Reitor da Universidade de Coimbra despede professor russo pró-Putin
10-05-2023 - 13:34
 • João Carlos Malta

Acusações de ativistas ucranianos levaram Amílcar Falcão a despedir Vladimir Pliassov, que liderava o Centro de Estudos Russos.

O reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, anunciou à Renascença que depois de conhecer os factos que levaram às queixas dos ativistas ucranianos, não teve outra alternativa senão despedir o responsável pelo Centro de Estudos Russos, Vladimir Pliassov, acusado de desenvolver naquela universidade propaganda pró-Putin e a favor da invasão da Ucrânia.

“A gravidade da situação obriga-me a fazê-lo [despedimento]. A contratação, ou melhor, a existência de um contrato com a Universidade de Coimbra não foi feita com o meu conhecimento. Assim que tomei conta do que se estava a passar dei indicações para a rescisão do contrato e, portanto, o contrato a esta hora deve já estar rescindido”, afirmou à Renascença Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra (UC).

“O que posso dizer é que o senhor já não tem nenhuma ligação à Universidade de Coimbra”, acrescenta o reitor da UC. "Configura obviamente uma situação que eu considero muito grave dentro da universidade", reforça Amílcar Falcão.

O caso nasceu após um artigo de opinião piblicado no Observador e no Jornal Proença, assinado por dois ativistas ucranianos com ligações àquela universidade. Olga Filipova e Viacheslav Medviedev acusam a Universidade de Coimbra de ser "um espaço para transmitir a propaganda imperial russa e a cultura que criou a Rússia moderna."

E imputavam a Vladimir Ivanovitch Pliassov − que afirmam ser o principal representante da Fundação Russkiy Mir (instituição que promove a cultura e língua russa pelo mundo) em Portugal − a responsabilidade de promover denominações geográficas da Ucrânia de acordo com a visão russa, e ainda de distribuir entre os alunos a “fita de São Jorge” – uma fita de três riscas pretas e duas riscas cor-de-laranja.

Trata-se de um símbolo proibido na Ucrânia, Letónia, Lituânia, Moldávia, Geórgia, assim como em alguns estados alemães. Desde 2014, tem sido símbolo oficial da “luta russa contra o fascismo”, incluindo a “guerra contra os fascistas ucranianos” e utilizado por manifestantes pró-russos, terroristas pró-russos e tropas russas nos territórios ocupados da Ucrânia.

Até 2022, e durante 10 anos, o Centro de Estudos Russos da UC recebeu fundos do Kremlin através da Fundação Russkiy Mir. Uma situação que terminou o ano passado, segundo o reitor Amílcar Falcão, com o início da guerra na Ucrânia e por ordem direta dele.

O reitor é taxativo a definir o que se passou no Centro de Estudos Russos como algo “que não poderia ter acontecido”.

“Já há um ano e tal que deixámos de ter apoio da entidade russa que apoiava o Centro. Recebia um valor do Estado russo, mas desde 2021 que nada recebemos. Foi uma ordem direta minha e a própria reitoria se substitui à Rússia no apoio ao centro”.

Para o reitor seria claro que, pelo menos, a partir dali não haveria “qualquer tipo de transmissão ideológica fosse de que espécie fosse”. “Isso está agora colocado em causa”, considera.

O reitor repetiu à Renascença de que não tinha conhecimento da existência de um contrato com Vladimir Pliassov e afirma que o mesmo “não deveria existir”.

Agora, segundo Amílcar Falcão, vão-se seguir investigações internas para perceber o motivou esta situação “que não se devia ter passado, porque dei ordens internas para que isso não acontecesse”.

Em relação aos símbolos pró-russos que estavam expostos nos corredores e salas do Centro de Estudos Russos, o reitor da UC afirma perentoriamente que os mesmos serão retirados.

Não temos nenhuma ideologia dentro da Universidade de Coimbra. Nós temos tido muitas atividades de apoio à Ucrânia e que são públicas. Isto é uma anomalia que naturalmente vai ter de ser investigada internamente, porque uma coisa destas não podia acontecer” reiterou.

A presença de Vladimir Pliassov na Universidade de Coimbra é explicada por Amílcar Falcão por este estar ligado “através de um contrato antigo” que remonta a muito antes da guerra começar.

“E como ele fazia 70 anos e ia para a reforma, seria afastado. Foi isto que foi dito. Foi isto que foi combinado. Infelizmente a Faculdade de Letras entendeu contratá-lo, a título gracioso, que é uma figura que se pode fazer, mas que nunca devia ter acontecido”, afiança.

