Joana Carneiro sonha com o ensino da música para todas as crianças e jovens portugueses
10-03-2023 - 19:15
 • Maria João Costa

A maestrina portuguesa estreia-se no próximo dia 17 a dirigir a Orquestra da Ópera Nacional de Paris. Joana Carneiro vai estar até 30 de março no Palácio Garnier, num espetáculo de dança da coreógrafa norte-americana Bobbi Jene Smith. À Renascença, confessa o nervosismo e o sentimento de privilégio

É com um misto de sentimentos de privilégio e nervosismo que Joana Carneiro se estreia na Ópera de Paris. A maestrina portuguesa vai dirigir, de 17 a 30 de março, a Orquestra da Ópera Nacional de Paris, num espetáculo que marca a estreia de uma criação da coreógrafa norte-americana Bobbi Jene Smith.

Em entrevista à Renascença, numa altura em que ainda está em ensaios, Joana Carneiro explica que a ideia da coreógrafa é que, quer ela, enquanto maestrina, quer o solista violinista farão parte da coreografia. “Neste caso, em vez de 19, seremos 21 a dançar em conjunto”, conta.

Questionada sobre o que falta ao ensino da música em Portugal, a maestrina, que deixou a direção da Orquestra Sinfónica Portuguesa, admite que sonha com o dia em que “o ensino da música formal chegasse a todas as crianças e a todos os jovens”.

Com que sentimento se estreia na Ópera de Paris a dirigir a Orquestra da Ópera Nacional de Paris?

Com um sentimento de privilégio e a algum nervosismo, naturalmente. Estamos a começar os ensaios esta semana, primeiro com os bailarinos, amanhã já ensaio com a orquestra. É uma peça que se está a criar neste momento. É uma nova coreografia. E é uma expectativa grande à medida que vamos juntando as peças todas.

Uma música que acabou de ser escrita, com uma nova coreografia, com a música que já foi escrita por [Jean] Sibelius. Juntando as peças todas vai sendo cada vez mais emocionante.

A orquestra vai acompanhar uma peça da coreógrafa norte-americana Bobbi Jene Smith, que música é este que serve de ponto de partida?

Tem um ponto de partida que é o concerto para violino de Sibelius. Vai ser tocado pelo concertino da própria orquestra. E a compositora Celeste Oram escreveu música reagindo ao concerto para violino de Sibelius.

A forma é: Existe um prelúdio, digamos assim, que liga com o primeiro andamento do concerto para violino, depois um intermezzo que liga o primeiro com o segundo andamento, depois o segundo andamento é tocado, como está escrito por Sibelius, outro intermezzo, outra peça completamente nova escrita entre o segundo e o terceiro andamentos e depois existe, digamos assim, uma peça final tocada só pelo solista, também uma reação a todo o concerto. Existe, portanto, de facto uma parte significativa, metade do espetáculo, é música nova.

Qual o papel da maestrina na coordenação entre a coreografia e a orquestra?

Os bailarinos estão a trabalhar há dois meses a criar esta coreografia e naturalmente tem a ver com a música. Há uma coordenação entre aquilo que é feito no palco e o que se passa no fosso. Isso é comum a qual obra que façamos. Essa coordenação é feita também com a dança no número de vezes que determinada célula ou parte é repetida.

Os movimentos de braços de um maestro, neste caso de uma maestrina, têm algo de coreográfico. Pensa nisso quando está a dirigir a orquestra?

Eu não penso nisso! Mas por acaso a coreógrafa, na primeira vez que nos encontramos e falou comigo, como se o próprio violinista solista, que vai estar no palco, não vai estar no fosso e o maestro também fizessem parte do espetáculo.

Claro que existe um solista, que é o violinista, mas o corpo de bailado é composto por 19 bailarinos. E é muito difícil compreender se há um solista dentro desse grupo.

Todos têm uma intervenção num momento, como solistas. A própria coreógrafa estava a dizer que imaginou também o solista violinista e o maestro como fazendo parte deste todo. Neste caso, em vez de 19, seremos 21 a dançar em conjunto. Isso também faz parte do imaginário da coreógrafa.

Por acaso a coreógrafa quando nos conhecemos disse-me que gostava muito de imaginar, tanto o movimento do solista que estará no palco, como do mestre como fazendo parte de um todo. Embora só os bailarinos é que são coreografados.

Antes esteve a dirigir a orquestra da Ópera Nacional Inglesa, numa adaptação da obra “A história de uma serva”, de Margaret Atwood, no Coliseu de Londres?

Sim, estive em Londres já no fim do mês de fevereiro a trabalhar com a Royal College of Music e há um mês estive também com a Philharmonie em Londres.

Embora as orquestras tenham muitos músicos estrangeiros, qual para si a diferença de dirigir uma orquestra francesa, uma inglesa e uma portuguesa?

As orquestras são parecidas no seu funcionamento, precisamente pelo que diz. Há músicos de todo o lado, às vezes há pequenos pormenores na forma de trabalhar, na organização do trabalho. Mas não consigo distinguir especificamente uma orquestra britânica, de uma orquestra francesa, de uma orquestra portuguesa. Os músicos são muito internacionais.

Hoje em dia temos músicos portugueses a tocarem França, músicos franceses a tocaram em Portugal e por aí fora. Por isso não consigo distinguir o som específico.

Em que é que o ensino da música no nosso país precisaria de mudar?

O que eu gostaria mesmo era que o ensino da música formal chegasse a todas as crianças e a todos os jovens. Seria esse o sonho. Que todas as crianças tivessem oportunidade de tocar um instrumento, de cantar num coro, tocar numa orquestra, tocar em conjuntos mais pequenos do que uma orquestra.

O meu sonho seria que todas as crianças tivessem acesso a um instrumento, a um coro, ouvissem um coro a cantar, uma orquestra a tocar. Que todos os jovens portugueses tivessem acesso a um ensino formal da música e à cultura, no sentido que todos pudessem experimentar estar numa sala de espetáculos, ouvir uma orquestra, ouvir um coro, assistir a um espetáculo de bailado, uma ópera. Esse seria o meu sonho que todos tivessem no seu crescimento, esse estímulo.

Que peça lhe falta dirigir?

Eu acho que há muitas peças que fazem parte desse imaginário, daquilo que eu gostaria.

Não tenho assim uma peça especificamente. Enfim, talvez a Oitava Sinfonia de Mahler, a única sinfonia de Mahler que eu nunca dirigi. Ou talvez a minha ópera preferida que é o Tristão e Isolda. Talvez essas duas. Mas temo que se me perguntar amanhã, poderei dar outra resposta.

Como consegue conciliar a sua vida profissional com a pessoal, com quatro filhos? É preciso a sabedoria de uma maestrina?

Eu acho que é preciso um conjunto de coisas para que tudo corra bem. Em primeiro lugar, ter ao meu lado uma pessoa, o meu marido, que não só me estimula e apoia a minha profissão, mas que é me ajuda a organizar tudo isto. Em segundo lugar, conseguimos viajar em família uma boa parte do tempo que eu estou fora de Portugal, porque os nossos filhos ainda são pequenos.

E também na escola em que andam existe uma colaboração muito grande com os professores. Depois é ir vivendo o dia-a-dia, tentando programar as temporadas de forma a haver algum espaço entre as deslocações, sobretudo as deslocações que faço sozinha para poder também ter uma rotina com a minha família, que seja relevante.

Mas, é um trabalho de equipa e esse trabalho começa sobretudo, pela generosidade e pelo apoio que tenho familiar e em particular pelo meu marido.