P​or uma Lei de "SPM"
04-10-2023 - 06:45

Se queremos que a política debata e enfrente os problemas reais, liquidando o perigoso fosso entre “nós” e “eles”, ninguém poderia ser titular de um cargo político sem ter sido outra coisa antes.

Nas vésperas de mais um aniversário da República (faz 113 anos), e a caminho do grande aniversário da Revolução (fará 50 anos a 25 de abril de 2024), serve esta crónica para deixar a sugestão do que acho ser uma reforma política necessária. Ei-la:

Considerando que o progressivo decréscimo da qualidade da classe política portuguesa é, de há bastante, um tópico recorrente em várias análises, provindas de vários campos e sensibilidades; considerando que esse abaixamento da qualidade produz um efeito de autofechamento e de autoisolamento dos titulares de cargos políticos ao “mundo real” dos portugueses, dos seus problemas e anseios; considerando que uma tal classe política tende, naturalmente, por agenda de auto preservação e de defesa de posições ou monopólios de (co)mando, para estratégias de reprodutibilidade endogâmica, bloqueando a renovação do pessoal político; considerando que os partidos políticos, suas organizações e dinâmicas, são os agentes (quase) monopolistas de ingresso e progressão em carreiras políticas, sem prejuízo do reconhecimento da sua necessidade numa democracia pluralista; considerando, outrossim, a urgência de abrir e renovar a classe política portuguesa, aproximando eleitos e eleitores, capacitando melhor os primeiros e demonstrando aos segundos que podem sentir-se melhor representados nos seus mandatados políticos - poderia um comité de sábios estudar a viabilidade de uma Lei de "SPM", ou seja, de "Serviços Públicos Mínimos", como elemento curricular obrigatório de aferição prévia a qualquer investidura num cargo político de relevo e responsabilidade.

Significa isto que, para cargos políticos em patamares crescentes de competência, responsabilidade e poder, seria obrigatório os candidatos possuírem prévia experiência de vida real, fora dos ambientes carreiristas dos partidos, suas concelhias e Juventudes, ou dos gabinetes ministeriais, onde se maturam pseudocarreiras que vão das “jotas” à concelhia/câmara, destas à assessoria ou à subsecretaria de Estado e da secretaria de Estado a São Bento, ao governo ou a Belém. A uma vida apenas feita disto falta “mundo” e sobram amiguismos, falta cultura cívica e sobram pecadilhos. O «Serviço Público Mínimo» significaria ter tido e exercido uma profissão antes de ir para a política – como serviço “ao público”, independentemente de o emprego ter sido no setor público ou privado.

Se queremos que a política debata e enfrente os problemas reais, liquidando o perigoso fosso entre “nós” e “eles”, ninguém poderia ser titular de um cargo político sem ter sido outra coisa antes: administrador, advogado, agricultor, arquiteto, bancário, comerciante, consultor, economista, enfermeiro, engenheiro, funcionário público ou de uma entidade privada, industrial, gerente, gestor, jornalista, médico, operário, professor, profissional das forças de segurança ou armadas, técnico de…, vendedor, e mais um enorme etc. de profissões que aqui não cabe.

Para vereador ou autarca, o limiar seriam (por hipótese) 4 anos de «SPM» acumulado; para deputado nacional ou regional, 8 anos; para secretário de Estado ou regional, ou para ministro, 10 anos; para PM ou PR, 15 anos. Nas autarquias ou nos parlamentos (nacional, Açores e Madeira) poderia haver quotas para representação jovem sem obrigatoriedade de «SPM». A demonstração curricular seria feita em anexo às listas de candidatura, junto da CNE, ou no Tribunal Constitucional. Enfim, os sábios saberiam desenhar a ideia e os políticos, se se quisessem autorreformar, poderiam limá-la para aprovação e exercício. Mal não faria à pátria; e talvez lhe fizesse bem!