescentou Ventura.

Também a líder parlamentar do PAN, Inês Sousa Real apontou criticas. “De de pouco ou nada servirão cerimónias e demais simbologias, que se mostrem alheadas das aspirações e preocupações das pessoas e muito menos das consequências da atual crise sanitária, económica, social e ambiental, ditada por uma doença silenciosa e desconhecida”, disse a deputada do PAN, um dos partidos que manifestou grandes resistências à cerimónia que decorre este sábado no Parlamento. O PAN chegou a defender que a sessão deste sábado decorre por videoconferência.

Já Telmo Correia, líder parlamentar do CDS, não usou todo o tempo de que dispunha e dedicou mesmo o seu discurso ao protesto pela forma como foi conduzido todo o processo. “Esta questão dividiu os portugueses, quando o momento é de união. O parlamento deve também respeitar os portugueses. Este é um mau exemplo", disse.

“Enquanto aqui celebramos, os portugueses não se podem juntar para celebrar nada, nem o seu próprio aniversário. Enquanto aqui celebramos, os nossos idosos estão isolados; e as crianças deixaram de poder ver os seus amigos; Muitas são as famílias que não puderam, sequer, despedir-se dos seus mortos; Milhares perderam o seu emprego e inúmeras empresas foram obrigadas a fechar; muitos, não poderão estar com as suas mães no próximo dia 3 de Maio ou celebrar a sua fé, no próximo dia 13”, lembrou Telmo Correia, para quem “em Democracia, não há datas prescindíveis e outras imprescindíveis, por imposição da maioria”

Já depois de terminada a cerimónia, Telmo Correia lamentou que todo o processo não tivesse sido conduzido com mais bom senso, pois a cerimónia acabou por decorrer com menos pessoas presentes na sala, como o CDS tinha proposto, e não segundo os critérios aprovados na conferencia de líderes de dia 15.

O mesmo acabou também por concluir Ramalho Eanes, o único ex-Presidente presente na tribuna de honra.

Desafios para o futuro

O discurso mais virado para o futuro foi, sem dúvida, o de Rui Rio, presidente e líder parlamentar do PSD, para quem é essencial começar a preparar o país para a provável segunda onda da pandemia.

De futuro também falou Cotrim Figueiredo, líder e deputado único do Iniciativa Liberal, que usou o seu discurso para como que enviar uma carta ao seu filho que completou 18 anos neste aniversário do 25 de Abril. ““O Portugal que vos deixamos quase não cresce desde que nasceste, há 18 anos e foi ultrapassado por países que eram mais pobres do que nós há 18 anos”, lamentou o deputado, deixando uma manifestação de confiança ao filho e aos portugueses: “Se resistirmos aos conformismos e aos falsos unanimismos, se não deixarmos que o Estado se confunda com um partido, se a crítica e a diferença forem vistas como a força que são, se não dermos espaço ao oportunismo nem à intriga, os portugueses, repito, serão tão bons como os melhores e mais livres do que nunca."

Já o PCP e o PEV chamaram a atenção para a necessidade de ter em atenção as dificuldades dos trabalhadores afetados pela crise económica provada pela epidemia. Depois de achatar a curva da epidemia, é preciso achatar a curva das desigualdades, disse José Luís Ferreira, do PEV. Precisamos de recuperar para o país o que nunca devia ter sido privatizado. Precisamos de concretizar abril e celebrá-lo. Que viva abril sempre, agora, mais do que nunca”, disse, por seu turno, Jerónimo de Sousa.

O fantasma da austeridade paira sobre o futuro. “De uma coisa estou certo: Portugal e os Portugueses estão vacinados contra a austeridade. Resta saber se a vacina tem 100% de eficácia…”, afirmou Ferro. “Aos que começam a espreitar a oportunidade de desenterrar a velha cartilha da austeridade o país responderá com lições” aprendidas com esta crise, nomeadamente no que diz respeito ao Serviço Nacional da Saúde (SNS), avisou Moisés Ferreira, do Bloco, o deputado mais jovem a discursar e que dedicou o discurso precisamente à defesa do SNS.

Os partidos tradicionais defenderam todos os valores de Abril. Mas o Chega e o PAN defenderam “uma nova alvorada”, como lhe chamou Inês Sousa Rela, líder parlamentar do PAN. “O 25 de abril não esqueceremos, mas queremos outro 25 de abril”, defendeu André Ventura, para quem o atual sistema já não serve e que é preciso de uma 4ª República.

Citações e evocações

Luís Sepúlveda, o escritor chileno que morreu vítima de Covid-19, terá sido o autor mais citado desta sessão. Começou logo com o discurso de Ferro Rodrigues. “Admiro os resistentes, os que fizeram do verbo resistir carne, suor, sangue, e demonstraram sem espaventos que é possível viver, mas viver de pé, mesmo nos piores momentos”, foi a citação escolhida pelo Presidente do Parlamento.

Também o Papa Francisco passou pelos principais discursos. Ferro invocou o Papa para lembrar que “hoje, a União Europeia encontra-se face a um desafio histórico, do qual dependerá não só o seu futuro, mas o do mundo inteiro”. Marcelo citou Francisco para pedir que ninguém fique para trás nesta crise.

Moisés Ferreira citou José Mário Branco para pedir “inquietação”, lembrando que é o primeiro 25 de Abril depois da morte do artista. E Marcelo lembrou que é o primeiro 25 de Abril sem nenhum dos fundadores dos principais partidos do inicio da democracia, recordando a morte de Freitas do Amaral.

Nas evocações, o minuto de silencio pelas vitimas de Covid pedido por Ferro marcou o início da sessão. E a mesma evocação passou por vários discursos, com Marcelo, Rio e Telmo Correia a fazerem referência às limitações aos funerais como mais uma dificuldade destes tempos.

Contingências e precauções

À medida que a cerimónia se foi aproximando e a pressão da opinião publica se ia manifestando foi também encolhendo o número de presentes. Em vez dos dois terços de deputados definidos na conferencia de líderes de dia 15, apenas estiveram 46 parlamentares, um quinto, o mesmo número que tem garantido o funcionamento do plenário em tempo de estado de emergência.

Dos cerca de 100 convidados previstos nas regras definidas também na conferencia de líderes, muito poucos compareceram. Do Governo, que tem 70 membros, só estiveram quatro. Do Conselho de Estado apenas dois: Francisco Louçã e Domingos Abrantes. E dos que não faziam parte do critério da lista de precedências do protocolo do Estado, mas que costumam sempre marcar presença nesta cerimónia, também poucos compareceram. Ao todo, terão sido 16, espalhados pelas galerias que costumam estar cheias de convidados e de povo. Na tribuna de honra, apenas o ex-Presidente Eanes e o cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.

O corpo diplomático, presença habitual, desta vez não foi sequer convidado. Os funcionários na sala foram reduzidos ao mínimo necessário para ir renovando os copos de água e desinfetando o microfone. E os jornalistas na tribuna de imprensa reduzidos a nove. Pela primeira vez, aliás, o Parlamento condicionou a presença de jornalistas a inscrição prévia, mesmo os que estão credenciados de forma permanente para acompanhamento dos trabalhos parlamentares.

Máscaras viram-se poucas. Filipa Roseta do PSD fez questão em usar. Cravos foram às centenas, como é habitual, mas desta vez espalhados por lugares sem deputados. O hino estava gravado, dispensando a banda da GNR. E, no fim da sessão, ao contrário do habitual ajuntamento de convidados, deputados e jornalistas nos Passos Perdidos, houve fila ordenada no Salão Nobre para as habituais reações aos discursos.