Ser “vegan” ou não ser? Afinal o que pesa mais no bolso do consumidor?
03-03-2023 - 15:28
 • Maria Costa Lopes , Salomé Esteves (gráficos)

Segundo um estudo da DECO, a dieta vegan é a mais cara entre os quatro regimes alimentares mais comuns. A Associação Vegetariana Portuguesa contesta e diz que até é a mais barata. Quem tem razão?

Fazer uma dieta à base de plantas é mais caro do que comer carne e peixe? A resposta não é consensual, mesmo entre investigadores.

Um estudo da Deco Proteste, divulgado na última semana, considera que o regime alimentar vegano, seguido por, pelo menos, 12% dos portugueses, é "o mais dispendioso, exigindo mais de sete mil euros por ano". Motivo: “O grupo das alternativas aos lácteos”, que é muito mais caro do que os similares de origem animal.

A Associação Vegetariana Portuguesa (AVP) contesta esta análise da Deco Proteste e garante, até, que o regime vegetariano é mais barato.

"Ao contrário do que transmite a Deco Proteste, os consumidores 'vegan' [veganos, em português] são os que menos gastam com a alimentação em Portugal", lê-se num comunicado da APV.

Esta associação avança que mais de 60% dos consumidores veganos dizem gastar menos de 60 euros por semana com a alimentação (cerca de 240 euros num mês), número que só é apontado por 32% dos inquiridos que consomem carne, peixe, ovos e outros ingredientes de origem animal.

Estes valores provêm de um estudo, realizado por três investigadores da Universidade da Beira Interior, que se baseou em 1.040 inquéritos sobre os “hábitos alimentares do agregado familiar”, sem especificar por quantas pessoas é composto.

Segundo o estudo da Deco, um “menu semanal planeado para uma família de quatro pessoas” com uma dieta vegana é de 142 euros.

Isto significa um aumento de 137% para o cabaz vegano referido pela AVP.

Afinal, quem tem razão? Qual é o menu mais pesado no orçamento das famílias? Tudo depende dos produtos escolhidos.

A Renascença contactou a nutricionista Ana Isabel Monteiro, autora da página "Laranja Lima" e do livro "Vegetariano nas Quatro Estações", para planear dois cabazes semanais - um baseado no regime alimentar vegano, outro no omnívoro -, para um agregado de quatro pessoas, com uma média de 2.200 calorias por dia, por pessoa.

O plano é concebido para ser um plano ideal alimentar diário, em termos nutricionais e calóricos. No entanto, esta é apenas uma possibilidade de um leque de produtos para uma dieta semanal, em ambos os regimes.

O exercício resultou num cabaz de 25 produtos para uma família omnívora e de 29 para uma família vegana. A diferença de preço é de 9,19 euros por semana e 36,76 euros por mês. Enquanto o cabaz omnívoro tem um custo semanal de 134,03 euros, o cabaz à base de plantas custa 124,84.

Apesar de se aproximarem mais da estimativa da Deco Proteste do que da AVP, ambos os cabazes estão abaixo do previsto pela associação defensora do consumidor.

A Renascença tentou contactar a Deco para saber que produtos específicos constam nos cabazes, mas não obteve resposta.

Nestes cabazes, 19 produtos eram comuns: uma mistura de fruta, hortícolas e hidratos de carbono que são a base de qualquer alimentação saudável. Estes produtos custam 64,44 euros.

É nas proteínas, nos laticínios e nas alternativas que se encontram as principais diferenças. Enquanto os veganos despendem cerca de 18 euros em iogurtes de soja naturais, os omnívoros gastam quase 26 euros em peixe.

Quando se compara produtos específicos, sete litros de leite de vaca magro custam à família omnívora 6,23 euros, enquanto a família vegana paga 6,93 euros pela mesma quantidade de bebida de soja.

Na análise da Deco, os produtos com maior peso no cabaz vegano, a seguir ao grupo das hortícolas, comum a ambas as dietas, são os “substitutos lácteos", alternativas veganas ao leite e ao iogurte, que representam 20% do orçamento total (28,83 euros).

Para contornar isto, Cristina Rodrigues, fundadora do centro vegetariano, diz à Renascença que é possível “fazer iogurtes vegetais em casa, assim como bebidas vegetais, a custo ainda mais reduzido do que o leite de vaca”.

A nutricionista contactada pela Renascença, Ana Isabel Monteiro, referiu que, apesar de as dietas não serem exatamente iguais a nível nutricional - a dieta vegana é, por exemplo, mais rica em hidratos de carbono -, “ambas são equilibradas”.

A nutricionista e autora segue uma dieta vegetariana e diz que a base de um padrão alimentar vegano “são os cereais, leguminosas, hortícolas, fruta, sementes e oleaginosas", que também fazem parte de um padrão alimentar mediterrânico.

Ana sente que há ainda a perceção errada que uma dieta vegana ou vegetariana é mais dispendiosa, mas, neste momento, “já é igualmente acessível a nível de disponibilidade física, e pode ser mais acessível a nível económico” seguir um regime à base de plantas. O importante é que as pessoas evitem os “alimentos ultraprocessados”, destaca.

A nutricionista acrescenta ainda que mesmo “incluindo possíveis suplementos necessários”, como a vitamina B12 ou o ferro, o regime alimentar vegano “não fica mais caro”.

“Acho que é preciso as pessoas saberem o que comer e planearem o seu dia, e aí um(a) nutricionista orientado(a) para o vegetarianismo pode ser uma grande ajuda”, termina.