Nogueira Leite: “Carlos Costa é um dos grandes conselheiros de Passos Coelho"
24-09-2015 - 12:41
 • José Pedro Frazão

Quem o diz é o antigo consultor do líder do PSD, que aconselhou Passos na campanha de 2011. O economista e antigo administrador da Caixa diz que o comentador Pedro Marques Lopes aconselhou o primeiro-ministro a privatizar a CGD. Em debate na Renascença com a jornalista Cristina Ferreira, faz um raio-X à banca, sintetizado aqui em 20 ideias.

António Nogueira Leite, gestor e professor da Universidade Nova, abordou os temas quentes do sector financeiro numa conversa de 30 minutos com uma das mais credenciadas jornalistas especializadas em banca, Cristina Ferreira.

O debate, moderado pelo jornalista José Pedro Frazão e emitido na Edição da Noite da Renascença, passou em revista as questões do momento na banca portuguesa. Aqui ficam 18 ideias fundamentais de Nogueira Leite e um par de opiniões da jornalista do “Público”.

1. Banca está ainda em reestruturação.

Nogueira Leite: "Há um enormíssimo trabalho pela frente. Os bancos portugueses estão melhor do que há uns anos. Mas não estão numa situação em que possamos considerar que o sistema já se reestruturou e capitalizou e que já pode dar um contributo fantástico para o desenvolvimento da economia portuguesa. Ainda estamos numa fase que vai ter mais etapas de reestruturação, para além do episódio Novo Banco".

2. Novo Banco, problema muito grave

NL: “ É uma situação muito complexa, um problema muito grave, que está a ser gerido por gente bastante profissional, muitos deles com provas dadas, mas num enquadramento altamente incerto. A minha experiência profissional de 30 anos tem colidido bastante com o que se tem passado”. Mas quer a primeira equipa que puseram a gerir o Novo Banco [dirigida por Vitor Bento], quer a actual equipa [de Stock da Cunha] não têm nada a ver com a que o anterior executivo indicou à Caixa para gerir o BPN.

3. “Modelo Horta Osório” em vez da “solução Carlos Costa”

NL: “Nunca o defendi publicamente porque achei que não o devia fazer, mas hoje em dia, com o processo bastante mais evoluído, acho que não crio ruído com isto. Era muito mais fácil uma solução parecida com a que era proposta pela equipa que inicialmente foi gerir o banco: injectar o dinheiro público que fosse necessário, limpar adequadamente o banco durante o tempo que fosse preciso. É evidente que não podia ser por uma equipa que "enrolasse" os assuntos", tinha que haver uma supervisão apertada desse trabalho com mandato para em três a quatro anos colocar o banco no mercado. É diferente da solução BPN porque esta passava por uma equipa em part-time nomeada por um banco mandato pelo Governo. Era uma solução não muito diferente do que fez António Horta Osório no Lloyds, em Inglaterra. O Estado assumiu e foi vendido à medida que foi sendo limpo, possibilitando ganhar a confiança dos consumidores”.

4. Como resolver a venda do Novo Banco

NL: “Das duas uma. Ou o regulador – e o sistema bancário através do Fundo Resolução – está disponível para assumir contingências que nunca mais acabam e não sabe qual a dimensão do impacto que só se saberá mais à frente quando toda a litigância estiver sanada; ou então tem que estar disponível para conceder um desconto grande relativo ao risco. Isto era sempre um modelo muito arriscado. Não há grandes alternativas. O modelo está estipulado, tem a bênção do Banco Central Europeu. É um modelo extraordinariamente arriscado, mesmo executado por pessoas competentes e experientes. Se é preciso injectar mais capital? Ninguém sabe. Depende do que estes testes de stress [a realizar em Novembro] disserem.”

