Coronavírus. Lisboa, a cidade em que ainda há muita gente que não resiste a ir “só ali à rua"
23-03-2020 - 17:25
 • Joana Bourgard (fotografias e texto)

Em Benfica e Arroios, duas das freguesias mais populosas da capital, os moradores continuam a sair à rua para fazer pequenas compras ou beber café. Hoje foram anunciadas mais nove vítimas mortais que se juntam às 14 já registadas. Há mais de 2.000 infectados e 14 recuperados.

Apesar das sete detenções pelo crime de desobediência anunciadas no domingo pelo ministro da Administração Interna, esta segunda-feira várias pessoas optaram por sair de casa para beber café ou fazer pequenas compras do dia.

Na zona antiga de Benfica, uma das regiões de Lisboa com mais comércio de rua, grande parte das lojas tradicionais, cafés e restaurantes estão encerrados. Nas ruas perto do Mercado de Benfica, a Renascença encontrou apenas um restaurante aberto, onde se dirigem vários moradores para beber um café expresso ou encomendar refeições em modo "take away".

Com uma mesa à porta, a bloquear a entrada, Nelson recebe os pedidos e Maria Idalina entrega os cafés. Desde o início da pandemia, o negócio sentiu uma quebra de 75% nas vendas, mas os coproprietários do café permanecem de portas abertas pelo compromisso que sentem com os clientes.

"Muitos são pessoas de idade que vêm cá todos e dias. Agora ligam-me desesperadas a perguntar: 'oh Nelson, como é que vai ser agora?'". A pastelaria "Conforto" existe há mais de 60 anos na Estrada de Benfica e, para além de café e bolos, serve refeições ao almoço.

Na ementa do dia lê-se polvo à lagareiro e entrecosto assado no forno, mas Paulo não sabe por quanto mais tempo vai continuar a servir refeições. Alguns fornecedores começam a falhar as entregas dos produtos e gerir o stock existente começa a ser difícil.

Alguns metros mais abaixo, vários moradores concentram-se nas filas para o Continente e Pingo Doce, situados na mesma rua, lado a lado. Na fila para Pingo Doce, espera-se 10 minutos para conseguir a vez de entrar.

Um dos clientes, natural de Bragança, conta que na sua terra e "do outro lado da fronteira, está tudo em casa". No telemóvel, mostra um vídeo filmado por si onde se vê um carro da polícia a patrulhar as ruas de Bragança, com o aviso sonoro "fique em casa". Este homem, que não se quis identificar, sente-se surpreendido com a quantidade de pessoas que vê nas ruas de Lisboa "a passear".

Esta segunda-feira Espanha registou mais 462 mortos face ao dia ontem. Há agora 2.182 mortes causadas pela Covid-19 e mais de 33 mil infectados.

A alguns quilómetros, no centro de Lisboa, o cenário não é muito diferente. Na Praça Paiva Couceiro, na Penha de França, uma fila com mais de 15 pessoas espera pela vez de entrar na Pastelaria "Chaimite".

Um grupo de três clientes sai com cafés em copos de plástico e dirige-se para uma caixa eléctrica, que serve como mesa de café. São vizinhos e assumem que ainda têm o hábito de sair de manhã para um café.

Ao longo da Rua Morais Soares, várias lojas de "Tudo a um euro" permanecem abertas, muitas com o aviso "sem multibanco", à porta. Uma das ruas mais populosas e com mais nacionalidades do país, várias pessoas sobem e descem o estreito passeio para aviarem compras de última hora.

O talho "Lusofrancês" foi dos primeiros da rua a adoptar medidas de segurança para os funcionários. À entrada, onde está a caixa registadora, instalaram plásticos com a finalidade de proteger o funcionário que recebe os pagamentos.

Junto à vitrina da carne foram colocadas caixas para que os clientes mantenham uma distância de segurança dos funcionários. Mas Paulo Felizes, funcionário do talho há mais de 30 anos, diz que não servem a função. Apesar dos avisos constantes, as pessoas sobem para cima das caixas e debruçam-se sobre o balcão.

"Estamos fartos de avisar as pessoas mais velhas para não virem ao talho todos os dias. Deviam comprar para a semana inteira, mas vêm cá todos os dias", explica Paulo. "E se insisto muito com elas, dizem que vão ao talho do lado", lamenta.

Paulo justifica este comportamento como "um vício de ir à rua" e confessa que já ouviu alguns clientes dizerem: "Se morrer, morri. O que vale estar cá se é para estar em casa?"

Esta segunda-feira foram anunciadas mais nove vítimas mortais causadas pela pendemia do Covid-19, que se juntam às 14 já registadas. Há mais de 2.000 infetados e 14 recuperados. Espera-se que o pico da pandemia aconteça por volta do dia 14 de abril.

Desde as 00h00 do passado domingo que entraram em vigor as medidas doestado de emergência. Consulte esta lista para saber as atividades eestabelecimentos que poderão continuar a funcionar.