Serão três dias de luto nacional. O balanço mais recente aponta para 95 mortos, todos vítimas do mau tempo em Espanha, mas os números ainda podem subir. O Governo de Pedro Sánchez promete recorrer a todos os meios, incluindo dinheiros europeus, para apoiar as populações afetadas.
Enquanto isso, na imprensa espanhola, surgem as histórias contadas por quem sobreviveu às cheias, provocadas pelo fenómeno DANA, e que, em muitos dos casos, viu outros desaparecerem em frente aos seus olhos, sem saber o que lhes terá acontecido.
Antonio: "A corrente arrancou-me a roupa"
Antonio foi surpreendido pela enxurrada de água, quando estava já na rotunda de acesso a Paioporta, um dos municípios da comunidade espanhola de Valência mais afetados pela tempestada Dana. Saíra há pouco do trabalho e não tinha recebido qualquer aviso sobre a gravidade da situação meteorológica, na zona. “A água corria a uma velocidade insana. Levou os automóveis que estavam estacionados na rotunda”, contou à radio de À Punt. “Consegui sair pela janela do carro. A água atirou-me para uma cerca. Foi ali que fiquei.”
Com a força da corrente, o automóvel de Antonio seria, pouco depois, arrastado para a ravina. Enquanto isso, as pessoas iam fazendo de tudo para se salvar. “Havia muita gente em cima dos carros e dos camiões. Uma rapariga subiu para um poste. A corrente arrancou-me a roupa, quando me agarrei à cerca. Não conseguia mexer-me. Comecei a gritar, porque achava que não iria aguentar. Não queria morrer”, relatou, emocionado.
Graças à ajuda de um rapaz, conseguiu subir para um camião, onde ficou durante três horas. “A água começou depois a baixar e conseguimos sair pelo próprio pé”, relatou, dizendo que ficou nu da cintura para baixo. Passou a última noite num pavilhão polidesportivo de Petxina, em Valência, que recebeu as vítimas.
A mãe desaparecida: "Disse-me que iria aguentar o mais que pudesse"
A tromba de água apanhou Antonio Tarazona, Lourdes Martín e a filha de ambos, Angeline, de três meses, dentro do carro, em Paiporta, Valência. Enquanto a mãe subiu para o tejadilho do veículo, com a bebé nos braços, Antonio foi levado pela corrente. Às 20h50, Lourdes, de 34 anos, telefonou à amiga Clara Andrès. “Disse-me que iria aguentar o mais que pudesse e pediu-me que cuidasse dos seus outros dois filhos”, relatou Clara ao jornal espanhol El Mundo, acrescentando que as crianças, Sofia, de 10 anos, e Bajix, de 13, acabariam por passar essa noite sozinhas.
Até ao momento, não se conhece o paradeiro da mãe e da bebé, mas há notícias do pai: após ter sido arrastado do automóvel, Antonio conseguiu agarrar-se a um ferro. Foi depois resgatado pela Proteção Civil, tendo passado a noite num pavilhão, em Valência. Está a recuperar bem, mas muito preocupado com o que possa ter acontecido a Lourdes e a Angeline.
Nas últimas horas, Clara Andrès fez seis quilómetros a pé, para ver os filhos mais velhos da amiga. Encontrou-os em casa, sem luz, nem telefone. Pretende agora levá-los para Torrent, onde mora, até que haja mais notícias da família. Diante do caos que os rodeia – há destroços da tempestade um pouco por todo o lado – resta-lhes caminhar. “As estradas estão cheias de carros atravessados.”
Decidiu enfrentar o temporal: “Um erro de principiante”
Ainda não eram nove da noite. As ruas de Sedavi, na comunidade valenciana, começaram a inundar-se, e Francisco Murgui, de 57 anos, saiu de casa para tentar tirar os automóveis da família da garagem, pensando que assim não ficariam debaixo de água. “Foi um erro de principiante”, lamenta a filha María Murgui, em declarações ao jornal El País.
A decisão fez com que Francisco Murgui acabasse por ser apanhado pela violenta tempestade. Foi arrastado pela corrente e, por volta das nove da noite, conseguiu usar o telemóvel para telefonar à família. “Disse-nos que estava agarrado a uma árvore e que iria tentar ficar ali”, recorda a filha, lamentando que, desde então, não tenham tido mais notícias do pai. De madrugada, ainda tentou procurá-lo na zona onde tinha dito que estaria, mas teve de voltar para casa. A corrente continuava demasiado forte.
Maite:“Estou como se estivesse no meio do mar”
Na noite de terça-feira, Maite Jurado López viu o seu carro ser arrastado pela água. Estava nas imediações da residência Savia Paipporta, na comunidade valenciana, quando a o vento e a chuva assolaram a região. Apesar da intensidade da tempestade, conseguiu ficar sozinha, numa zona de um edifício sem cobertura. Nas imagens que enviou a uma amiga, dizia: “Estou neste lugar, que é o que me está a ajudar. Mas, vê, não há ninguém à minha volta. Estou como se estivesse no meio do mar.”
Nem todos quiseram sair do carro: "Não sabemos o que lhes aconteceu”
Às 19h30 desta terça-feira, J.A.C. estava na autoestrada de Silla, a caminho de casa, em Picassent, quando decidiu sair do carro com a filha. “Não podíamos avançar mais. Estávamos parados”, contou ao El Diario.es, sublinhando a intensidade da chuva que caia nessa altura. “Subimos pelo separador central e caminhámos até um lugar seguro.”
Como eles, outros fizeram o mesmo e escaparam ilesos à tempestade, mas houve quem optasse por ficar dentro do carro. “Dissemos-lhes para saírem, porque a água subia cada vez mais. Não sabemos o que lhes aconteceu”, lamenta o homem, contando que se refugiou com a filha na ponte de Sedaví.
“Juntaram-se ali umas 500 pessoas. Foi impressionante. Víamos todos os carros e a água por baixo de nós. As pessoas portaram-se bem.”