Droga afeta cerca de 35,6 milhões de pessoas. Cocaína expande-se em África
25-06-2020 - 10:00
 • Lusa

Relatório Mundial do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime indica que o total de cocaína apreendida nas África Ocidental e Central pode ter alcançado “recorde histórico”.

Cerca de 35,6 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem distúrbios provocados por vários tipos de droga, mais consumida nos países desenvolvidos, indica o relatório anual sobre o tema elaborado por uma agência das Nações Unidas, divulgado nesta quinta-feira.

O Relatório Mundial sobre a Droga, a que a agência Lusa teve acesso, concretizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), refere que apenas uma em cada oito pessoas consegue obter o tratamento de que necessita e que pelo menos 269 milhões de pessoas consumiram drogas em 2018, mais 30% do que em 2009.

A diretora executiva da UNODC, Ghada Waly, escreve no sumário do relatório, divulgado no dia em que se celebra o Dia Internacional Contra o Abuso de Drogas e Tráfico Ilícito, que os adolescentes e jovens adultos estão entre os maiores consumidores.

Citando o secretário-geral da ONU, António Guterres – segundo o qual “esta é a altura para a ciência e para a solidariedade”, evocando a importância da confiança nos cientistas e no trabalho conjunto para responder à pandemia de Covid-19 – Waly defendeu o mesmo princípio para o combate mundial à droga.

“Para ser eficaz, devem ser elaboradas soluções equilibradas para combater a procura de droga. Isto é mais importante do que sempre foi, à medida que os desafios para combater as drogas ilícitas se tornaram extraordinariamente complexos, agravados pelas consequências da Covid-19 e pela crise económica daí decorrente que ameaçam, para pior, o impacto ainda maior na população pobre, marginalizada e vulnerável”, sublinhou.

O que dizem os números

Os dados estatísticos constantes do relatório indicam que:

  • um em cada três consumidores é mulher
  • um em cada cinco que recorrem a tratamento é também do sexo feminino
  • presos, minorias, imigrantes e deslocados enfrentam barreiras para receber tratamento “devido à discriminação e ao estigma”
  • 11 milhões de pessoas injetam drogas – metade está infetada com hepatite C e 1,4 milhões contaminada com HIV.

As apreensões de anfetaminas quadruplicaram entre 2009 e 2018 e, apesar de uma melhoria na fiscalização global, os traficantes e vários cientistas estão a desenvolver novos químicos para as sintetizar, bem como às metanfetaminas e ao ecstasy.

“A produção de heroína e cocaína continua entre os níveis mais altos registados nos últimos anos”, referiu Waly, defendendo que o crescimento do abastecimento global de drogas coloca desafios ao reforço da lei, aos riscos que provoca na saúde e complica os esforços para travar os distúrbios provocados pelos produtos ilícitos.


Por outro lado, a saúde

Segundo Ghada Waly, enquanto aumentam aqueles números, mais de 80% da população mundial, sobretudo da classe média baixa, está privada do acesso ao controlado mercado de medicamentos para tratar a dor e a outros bens médicos essenciais.

Vários governos, diz, têm repetidamente apelado ao trabalho conjunto para enfrentar os muitos desafios colocados pela questão da droga como parte do compromisso assumido nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e, mais recentemente, pela Declaração Ministerial de 2019, aprovada pela Comissão sobre Drogas e Narcóticos (CDN).

“Mas as estatísticas indicam que a progressão da assistência [médica e social] para combater a dependência fracassou”, alertou a diretora executiva da UNODC.

Para Waly, as respostas “equilibradas, abrangentes e eficazes” para apoiar os toxicodependentes “dependem do cumprimento do compromisso assumido pelos vários governos”, que terão de providenciar apoio médico e não deixar ninguém para trás.

Nesse sentido, defendeu, devem ser feitas aproximações centradas na saúde, baseadas nos direitos e sensíveis ao género para o consumo de droga e para as doenças relacionadas, de forma a serem obtidos melhores resultados na saúde pública.

“Temos de fazer mais para partilhar estes ensinamentos e apoiar a implementação, maioritariamente nos países em desenvolvimento, incluindo o reforço da cooperação com organizações da sociedade civil e da juventude”, propôs.

Waly recordou que o lema da edição deste ano do relatório, “Better Knowledge For Better Care (“Melhor Conhecimento para Melhor Atendimento”), simboliza a importância da evidência científica no reforço das respostas ao problema mundial da droga.

Recorde de apreensões na África Ocidental e Central

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) considera que o aumento das apreensões de cocaína na África Ocidental e Central durante o ano passado sugere uma expansão da prevalência da droga nestas regiões.

No Relatório Mundial sobre a Droga de 2020, a UNODC aponta que “apreensões significativas em países em África em 2019 sugerem que o total de cocaína apreendida pode ter alcançado um recorde histórico superior a 20 toneladas”, tendo a maioria sido confiscada nas regiões da África Ocidental e Central.

Entre os casos citados no relatório, constam as apreensões de 0,8 toneladas de cocaína na Guiné-Bissau em março de 2019 e de 1,8 toneladas em setembro do ano passado, assim como a interceção de uma remessa de 9,5 toneladas da mesma droga em Cabo Verde, em fevereiro do mesmo ano.

No ano anterior, o continente africano tinha sido uma das regiões que menos apreensões de cocaína fez, registando 0,4% do volume total desta droga apreendida em 2018 – apenas à frente da Oceânia (0,2%) e da Ásia (0,3%).

“Ainda assim, apesar de África parecer um destino marginal para a cocaína, há sinais de que a África Ocidental e o Norte de África são de uma importância contínua e, possivelmente, crescente enquanto áreas de transbordo para a cocaína destinada à Europa e a outros mercados lucrativos”, acrescenta-se no documento.

No entanto, a UNODC alerta que estes números “podem sofrer da limitada capacidade das autoridades locais em executarem missões eficazes”.

Origem no Brasil e mais rotas

A edição deste ano do Relatório Mundial sobre a Droga acrescenta que a maior parte da cocaína que entrou no continente africano entre 2014 e 2018 “parece ter partido do Brasil, seguindo-se Colômbia, Bolívia e Peru”, sendo o continente africano utilizado como uma ponte para mercados europeus como Espanha, França e Itália.

Entre as várias apreensões feitas em África no ano passado, o relatório da UNODC destaca a apreensão de várias remessas de cocaína oriundas do Brasil, como uma apreensão de 0,8 toneladas no Senegal, em junho do ano passado, com destino a Angola, e a apreensão de 0,8 toneladas de cocaína no Benim, em dezembro, destinadas ao Níger.

Segundo a agência das Nações Unidas, os traficantes de cocaína estão também a diversificar as rotas tomadas.

“A Venezuela foi, em tempos, um dos maiores pontos de partida, mas viu a sua importância diminuir com a volatilidade política. O Brasil continua um importante país de trânsito e pode até ter de desempenhar um papel maior, e o Uruguai também parece estar a crescer”, aponta a UNODC, que refere que, no final de 2019, as autoridades uruguaias apreenderam duas remessas, num total superior a nove toneladas de cocaína, com destino à África Ocidental.