A falta que nos faz uma padeira de Aljubarrota nas Finanças
12-03-2021 - 20:55

Dos sete mil milhões que o Governo diz injetar na economia sobram cerca de 1,2 mil de apoios a fundo perdido que, suspeito, virão mais da Europa que de programas nacionais. Parece muito pouco para iniciar a recuperação, mas tomara que corra bem.

Quando o secretário de Estado das Finanças disse que o impacto orçamental das medidas fiscais anunciadas era nulo, disse tudo: não haverá nenhuma ajuda fiscal às empresas. Nenhuma mesmo.

Apenas, mais empresas com acesso a adiamentos nos prazos de pagamento, renovação automática de programas de pagamento de obrigação fiscais a prestações, já em curso (com meros 3% de incumprimento) e novos períodos de carência. Até os pagamentos por conta (não se sabe bem de quê…) só serão adiados.

Ou seja, dos sete mil milhões que o Governo diz injetar na economia sobram cerca de 1,2 mil de apoios a fundo perdido que, suspeito, virão mais da Europa que de programas nacionais. Parece muito pouco para iniciar a recuperação, mas tomara que corra bem.

Percebo a falta de entusiasmo do Presidente da República com o plano de desconfinamento, sobretudo quando se sabe o risco e voluntarismo associado. No quadro mágico da avaliação que nos fará saltitar de nível em nível se se cumprirem, ou não, as metas anunciadas pelo executivo, a Região de Lisboa e Vale do Tejo não cumpre um dos objetivos essenciais, situando-se já fora do eixo mesmo antes da contagem se iniciar.

Mesmo assim, a abertura das escolas far-se-á, em todo o país, e a retoma de atividades também.

Segunda-feira estarão nas ruas, nos transportes públicos, etc… grosso modo mais dois milhões de portugueses.

As 650 mil criancinhas do pré-escolar e primeiro ciclo e seus acompanhantes, professores e auxiliares ligados às escolas e às restantes atividades que abrirão portas ou janelas como o comércio de bairro de bens não essenciais para “vendas ao postigo”. Tudo isto já e antes mesmo da Páscoa.

O risco é calculado. Mas não está tudo garantido, e qualquer recuo, ou pior ainda, tudo o que não se transforme num “não” avanço do já anunciado pode minar a credibilidade dos futuros passos em frente. É sempre assim. Colocar interesses, por mais convergentes que sejam do ponto de vista do interesse nacional, em conjugação estratégica não é fácil.

O Presidente queria passar a Páscoa descansado, com o país devidamente confinado para evitar azares. Costa queria o oposto, quanto mais desconfinado melhor. Os pais e mães em teletrabalho (à beira de um ataque de nervos!) exigiam, no mínimo, creches e escolinhas abertas. Os “sem pão” exigiam voltar ao trabalho. Havia critérios incompreensíveis e o cansaço ameaçava fugir ao controle e minar a autoridade.

Os professores do primeiro ciclo, a braços com um esforço desmedido para ensinar e um insucesso escolar previsto de dimensão nunca visto reclamavam voltar a trabalhar olhos nos olhos com os seus alunos. Uma semana não é indiferente sobretudo para os meninos perdidos sem ninguém a olhar para eles presos dias a fios às magras consolas de jogos.

Os livreiros perguntavam (e bem!) “porque raio” comprar um livro era mais perigoso do que comprar um berbequim. Os cabeleireiros e congéneres estavam cada vez mais perto de engrossar as filas do banco alimentar.

Os educadores de infância argumentavam que o atraso na socialização das crianças até aos dois anos começa já a ser irreparável e quanto mais velhas mais difícil de motivar para o regresso à escola. A falta de saúde mental começa a afetar tudo e todos.

O choque com a realidade pode, todavia, ser fatal. Mesmo que nas escolas tudo corra bem, quem garante que as novas variantes à solta em transportes públicos, que embora não circulem numa primeira fase à pinha já rolarão por toda a cidade, não farão piorar em pouco tempo o “RT” de Lisboa?

E se sim, quem vai descalçar esse “berbicacho” que Marcelo gostaria de evitar a todo o transe, não lhe juntando os riscos de uma Páscoa intercalar com tudo o que ela pode trazer de repetição em versão “light” dos erros do Natal?

Quem vai ter coragem de, aproximando-se o bom tempo e caso os planos de vacinação não acelerem fortemente e os de rastreio não se tornem eficazes e generalizados, travar a fundo a cada nova avaliação. Imaginemos os casamentos marcados para maio, sabendo que sujeitos a 25 por cento da lotação dos recintos de festejo, afinal só se poderem realizar “sem festa”?

Mas, bem pior do que isso, será a restauração que já leva meio ano de encerramento e, a cada anúncio, pensa que só falta um ou dois meses para acabar o suplício, meter travão às quatro rodas e ver a Páscoa passada e o Verão em causa.

Os especialistas preferiam um plano sem datas e apenas fases, porque sabem que há demasiadas incógnitas e não vai ser possível repetir a sobrecarga do serviço nacional de saúde, ou seja, além do quadro a cores de fácil compreensão, terá ainda de se ir espreitando para o que acontece para os internados em cuidados intensivos (um indicador indireto e invisível, mas que ninguém quererá deixar aumentar face ao valor atual).

Mas queriam também um critério concelhio e não nacional.

António Costa que tanto se escudou nos pareceres deles decidiu como quis. Mesmo os 120 casos por 100 mil habitantes correspondem ao dobro da linha vermelha proposta por alguns especialistas.

Entre as 50 medidas dedicadas ao combate à Covid desde o ano passado e somando as mais de 60 já anunciadas estavam estimados mais de oito mil milhões de euros.

Somam-se agora com as dezenas de novas medidas anunciadas em várias frentes, os tais “sete mil milhões virtuais “que, bem espremidos, resultarão em menos de dois mil milhões. Com o desemprego literalmente preso por arames, pode ser pouco. Muito pouco.

E o pior é que se a torneira se devia abrir com mais generosidade, em termos de fundos, talvez o desconfinamento se devesse fazer ainda com menos gotas e maior prudência … Em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.

O pão é cada vez menos, mas não sei porquê, acho que talvez a nossa política orçamental esteja à espera de uma padeira de Aljubarrota para nos fazer ganhar a guerra contra a Covid, mantendo um mínimo de saúde no nosso tecido produtivo.

Não sei se repararam, mas os parceiros sociais dividem-se entre os que acham tudo isto “escandalosamente pouco” e os que só acham tudo bem, mas “poucochinho”.