Caos em Londres e incerteza no ar
14-03-2019 - 13:53
 • António Fernandes e Vasco Gandra com Pedro Caeiro

A questão do Brexit arrasta-se. De tal modo, que é quase impossível fazer um ponto de situação, uma vez que os anúncios sucedem-se uns aos outros.

A Câmara dos Comuns acaba de anunciar que haverá votação de uma proposta que abre a possibilidade de um 2º referendo sobre o Brexit. Uma votação que será feita ainda hoje ao final do dia, a juntar àquela que seria a moção que já estava prevista para ser debatido e votada, apresentada pelo Governo de Theresa May para pedir o adiamento por 3 meses da saída da UE.

Em relação à possibilidade de um 2º referendo, nas contas do jornal “Independent”, é pouco provável que essa possibilidade venha a ser aprovada, segundo fontes contactadas pelo jornal britânico.

Numa visão retrospectiva, o correspondente da Renascença em Londres, António Fernandes, recorda que a semana começou sem sabermos se o acordo do Brexit seria diferente daquele que foi chumbado em Janeiro. O líder da oposição, Jeremy Corbyn não estava satisfeito com a indecisão um dia antes do grande voto e dizia que “ficamos a saber pelos jornalistas e pela Irlanda que a primeira ministra pode estar a caminho de Estrasburgo (ou pode não estar a caminho) horas antes de uma votação”.

Mas May foi mesmo até Estrasburgo e, apesar de não ter conseguido alternativas para o “backstop” da Irlanda do Norte, a cláusula que foi a principal causa do primeiro chumbo ao acordo, conseguiu novos documentos, legalmente vinculativos, que davam garantias de que novas alternativas estariam em vigor no final em 2020, a data em que acaba o período de transição.

A menos de 24 horas do voto, o presidente da Comissão Europeia Jean Claude Juncker deixou um aviso: “Na política, por vezes há segundas oportunidades. É o que fazemos com esta segunda oportunidade que conta, porque não haverá uma terceira”, afirmou.

Mas nem as garantias, nem a ameaça de não haver Brexit de todo, resistiram ao parecer do procurador geral Geoffrey Cox, que disse que, apesar de o acordo ter ficado melhor, em termos legais o Reino Unido continuava sem controlo legal sobre a questão do “backstop” da Irlanda do Norte, que pode manter o Reino Unido alinhado com a União Europeia por tempo indeterminado.

Depois disso, a nova derrota era cada vez mais provável, até porque, tanto a ala mais à direita do Partido Conservador, como os Unionistas da Irlanda do Norte que têm dado a maioria a May no Parlamento, garantiram que nestes termos não podiam apoiar o acordo. Por isso mesmo, o resultado não foi uma surpresa.

Theresa May mostrou-se desapontada com mais uma derrota pesada, mas nem por isso menos determinada em concretizar o Brexit: “Continuo a acreditar que sair de forma ordeira, com acordo, é de longe a melhor opção para o Reino Unido e que o acordo que negociámos é o melhor e único disponível”, afirmou.

Seguiu-se nova votação para saber se os deputados queriam sair da União Europeia sem acordo. Uma ideia rejeitada, mas com uma surpresa. É que foi aprovada, também, uma emenda que rejeita, não só, a saída sem acordo a 29 de Março, mas rejeita mesmo a saída sem acordo em qualquer altura. O quer dizer que terá sempre de ser encontrada outra alternativa que não o chamado “hard Brexit”.

Num exemplo perfeito do caos que tem sido o processo do Brexit, a deputada que submeteu esta emenda, Caroline Spelmann, tentou retirar a emenda da mesa de votos mas, nessa altura, John Bercow, o presidente do Parlamento, disse que essa escolha já não era dela. Theresa May reagiu dizendo que, por lei, o Reino Unido sai da União Europeia a 29 Março a não ser que uma alternativa seja encontrada e relembrou que cabe aos deputados decidir o que fazer a seguir: voltar a votar o seu acordo, renegociar o acordo ou convocar um novo referendo, com Jeremy Corbyn, na Oposição, a pedir novas eleições. Esta quinta-feira vota-se uma extensão técnica do artigo 50º, que adia o Brexit até 30 de Junho, caso o acordo de May seja aprovado à terceira tentativa, contando para isso com os votos dos deputados que temem que não haja Brexit se este for adiado, como é o caso do conservador Simon Clarke: “Tenho de escolher entre um acordo que odeio ou não ter Brexit de todo”, disse o deputado. Mas, se chumbar de novo, então o Reino Unido tem de pedir uma extensão mais longa e pode participar ainda nas eleições Europeias em Maio.

Caos do outro lado da Mancha preocupa os 27

Em apenas dois dias os deputados britânicos rejeitaram o acordo do Brexit negociado por Theresa May com a União Europeia… mas também afastaram a opção de um Brexit sem acordo, agravando assim em Londres a crise política e a confusão em torno do processo de saída do Reino Unido da União Europeia.

A preocupação também aumentou do lado dos 27. Ainda ontem, num debate no Parlamento de Estrasburgo, e antes do segundo voto em Londres, o negociador da União Europeia, Michel Barnier, alertava para a incerteza provocada pela rejeição do acordo: “O voto de ontem à noite prolonga e agrava uma incerteza maior que foi criada há quase três anos por uma decisão soberana - que respeitamos mesmo se a lamentamos - do Reino Unido deixar a União Europeia. Uma incerteza que afecta o Reino Unido e a Irlanda do Norte em particular mas afecta, também, cada um dos nossos países e nós próprios. Quero lembrar que a responsabilidade da decisão do Brexit pertence unicamente ao Reino Unido. E hoje a primeira responsabilidade para sair do impasse em que se encontra esta negociação, a primeira responsabilidade, pertence ao Reino Unido.”

A União Europeia diz que a responsabilidade para desbloquear a situação é do Reino Unido, passa a bola a Londres e aguarda pelo resultado de mais uma votação esta tarde para saber se o Governo britânico vai pedir o adiamento do Brexit.

“Mas adiar para quê?” É a grande questão em Bruxelas e nas restantes capitais. Para novas eleições ou para um segundo referendo? Porque se for para negociar então já existe um acordo que garante uma saída ordenada do Reino Unido. Um acordo que Michel Barnier considera ser o que defende o interesse de todos. Ainda assim, se Londres pedir um adiamento, terá que apresentar uma justificação e depois os líderes dos 27 deverão decidir por unanimidade se aceitam o pedido.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus