Coronavírus. ​Nos mercados a vida também mudou
26-03-2020 - 13:42
 • Pedro Filipe Silva

No Mercado de Alvalade grande parte das bancas continuam abertas e os produtos são frescos, como sempre. Os hábitos é que mudaram.

O sol ainda espreita entre os prédios do bairro, Lisboa acorda lentamente, mas no Mercado de Alvalade já se sente a agitação. As bancas começam a compor-se. Sente-se o cheiro do peixe, dos legumes e do pão fresco. Tudo isto se mantém, como sempre, mas ao entrarmos notam-se diferenças.

Das quatro portas do mercado, apenas uma está aberta, só são permitidas no máximo 50 pessoas e junto à entrada há um lavabo com sabonete para que todos possam higienizar as mãos. No chão está desenhada a grafitti uma linha que define a distância que o cliente deve manter da banca. Medidas da iniciativa da Junta de Freguesia de Alvalade, perante a pandemia que se vive.

Os afetos da Anabela

Anabela Patrício vende fruta e legumes, tem três bancas. Tem 50 anos, há 30 que está neste mercado. Confessa que nunca pensou viver uma situação destas, sente receio por vir trabalhar. Tem noção do que está a acontecer e sabe que o melhor é prevenir e por isso tem as medidas necessárias. “Adotei o sistema de ninguém mexer nos produtos. Eu tenho luvas, desinfeto-as muitas vezes. Estou sempre a desinfetar o máximo quando há pagamentos a dinheiro. Tentamos também explicar às pessoas que esperem a sua vez. Os clientes têm bastante compreensão, esperam e mantêm a distância”, explica.

Anabela diz ainda que há pessoas que se esquecem destas questões de segurança. “Quando está muita gente, as pessoas não cumprem o perímetro de segurança e temos de alertar. Não nos podemos esquecer que é um mercado, há um afeto diferente”. E é por isso mesmo que esta vendedora lembra que há mais gente a vir ao mercado e há até reencontros: “Nota-se bastante afluência, pessoas de diversas idades. Até se nota que há clientes que já há bastante tempo, há um ou dois anos, não apareciam no mercado e agora voltámos a vê-los e a revê-los. Nos supermercados há muita gente e nós temos recebido aqui os clientes.”

Os afetos da Anabela têm de ficar para mais tarde. “Muitas vezes há clientes que se esquecem e querem cumprimentar-me. Eu digo logo ‘por favor, atenção ao distanciamento’. Há sempre esta piada, mas temos de tentar fazer o melhor”, sublinha Anabela, que ao mesmo tempo prepara as dezenas de sacos com frutas e legumes que vão ser entregues mais tarde em casa. Outros estão já preparados para quem encomendou e quer estar o menos tempo possível no mercado.

Peixe entregue em casa

Ao contrário da Anabela, Frederico Silva, que vende peixe fresco, sentiu uma quebra das vendas. “Já estávamos à espera que houvesse uma diminuição e acabou por diminuir cerca de 70%. O movimento aqui no mercado não tem o movimento a que estávamos habituados”, diz este vendedor de 33 anos, que sublinha que há um outro nicho de mercado a crescer. “O que ainda nos vale é o serviço de entregas ao domicilio. A junta permitiu uma inscrição no site para quem queria fazer entregas e isso trouxe mais clientes.”

Frederico aproveita para lamentar que quem ainda vem ao mercado são pessoas que deviam estar em casa. “As pessoas que vêm mais aos mercados são as pessoas que estão no grupo de risco, as que têm mais idade. E a verdade é que ainda vê muita gente de idade a vir aos mercados.”

Já quanto às questões de segurança, há cuidados redobrados. “Tivemos de aumentar o número de produtos de higiene, a forma como temos aqui o peixe, a conservação do próprio peixe na câmara frigorífica. Nós dizemos às pessoas para terem todo o cuidado, para não tocarem nos produtos. Mas como é peixe, é mais fácil controlar a situação do que por exemplo aos legumes. Por norma as pessoas respeitam”, conclui Frederico.

O pai ficou em casa, o Hélder veio para o mercado

É das bancas mais concorridas no Mercado de Alvalade. Frutas e legumes para todos, mas escolhidos pelo responsável da banca. “O cliente escolhe, mas não pega. Nós retiramos o que o cliente escolhe. Há quem não aceite estas restrições, ficam um pouco desagrados, mas tem de ser”, diz Hélder Santos que está no mercado temporariamente, para dar um apoio à mãe.

“Devido à idade do meu pai, que já é mais velho, a Junta de Freguesia aconselhou-o a ir para casa. Tenho de vir cá um pouco ajudar a minha mãe. Infelizmente ela não tem carta e não consegue estar aqui sozinha".

A ida ao mercado é cedo, por causa dos netos

Ana Maximiano está na fila para comprar o pão. Ainda vai comprar frutas e legumes. Esta mulher de 58 anos é cliente do mercado de Alvalade, mas é a primeira vez que aqui vem desde que foi declarado o estado de emergência. Prefere vir cedo, há uma razão para isso. “Tenho dois netos de seis e qautro anos em casa e por isso tento não sair tanto. Estamos em isolamento e temos algum receio”, assume.

A preocupação de Ana é visível. Todos os cuidados são tomados. “Desinfeto tudo quando chego ao carro. É luvas e máscaras, mas como não está muita gente não venho de máscara. Quando saio daqui deito tudo fora, desinfeto as mãos. Quando chego a casa vai tudo para lavar e vou tomar banho”, conclui.