António Barreto. "Bloco de Esquerda tem muitos tiques muito autoritários"
08-05-2019 - 12:28
 • Graça Franco com Renascença

No ciclo de entrevistas da Renascença sobre a Europa, o sociólogo António Barreto deixa também críticas à conceção do Parlamento Europeu e olha para o momento político de Portugal, falando de "fiasco" no plano económico, de "arrogância" do Bloco de Esquerda e de um quase risco de extinção que corre o PSD.

O sociólogo António Barreto confessa ter ficado surpreendido com crise política que surgiu nos últimos dias, motivada pela polémica da contagem de tempo de serviço dos professores.

"Há dois meses, estava convencido de que isto não ia acontecer, este diferendo pré-eleitoral entre os três partidos de esquerda. Afinal de contas, vai até ao fim da legislatura, mas a coisa ficou muito periclitante", diz António Barreto.

Na análise do sociólogo, que foi ministro do Comércio e também da Agricultura no primeiro governo de Mários Soares, em 1976, PCP e Bloco de Esquera "perceberam que o PS podia dispensar a aliança, que os dispensava e os jogava fora, que atirava o caroço fora" e, por isso, todos fizeram "um esforço de se distinguir dos aliados".

"Este episódio aconteceu, todo ele, pelas más razões. Foram todos os partidos a prepararem-se para a eleição", diz Barreto, notando que "no caso dos dois partidos da direita, há um suplemento, que é o facto de que não leram aquilo que estavam a votar".

O "moralismo" do Bloco e o possível "fim" do PSD

No panorama político-partidário, António Barreto deteta no Bloco de Esquerda "muitos tiques muito autoritários de expressão pública de pensamento, de intolerância".

"Estão a dividir o mundo entre pessoas sérias, responsáveis e com moral, que são eles, e os outros, que não são sérios, nem responsáveis, nem têm moral. Há-de reparar que cada vez que um dirigente do Bloco de Esquerda vem à televisão ou aos jornais, ou até no Parlamento, o seu argumento é sempre, sempre, sempre a falta de seriedade nos outros. Falta de verdade nos outros. Falta de responsabilidade dos outros. Isto já não são argumentos políticos, são argumentos morais de déspotas, de intolerantes", critica.

Em relação ao PSD, Barreto, que depois de deixar o PS fundou o grupo dos Reformadores, colaborando com a AD de Sá Carneiro, deteta "incompetência".

"Tenho admiração pelo Passos Coelho, pessoalmente", assume António Barreto, destacando que o antigo primeiro-ministro "foi um homem bom, fez um enorme sacrifício, mas errou na política, errou no liberalismo ideológico", com a agravante de que "não teve quem o moderasse".

"Eu apoiei algumas das medidas importadas da austeridade. Eu estive ativo durante num período curtíssimo de 2 ou 3 meses, com o dr. Mário Soares e com mais duas ou três pessoas, para tentar pressionar no sentido do acordo internacional e no sentido, sobretudo, de nos vermos livres do Sócrates, que foi a peste negra que se abateu sobre nós", recorda.

Barreto entende que Rui Rio não está a conseguir estabilizar o PSD e teme que o parido fundado por Sá Carneiro definhe de modo inexorável: "Basta ver como cada vez que há uma pequena mudança eleitoral ou de votação no PSD, saem líderes e barões por todos os lados. Saltam das árvores, aparecem por tudo quanto é sítio. Isto é uma grande vivacidade do partido, dizem eles, com alguma razão, mas é uma vivacidade que pode ser mortal. Eu hoje não sei se teremos PSD por muitos mais anos."

Em relação ao Governo, nomeadamente no plano económico, Barreto fala em "fiasco", argumentando que as perspetivas não anunciam grande recuperação: "Vou ver a poupança, vou ver investimento, novas empresas e estamos muito mal. A dívida pública... A dívida pública por cabeça, a dívida pública dos privados, das empresas... Nestes aspetos todos - produtividade, concorrência, investimento... - isto não tem muito futuro. Daqui a um ano, dois, três ou quatro começa novamente e, ainda por cima, estamos na dependência do turismo, que é o ponto mais rico e o ponto mais frágil. É as duas coisas."

O "erro" do Parlamento Europeu

No quadro das eleições europeias do dia 26, António Barreto é crítico da concepção do órgão: "Foi um erro crasso de criar o Parlamento Europeu eleito desta maneira."

Para o sociólogo, seria mais adequado "ter lá os parlamentares nacionais", um grupo emanado da Assembleia da República.

"Seria um pequeno grupo que podia acumular as funções nacionais com as funções europeias, que era muitíssimo mais importante e muitíssimo mais interessante e muitíssimo mais democrático", esclarece.

"Suponha que em Portugal há uma deriva super-esquerdista ou direitista. Essa mudança não vai ter qualquer espécie de reflexo na Europa. Vai ser compensada por uma mudança na Lituânia, ao contrário, ou na Suécia, ou na Finlândia. O Parlamento Europeu está de tal maneira preparado para dissolver, digerir conflitos, mudanças políticas... Isto não é democracia, é um arranjo institucional. Eu aceito que seja um arranjo, mas confundir com verdadeira democracia, acho que é um erro."