Uma lição do Chile
09-09-2022 - 06:30
 • Francisco Sarsfield Cabral

Os chilenos rejeitaram, sem margem para dúvidas, uma constituição considerada altamente progressista. É uma lição também para a UE, onde alguns pretendem avançar sem garantirem o apoio popular para as suas ideias.

Em dezembro do ano passado, no Chile, foi eleito presidente da República Gabriel Boric, de 36 anos, um antigo ativista de esquerda, que se destacara nos protestos contra um regime económico ainda marcado pelos tempos de Pinochet. Mas G. Boric viu no passado domingo 62% dos chilenos rejeitarem uma proposta de constituição de esquerda; apenas 38% votaram “sim” no referendo.

É certo que a popularidade do jovem presidente do Chile tem vindo a cair, situando-se agora em 39% de aprovação. Reconhecendo a derrota de domingo, que foi pesada, G. Boric afirmou: “temos que ouvir o povo (...) que claramente não concordou com o texto constitucional proposto”.

O texto rejeitado tinha muitas medidas consideradas progressistas, designadamente no que respeita às minorias indígenas. Estas minorias passariam a reger-se por um regime jurídico próprio, o que se arriscava a acentuar a divisão entre chilenos “brancos”, digamos, e chilenos indígenas.

Julgo que este referendo deveria servir de aviso para se evitarem insensatas medidas ditas muito progressistas. E que esse aviso deveria ser escutado não apenas na América Latina, onde nos últimos tempos se registou uma certa euforia “de esquerda”, como também na Europa.

Estou a pensar na ligeireza com que certos reformadores da UE propõem mudanças aos tratados europeus, sem se terem preocupado com convencer os povos europeus da bondade das suas propostas.

A história da integração europeia regista várias derrotas em referendos, por exemplo, quando os franceses e pouco depois os holandeses em 2005 rejeitaram a chamada (impropriamente) constituição europeia. A França e os Países Baixos são dois países “fundadores” da integração europeia e no entanto não aceitaram o que lhes propunham

Será de elementar bom senso não repetir casos destes, por muito louváveis que sejam as propostas em causa. A integração europeia só avança se for apoiada pelos europeus.