Cultura vs. Ventura. Sambado anula concerto, diretor do D. Maria fala em "político com grande passado à frente"
29-01-2020 - 21:38
 • Tiago Palma

O músico Filipe Sambado, que cancelou um concerto numa sala onde o Chega esteve reunido no Porto, e o diretor artístico Tiago Rodrigues, vencedor do Prémio Pessoa, partilham a condenação pelos comportamentos racistas, xenófobos ou homofóbicos do líder do Chega. Rodrigues dá destaque ainda, alertando, à presença indisfarçável de elementos ligados a grupos neonazis e neofascistas no partido – incluindo destacados dirigentes de Ventura.

Racista, xenófobo, homofóbico, transfóbico, misógino e “tantos outros adjetivos depreciativos de opressão e intolerância”. É desta forma que o músico Filipe Sambado, que se encontra a promover o seu terceiro longa-duração, “Revezo”, se posiciona, num comunicado emitido hoje, quarta-feira, pela produtora e promotora Maternidade, contra a ideologia de extrema-direita do partido Chega e do líder deste, André Ventura.

O músico anuncia também que cancelou o seu concerto agendado para 14 de fevereiro no Hard Club, no Porto, transferindo-o para o Maus Hábitos - Espaço de Intervenção Cultural, também naquela cidade. O cancelamento é, explica Filipe Sambado, uma forma de protesto, uma vez que o Hard Club acolheu, no passado sábado, um encontro do Chega. “O Filipe, a sua banda e a Maternidade não se podem mostrar coniventes com um espaço que se permite a compactuar com um encontro de ideologia de extrema-direita”, lê-se no comunicado.

O encontro em causa, do Chega, gerou polémica após ter sido divulgado um vídeo em que um apoiante do partido de extrema-direita faz a saudação nazi enquanto se escutava o hino nacional.

Não tardaria a reação de André Ventura, que se escusou a dizer que não se tratava de “nenhum militante conhecido” do Chega, prometendo, contudo, abrir “imediatamente” um processo disciplinar ao mesmo. E acrescentou: “Se as autoridades competentes solicitarem ao Chega a identificação do indivíduo, obviamente que serão dados todos os elementos disponíveis".

Mas esta não é primeira vez que elementos neonazis geram polémica no seio do partido – e condenação na opinião pública –, procurando sempre, e prontamente, André Ventura afastar-se dessa mesma polémica. Desde logo, são pelo menos três os dirigentes do Chega associados a este tipo de grupos.

O mais destacado é talvez Luís Filipe Graça, presidente da Mesa da Convenção Nacional do Chega. Graça foi dirigente e fundador da organização neonazi “NOS”, liderada pelo conhecido (e condenado) “skinhead” Mário Machado. Mas o presidente da Mesa da Convenção Nacional do Chega é igualmente o fundador da organização neofascista “Portugueses Primeiro”, na qual se destaca a presença de João Martins, assassino confesso de Alcindo Monteiro, em Lisboa, no ano de 1995.

Porém, Luís Filipe Graça não é o único quadro neonazi e neofascista do partido liderado por Ventura. Nelson Dias da Silva, o secretário da Mesa da Convenção Nacional do Chega, é igualmente porta-voz da “Portugueses Primeiro” e fundador da secção portuguesa do grupo nazi “Misanthropic Division”.

Outro dirigente nacional do partido, Tiago Monteiro, líder do Chega em Mafra, foi também ele dirigente (e responsável pelo concelho de Sintra) da “NOS” de Mário Machado.

Em reação à divulgação por vários meios de comunicação social destas ligações indisfarçáveis à extrema-direita, André Ventura garantiu que passaria "a pente fino" todos os militantes do Chega com ligações a “movimentos violentos e racistas”, garantindo que os memos não podem ter “lugar dirigente” no partido. E desculpou-se desta forma: “Desde as eleições legislativas, crescemos mais de mil por cento. A grande maioria inscreve-se através do site. É impossível fazer um rastreio a todos, mas vamos ficar atentos às inscrições em fluxo e, de acordo com o espírito da lei, fazer uma pesquisa sobre o seu passado político“.

Os dirigentes em questão continuam, por agora, no Chega. Mas o líder do partido tem-se, sozinho, desdobrado em afirmações (sobretudo) racistas e xenófobas. A última foi aquela em que se refere à deputada do Livre Joacine Katar Moreira.

Logo que se soube que o partido Livre, numa proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2020, pretende que todo o património das ex-colónias, presente em território português, venha a ser restituído aos países de origem (de forma a "descolonizar" museus e monumentos estatais), Ventura veio a terreiro propor que Joacine seja “devolvida ao seu país de origem”. “Eu proponho que a própria deputada Joacine seja devolvida ao seu país de origem. Seria muito mais tranquilo para todos... inclusivamente para o seu partido! Mas sobretudo para Portugal!”, exclamou o deputado do Chega no Facebook.

As reações, partidárias e não só, de repúdio perante a afirmação sucederam-se, tendo a mais recente sido da própria ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que condenou aquele "discurso xenófobo" de Ventura. “Joacine Katar Moreira foi convidada a ir para a sua terra, como se esta não fosse a terra da deputada, que foi eleita pelo povo português para o parlamento deste país", criticou Van Dunem.

Esta quarta-feira, outra voz se levantou, na cultura, e depois da de Filipe Sambado, contra André Ventura: a de Tiago Rodrigues, encenador e diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, ele que foi o vencedor do último Prémio Pessoa.

Numa publicação no Facebook intitulada “Um político com um grande passado à sua frente”, Rodrigues começa por recordar o que “notabilizou” André Ventura na política: o “discurso xenófobo”. E prossegue: “Fez-se eleger como deputado através de uma campanha populista e demagógica, incluiu fascistas e neonazis nos quadros do movimento que dirige, aproveita-se politicamente das reivindicações das forças de segurança, propõe a deportação de adversários políticos em plena Assembleia da República e, em pelo menos um dos seus comícios, já se fez a saudação fascista mesmo à sua frente enquanto se cantava o hino nacional”.

A terminar, lembrando que políticos como Ventura “não passarão”, o diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II lança um apelo: “A favor do futuro e face aos factos, qualquer pessoa que se considere democrata tem a obrigação moral não apenas de não apoiar o Chega mas também de o combater ativamente”.