​CNE admite que Costa faz propaganda, mas só atua com queixa
17-09-2021 - 14:33
 • Marina Pimentel

No programa Em Nome da Lei da Renascença, o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições admite que as inaugurações e promessas que o primeiro-ministro anda a fazer pelo país podem pôr em causa os deveres de imparcialidade e isenção, mas a CNE "apenas age quando recebe queixas, porque não tem meios para investigar autonomamente”.

O envolvimento do primeiro-ministro, António Costa, na campanha eleitoral autárquica não deu ainda origem a qualquer participação à Comissão Nacional de Eleições (CNE). Em declarações ao programa Em Nome da Lei da Renascença, o porta-voz da CNE, João Machado, admite que as inaugurações e promessas que o primeiro-ministro anda a fazer pelo país podem pôr em causa os deveres de imparcialidade e isenção a que estão obrigados todos os órgãos do Estado e da Administração Pública, desde o dia de publicação da data das eleições autárquicas, 8 de julho.

O porta-voz da Comissão Nacional de Eleições revela, no entanto, que, “até agora, a CNE não recebeu qualquer participação”. Pelo contrário, as queixas contra órgãos do poder autárquico já vão em 553, para um total de 730 participações.

João Machado admite que “a CNE apenas age quando recebe queixas, porque não tem meios para investigar autonomamente”.

“CNE não atua por que não recebeu denúncias?”

Esta é uma situação que a constitucionalista Teresa Violante lamenta e considera uma lacuna na intervenção do órgão de fiscalização eleitoral.

A antiga assessora do Tribunal Constitucional (TC) lembra que, apesar de estarmos num processo eleitoral autárquico, o regime jurídico que proíbe a utilização de dinheiros públicos para publicitar obra feita não obriga só os incumbentes que agora se recandidatam ao poder local, mas também a administração central.

“Há questões pertinentes que devem ser suscitadas, a propósitos de promessas, e a CNE não atua por que não recebeu denúncias? E, no entanto, vê e reconhece que a questão existe!”, questiona Teresa Violante.

“Ideal seria termos um regime que permitisse à CNE atuar, não só com base nas denúncias, mas também de forma oficiosa, através dos seus próprios meios de investigação”, defende a constitucionalista.

“CNE não age, reage”

O advogado Miguel dos Santos Pereira, que avançou com uma ação administrativa contra a CNE, em nome de dez autarcas que se recandidatam, em Cascais, Oeiras, Odivelas e vários municípios da Madeira, considera que o problema da Comissão Nacional de Eleições é exatamente agir apenas a reboque das queixas que recebe.

Miguel dos Santos Pereira acusa o órgão administrativo de “se deixar instrumentalizar e manipular porque a CNE não age, reage, vai atrás das denúncias, e por isso num determinado município está a ser aplicada uma determinada leitura da lei e não está no município ao lado, porque não houve participações”.

É disso que se queixa também o presidente da Câmara da Figueira da Foz que se recandidata a um novo mandato autárquico. O socialista Carlos Monteiro foi alvo de uma denúncia e a CNE obrigou-o a retirar cartazes e conteúdos considerados de publicidade institucional.

O autarca incumbente diz que naturalmente conhece a lei que está em vigor desde 2015. Mas não lhe passou pela cabeça que “ao anunciar um espetáculo, ou usar o logotipo da Câmara - Figueira para Todos, que é usado há mais de cinco anos - ou ao anunciar um balão de ar quente, exatamente nos mesmo termos em que o faz a região de Turismo da Zona Centro”, de que é presidente, o candidato do PSD à Câmara da Figueira, Pedro Machado, estivesse a vilar a lei, como afirma a CNE.

Na ação judicial contra a CNE, que inclui Carlos Carreiras e Isaltino Morais mas também o presidente da autarquia de Odivelas, eleito pelo PS, Hugo Martins, são enumerados uma série de exemplos que segundos os autarcas são reveladores de “desvio de poder e de que a CNE faz censura descarada aos recandidatos, impedindo-os na prática de exercerem o mandato até ao fim”.

Entre os processos citados estão o do presidente da Câmara de Cascais, que foi obrigado a retirar conteúdos da sua página pessoal no Facebook. E é ainda citado, em jeito de anedota, o processo contra presidente do Governo açoriano, que é do PSD, e que foi acusado de num vídeo favorecer um candidato do PS.

No programa Ensaio Geral da Renascença, Teresa Violante sublinha que é muito importante termos um regime legal que imponha alguma igualdade de armas entre todos os candidatos, sobretudo sabendo nós que 80% dos incumbentes se recandidatam nestas eleições autárquicas.

Mas a antiga assessora do Tribunal Constitucional considera que a CNE terá ido longe de mais na interpretação na lei, quando impede os orçamentos retificativos perto do calendário autárquico ou quando interfere com o conteúdo de uma página pessoal do Facebook de um autarca.


Lamenta, no entanto, que sobre este caso nunca venhamos a conhecer o veredito do Tribunal Constitucional porque não houve recurso para os juízes do Palácio Ratton.

Teresa Violante lembra que “os candidatos têm 24 horas para recorrer e o Tribunal apenas três dias para decidir, exatamente para que a sua decisão possa ter efeito útil”. Admite que, “em 2017, houve uma validação quase unânime das interpretações que foram sendo feitas pela CNE. Ma, s entretanto, houve outros atos eleitorais em que o TC não concordou com as decisões da Comissão Nacional de Eleições”.

O advogado Miguel dos Santos Pereira não está convencido de que assim seja. Explica que avançou com uma ação administrativa em nome dos dez autarcas recandidatos e não com um recurso junto do TC, porque ele estaria “condenado ao fracasso”.

Diz que as posições do órgão de fiscalização eleitoral “têm um total suporte do TC porque este é um tribunal político”. Afirma mesmo que, na polémica em torno da sua deslocalização, está do lado dos que defendem que vá para Coimbra, mas não pelas mesmas razões.

“O Tribunal Constitucional deve ir para Coimbra porque é lá que está a sede do Instituto de Medicina Legal e o TC está morto e precisa que lhe façam a autópsia”, afirma o advogado Miguel dos Santos Pereira.

O programa Em Nome da Lei é emitido este sábado ao meio dia e fica depois disponível no site da RR e nas plataformas de podcast.