5. Chineses também fazem contas

NL: “Antes da crise chinesa, imaginou-se que havia compradores menos racionais, com tanta vontade de penetrar nos mercados e com interesse estratégico tão grande que podiam não fazer as contas todas. O que aconteceu foi um ‘reality shock’ [choque de realidade] com a crise na China. E os investidores chineses passaram a fazer as mesmas contas que fazem os ocidentais.”

6. A ingenuidade do Banco de Portugal

NL: “O BES era um banco ‘especioso’. Não sei como é que o regulador estava sempre tão confortável a regular aquele banco, porque era difícil de perceber. Excesso de confiança de Carlos Costa? Não sei. Às vezes custa-me a entender como é que pessoas com tanta experiência possam expressar graus de ingenuidade tão grandes. Mas acho que as pessoas não mentem, elas estavam absolutamente convencidas de que havia um ‘ringfencing’ [protecção] do ‘banco bom’ em relação ao resto. A realidade veio mostrar-nos dúvidas em relação a isto. Processos destes, mesmo que o ‘ringfencing’ fosse bem feito, têm sempre um potencial brutal de litigância”.

7. Carlos Costa quis os louros (ou as críticas)

NL: “Apanhou-se aqui alguém que estava disponível para receber os louros ou as críticas do processo em que o Governo decidiu não se envolver.”

8. Governo não escapa aos riscos

NL: “É muito difícil qualquer governo passar ao lado de um problemas destes. Estamos a falar de 20% do sistema financeiro. Se acontecerem muitas coisas supervenientes que neste momento ninguém está a contar, temos neste momento um problema de risco acrescido que espero sinceramente que não aconteça. Acho que o Banco de Portugal está hoje em dia muito mais atento que no passado. Tenho a presunção de que isso é verdade. Há aqui algo que dificilmente os governos conseguem passar ao lado. Apesar do discurso, postura e disponibilidade do BP para assumir o grosso da responsabilidade, o Governo tem sido permanentemente salpicado pelos efeitos do que está a acontecer com o Novo Banco.”

9. Gaspar e a Caixa

NL: “Este Governo, sobretudo com o anterior ministro, teve tentações de interferir pontualmente mas com veemência e acutilância na Caixa Geral de Depósitos.”

10. O Governo, a Caixa e o BES

NL: “O único aspecto em que eu acho que este Governo esteve bem, em que nenhum Governo anterior teria estado tão bem, foi quando não ordenou à Caixa Geral de Depósitos que salvasse o Grupo Espírito Santo. Tenho muitas dúvidas que algum governo anterior tivesse resistido à persuasão da família Espírito Santo e não o tivesse feito.”

11. Um Novo Banco em mãos portuguesas?

NL: “Teria sido importante tentar induzir os bancos portugueses neste processo. Mas o BPI e o Santander não são bancos portugueses. O BPI, sem estatutos blindados, seria um banco catalão embora com gestão portuguesa reconhecida. O Santander é uma sucursal de um banco espanhol. Para as empresas não é indiferente os bancos serem ou não portugueses. Quando as coisas correram mal em 2011, os bancos portugueses tiveram que acorrer com as empresas que ficaram descalças com a saída de bancos estrangeiros.”

12. Quem convenceu Passos a privatizar CGD

NL: “É interessante lembrar que foi Pedro Marques Lopes que convenceu Pedro Passos Coelho a fazer uma das suas primeiras proclamações políticas nesta sua emergência pós-jota, a de que era muito importante privatizar a Caixa Geral de Depósitos. Foi logo a minha primeira derrota, porque acho que num sistema onde não há capital como o sistema capitalista português, é importante que haja bancos portugueses, geridos com rigor e que supervisionados pelo supervisor mais exigente e passar os testes. Neste momento o único banco 100% português é a Caixa, enquanto não for privatizada.”

13. Carlos Costa, conselheiro de Passos Coelho

NL: “Estou à vontade porque não estou na Caixa há três anos. O doutor Passos Coelho tem como grandes conselheiros nesta área – agora que António Borges, infelizmente, já não está entre nós – o doutor Manuel Rodrigues e o doutor Carlos Costa.”