“Para mim foi uma surpresa, uma supressa muito desagradável. É algo que não é aceitável”, qualifica.

Apesar de os ativistas garantirem que antes de denunciarem o caso em artigo de opinião, o terem feito à Universidade de Coimbra como reafirma à Renascença Olga Filipova, o reitor Amílcar Falcão diz não ter tido conhecimento.

Sou muito tolerante na vida, mas muito intolerante com estas coisas e, portanto, isto é o género de coisa que se tivesse vindo para a reitoria até que fosse de forma anónima, eu teria aberto imediatamente um processo de inquérito e teria averiguado se era ou não era assunto”, garante.

Por fim, deixa uma palavra para os ucranianos. “Podem estar descansados, não vai haver mais nada que dê qualquer tipo de apoio ao regime russo”.

Olga Filipova diz que “chorou ao saber da notícia” do despedimento de Pliassov. “Isto apesar de ser normal quando alguém faz algo errado”, considera.

“A guerra não acontece só porque uma pessoa decidiu fazê-la. A máquina de guerra é sustentada por mecanismos destes em todo o mundo. Estes sistemas propagandísticos económicos e políticos são pequenos microfones de Putin que tentam justificar a guerra”, defende à Renascença.

Hoje conseguimos desligar um microfone”, acredita.

Antes de ser conhecida a saída do responsável do CER, Olga Filipova, ex-aluna da Universidade de Coimbra, explicou que decidiu juntamente Viacheslav Medviedev escrever o artigo para denunciar esta situação porque “estamos a viver em guerra e não nos parece correto promovê-la numa Universidade tão respeitosa e importante em Portugal”. “Uma universidade que apoia a democracia e os valores europeus não pode contribuir para narrativa de guerra”, acrescenta.

Viacheslav, que atualmente estuda português na UC, diz que a guerra tornou este caso pessoal, o que o levou a investigar as atividades do Centro que afirma fazer a promoção de uma visão nacionalista russa há mais de 10 anos. “Quis partilhar o que descobri”, conta.

Há sinais de propaganda russa na Universidade de Coimbra. Uma delas é a escolha de autores russos, que são propagandistas e imperialistas, e que são recomendados para leitura. Para mim, isso não está correto”, defende.

Os autores a que Medviedev se refere são Eduard Limonov, descrito um apoiante ativo da expansão das fronteiras geográficas do Império Russo.

Limonov criticou Putin pela política externa demasiado branda no último livro publicado, em 2015, “Kiev. Kaput”. No livro, segundo os dois ativistas, Limonov suporta a anexação da Crimeia pela Rússia, e dizia esperar uma grande guerra e a conquista de novos territórios da Ucrânia pela Rússia.

O outro escritor é Zakhar Prilepin que é qualificado como um propagandista russo e está incluído na lista de sanções da UE a 28/02/2022. “É, portanto, responsável por apoiar ou executar ativamente ações ou políticas que comprometem ou ameaçam a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia, bem como a estabilidade e a segurança na Ucrânia”, lê-se naquele documento.

Está sob sanções no Reino Unido, Canadá, Suíça, Austrália, Ucrânia e Nova Zelândia.

Olga acusa Vladimir Pliassov de através das aulas que dava na UC induzir os estudantes a acreditar que “a guerra na Ucrânia era a coisa certa a fazer”.

“A discussão não era feita de forma a polarizar informações. Trata-se de um ex-agente do KGB que foi trazido para a Universidade de Coimbra para difundir propaganda pró-russa”, diz a especialista em software informático, líder de uma empresa deste setor a Workademy.

“Ele ensina as narrativas pró-russas. Diz que a Ucrânia é um país não existente e o ucraniano é um dialeto russo. Ele acredita que a Ucrânia não devia existir”, reitera.

Olga diz que a propaganda russa é “simples e complexa ao mesmo tempo”. É simples porque garante não elaboram muito sobre os factos, “mentem apenas”. Mas é complexo porque o fazem “através de um ambiente que parece ser educativo”. “As pessoas pensam que vão aprender a falar russo, mas são vítimas da propaganda”.

Apesar de há mais de um ano ter terminada a colaboração entre a UC e a Russiky Mir, Olga diz que os símbolos daquela organização eram até há pouco tempo visíveis no Centro de Estudos Russos.