Casos e casinhos
14-07-2021 - 06:30

António Costa disse que o país não pode distrair-se com "casos e casinhos", pois o que interessa é aplicar os fundos da “bazuca”. Mas o Governo suspendeu a nomeação de Vítor Fernandes para presidir ao Banco de Fomento. E permanece a falta de transparência governamental quanto a critérios (se é que existem) na aplicação dos dinheiros de Bruxelas.

Em plena “bomba” da detenção do presidente do Benfica, António Costa disse que o país não pode distrair-se com "casos e casinhos" quando tem pela frente a prioridade da recuperação económica.

O primeiro-ministro afirmou que Portugal deve estar mobilizado para aplicar os dinheiros da bazuca europeia.

Percebe-se que a António Costa convenha desvalorizar suspeitas em torno de Luís Filipe Vieira e outros. Pois se ele próprio figurou na comissão de honra da candidatura de Vieira a presidente do Benfica, comissão da qual foi retirado, juntamente com Medina, pelo próprio Vieira – para evitar problemas.

António Costa é perito em desviar-se de sarilhos. Foi ministro do Governo de Sócrates e não consta que tenha alguma vez criticado as loucuras financeiras do então primeiro-ministro.

O culpado, está claro, foi Passos Coelho, a quem coube colar os cacos provocados pela quase bancarrota de 2011, tendo ainda de lidar com um instável parceiro de coligação, Paulo Portas.

Depois, quando Sócrates foi detido, Costa defendeu-se com a ideia, tantas vezes repetida, de que “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política”. Atitude que lhe valeu o ódio feroz de Sócrates.

Agora o Governo de António Costa teve de olhar mesmo para alguns casos e casinhos. O nomeado presidente do Banco de Fomento (BF), Vítor Fernandes, foi referido na acusação a Luís Filipe Vieira pelo Ministério Público, que não o constituiu arguido. Logo surgiram apelos de vários lados do espectro político-partidário para o Governo não concretizar aquela nomeação.

Vítor Fernandes afirmou à agência Lusa: “tenho condições para ser presidente do Banco de Fomento”; e queixou-se de ser alvo de um “ataque de carácter”. Mas o Governo suspendeu a nomeação de Vítor Fernandes para presidir ao Banco de Fomento, de modo “a proteger este banco de qualquer controvérsia”.

É compreensível. Só que não sabemos quanto tempo irá durar esta fase de dúvidas e incertezas.

O ministro da Economia pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) mais informações sobre Vítor Fernandes e o processo “Cartão Vermelho” (o que levou Luís Filipe Vieira a ser constituído arguido).

Ora o Ministério Público foi solicitado pelo juiz de instrução Carlos Alexandre a aprofundar a investigação em causa, talvez receando novo fiasco - recordo que há três anos o Ministério Público acusou de crime o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes e na semana passada reconheceu o erro e pediu a absolvição de Azeredo Lopes.

Se a investigação do caso “Cartão Vermelho” é um processo em curso, podem passar anos até a PGR esclarecer o Governo e o país sobre as dúvidas que envolvem Vítor Fernandes.

Será mais uma falsa partida para o Banco de Fomento, que parece enguiçado. Verdade seja que, à partida, um gestor como Vítor Fernandes que, em 2008, acompanhou Santos Ferreira e Armando Vara na escandalosa transferência direta da Caixa Geral de Depósitos para o BCP e que mais tarde integrou a administração do Novo Banco, não parece infundir extraordinária confiança.

E ainda se terão de pronunciar o Banco de Portugal e a CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública), pois o presidente do Banco de Fomento F é um gestor público.

Voltando à recomendação do primeiro-ministro para não nos preocuparmos com “casos e casinhos”, devendo concentrarmo-nos na aplicação dos dinheiros da bazuca europeia - como será isto compatível com a falta de transparência do Governo nesta matéria vital?

Permanecem ocultos os critérios que conduzirão a dar dinheiro da “bazuca” a umas empresas e a não dar a outras, se é que tais critérios existem e são mais do que vagas generalidades.

Esta opacidade governamental inquina o processo de atribuição dos fundos europeus.