14. Passos esquece o passado da Caixa

NL: “Passos Coelho devia saber pelos relatórios e contas da Caixa e pelos jornais que esta administração que eventualmente o desconforta já registou nas suas contas mais de 5 mil milhões de imparidades ou perdas de crédito de operações feitas anteriormente. E nunca vimos José de Matos [presidente executivo] ou a sua equipa a atirar culpas para o passado. Com um legado desses, numa economia em que as empresas não têm capital e o Governo não pôs ainda o Banco de Fomento a trabalhar, é muito difícil que a Caixa possa apresentar resultados muito diferentes do que tem apresentado.”

15. Quando Vitor Gaspar travou a administração da Caixa em 2012

NL: “Num episódio lamentável da minha vida, em Maio de 2012, eu e o meu presidente José de Matos demos uma entrevista em que explicámos tínhamos 1.500 milhões, incluindo um novo programa de 500 milhões para meter dinheiro em profissionais que injectariam dinheiro nas empresas. O que me foi dito por um adjunto do senhor ministro era que não era boa ideia porque vinha aí o Banco de Fomento. Ora já lá vão três anos e uns meses.”

16. Como a Caixa pode ser o Banco de Fomento

NL: “Para a Caixa é fazer uma coisa que é normal. Em vez da Caixa fazer o que fazia no passado, que era ‘torrar dinheiro’ em operações políticas usando os seus veículos de capital de risco, o que fazia era pegar em montantes semelhantes e punha-os nas mãos de profissionais que os distribuía por quem os merecia, com critérios rigorosos e sem pressão política. A Caixa pode continuar a fazer isso. Não sei para que é preciso um Banco de Fomento, nunca percebi. Mas também ninguém me explicou em detalhe.”

17. Banco de Portugal inventou o Banco de Fomento

NL: “O Banco de Portugal, e toda a gente acha bem no sector, muitas vezes assume demasiados papéis. O Banco de Fomento é uma proposta que teve origem intelectual em pessoas que passaram pelo Banco de Portugal. O BP é simultaneamente regulador e vencedor, é policia e actor.”

18. Os riscos do processo Novo Banco

Cristina Ferreira: “O Banco de Portugal não sabe fazer um negócio. É inacreditável que seja o BP a fazer o negócio. Se não houver novas necessidades de injecção de capital no Novo Banco, a situação poderá ficar mais ou menos controlada, dado que se prevê que os bancos diluam os prejuízos nos próximos 30 anos. O problema é se for necessário uma nova recapitalização do Novo Banco e o Fundo de Resolução for chamado a injectar mais dinheiro. Aí a situação pode ser de facto de grande risco sistémico para a banca portuguesa.”

19. O alibi do Governo

CF: “A partir de uma certa altura há uma pressão do Governo para que o dossiê Novo Banco se resolva rapidamente, para não se repetirem os erros do dossiê BPN, que demoraram três anos e tal a serem resolvidos. E mais uma vez o governador deixou-se capturar pela agenda do Governo. É evidente que o Governo achou óptimo. Se o governador lhe diz que vai resolver a situação, que está tudo controlado, o Governo tem ali um alibi óptimo para poder dizer que não teve nada a ver com o assunto. Carlos Costa aceitou o alibi.”

20. Banco vendido com banca de fora

CF: “Imprevidente, o Banco de Portugal tentou vender o banco com base em pressupostos pouco prudentes. Nestes processos os maiores interessados em valorizar mais o activo são os próprios bancos do sistema. Sobretudo os que estão em Portugal. Admito que o BP não queria entregar-lhes o Novo Banco, mas se os tivesse colocado numa ‘shortlist’ fariam pressão para a venda e a subida do preço. É estranho que não tenha aparecido nenhum banco europeu que queira ter comprado o Novo Banco.”