Ana, a "globetrotter" de Gouveia que é craque no Chelsea
30-01-2016 - 09:27
 • Liliana Carona

A história de uma mulher que saiu da Serra da Estrela para conquistar o mundo – com uma bola no pé.

Quando Ana chega ao Estádio Municipal de Gouveia chove ininterruptamente e o nevoeiro cerrado mal permite ver o campo relvado. A futebolista internacional portuguesa vem equipada com a t-shirt do clube onde no presente se entrega de corpo e alma: o Chelsea.

Quando era adolescente diziam-lhe que tinha pé de bailarina e não de jogadora, mas a vontade de cumprir o sonho era tanta que até cortava o cabelo curto para parecer um rapaz e poder jogar à bola. Agora, aos 25 anos, é jogadora de um clube londrino referência do futebol mundial.

Ana Borges, jogadora da equipa feminina dos “Blues”, é o orgulho da terra que a viu crescer: Gouveia.

A também jogadora da Selecção Nacional recebe propostas de algumas das melhores equipas de futebol do mundo, mas afirma que ainda há muitas desigualdades no campeonato feminino e masculino. Os salários são a principal reivindicação.

Quando se lhe pergunta se tem frio, ri-se e diz estar habituada: “Em Inglaterra é muito pior, treino quase sempre debaixo de chuva e com frio, estou muito habituada. Lá nunca vejo o sol. Uma pessoa serrana nunca tem frio”, garante.

Tem orgulho nas suas raízes: “Digo sempre que sou de Vinhó, depois de Gouveia, e a seguir de Portugal.” Ana Catarina Marques Borges tem quatro irmãos, dois rapazes e duas raparigas. É actualmente o número 16 da equipa do Chelsea Ladies Football Club.

“Acho que desde pequenina sempre gostei de futebol, nunca me imaginei a fazer outra coisa. Sempre joguei com os rapazes no ringue de Vinhó, sempre que ouvia o toque de saída na escola, ia logo jogar. Sempre participei no inter-turmas, sempre tive a bola ao pé de mim, mas não sabia que havia campeonato feminino”, relembra.

O futebol feminino “não existia”

A vontade de jogar futebol era tanta que dizia “que queria ser rapaz” – tinha até o cabelo curto “para poder jogar num campeonato como eles”. “Julgava que o futebol feminino não existia”, sorri.

“Hoje em dia a situação das mulheres no futebol, embora haja muito a fazer, evoluiu muito. Até há até chuteiras cor-de-rosa para mulheres, quando antes até sentia dificuldade de encontrar chuteiras para o meu número, o 36”, lamenta.

O argumento era sempre o mesmo: “Diziam-me que tinha o pé de bailarina e não de jogadora”. “Há muitas jogadoras muito bonitas, muito femininas. Sentem-se bem com isso. Não interessa o que os outros pensam: eu comecei a querer ser uma menina feminina, vou às compras, ponho maquilhagem.”

O campeonato de futebol feminino já existia na altura em que Ana era ainda uma menina de 13 anos. “Soube através da Sílvia, que joga na Fundação Laura dos Santos, e que me convidou. Ainda disse que não, porque não achava que o campeonato feminino fosse competitivo. Preferia jogar na escola com os rapazes, mas depois um vizinho meu levou-me a um treino da Fundação e sei que nunca mais quis sair de lá”, recorda com emoção.

Ana já observa muitas mudanças positivas: “As coisas mudaram, quando fui à selecção de sub- 19, a maioria jogava na distrital. Agora, já joga no campeonato nacional”. “Devo muito à fundação. Se não me tivesse dado essa oportunidade nunca teria ido para fora, nem jogado na selecção”, realça.

Espanha, EUA, Inglaterra

Depois de estar na Fundação Laura dos Santos, dos 13 aos 16 anos, na primeira paragem durou cinco anos. O destino foi Saragoça em Espanha. Pelo meio, teve uma passagem de Verão pelos Estados Unidos da América, onde representou o Santa Clarita Blue Heat.

Seguiu-se o Atlético de Madrid, antes da última mudança para o Chelsea. “Era Verão, estava na piscina em Vinhó e recebi uma mensagem a dizer que havia um clube de Espanha interessado. Achei que era uma oportunidade única, deixei tudo, arrisquei, larguei a minha família, e fui ver o que dava. Se não desse em nada, poderia voltar aqui sempre”, conta.

“Nunca quis dar passos muito grandes no Saragoça. Tive oportunidade de ir para o Barcelona, mas achei que muito arriscado. Passado cinco anos, dei um passo mais à frente e aceitei o Atlético de Madrid”, conta.

Com a camisola das “colchoneras”, “já havia ambição”. “Era uma luta por um título, e uma taça. Foi uma equipa que me acolheu bem”, diz.

Mas já eram muitos anos em Espanha – era o momento de mudar. “Entretanto, surgiu o Liverpool, que já tinha ganho tudo, já tinha jogado a Liga dos Campeões. Não queria dar um passo assim tão grande, e na mesma semana, surgiu o Chelsea pelo caminho. Optei pelo Chelsea, uma equipa que estava a crescer e foi o que me incentivou a dizer ‘não’ ao Liverpool e ‘sim’ ao Chelsea. Fui para o Chelsea com 23 anos”, conta à Renascença.

“Gosto bastante de estar no Chelsea”

A velocidade de Ana Borges deu nas vistas em todos os campos por onde passou. “Já marquei golos no Chelsea, inclusivamente no primeiro jogo, logo, o golo da vitória”, frisa.

Ana é capaz de jogar no ataque e à defesa. No Chelsea joga mais a “lateral-direito” e, em 2015, já venceu a Taça de Inglaterra e o campeonato.

“Tinha 16 anos quando saí daqui de Gouveia, era uma menina, cresci muito rápido, tornei-me uma mulher muito rapidamente. O conhecer pessoas, muitos países, muita gente, as viagens, as culturas, é muito gratificante e fez-me crescer”, observa.

Ana já tem muitas fãs, mas também tem um ídolo. Colectivo. “As minhas jogadoras preferidas são as portuguesas, é de louvar o trabalho que fazem, porque a maioria não ganha nada. Nem um almoço, nem um lanche. É simplesmente o amor que elas têm por isto.”