Papa evoca “fraternidade de sangue” em encontro com a Igreja Ortodoxa na Roménia
31-05-2019 - 15:43
 • Aura Miguel , Filipe d'Avillez

A Roménia já passou a Sexta-feira Santa da perseguição e a Páscoa da liberdade. Falta cumprir-se o Pentecostes da unidade, diz Francisco.

O Papa Francisco evocou esta sexta-feira a “fraternidade de sangue” que existe entre católicos e ortodoxos e recordou os laços entre crentes de diferentes confissões que foram forjados nos tempos da perseguição comunista.

Pegando na tradição de que terá sido o apóstolo André, irmão de sangue de São Pedro, a evangelizar a Roménia, o Papa disse que isso significa que “existe uma fraternidade do sangue que nos antecede e que ao longo dos séculos, como uma silenciosa corrente vivificante, nunca cessou de irrigar e sustentar o nosso caminho”.

As igrejas cristãs foram duramente perseguidas na Roménia durante o regime comunista, um facto que Francisco recordou como sendo propício à unidade. “Aqui experimentastes a Páscoa de morte e ressurreição: muitos filhos e filhas deste país, de várias Igrejas e comunidades cristãs, sofreram a sexta-feira da perseguição, atravessaram o sábado do silêncio, viveram o domingo do renascimento. Quantos mártires e confessores da fé!”

“Em tempos recentes, muitos de diferentes Confissões encontraram-se lado a lado nas prisões, sustentando-se mutuamente. O seu exemplo está hoje diante de nós e das novas gerações que não conheceram aquelas condições dramáticas. Aquilo por que sofreram, até dar a vida, é uma herança demasiado preciosa para ser esquecida ou aviltada”, disse o Papa, no encontro que teve com o Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa da Roménia, depois de ter tido um encontro pessoal com o Patriarca Daniel.

Francisco é o segundo Papa a visitar a Roménia. João Paulo fê-lo há vinte anos e, nessa altura, durante uma celebração ecuménica em Bucareste, os presentes, católicos e ortodoxos, irromperam espontaneamente em gritos pela unidade dos cristãos. O Papa recordou esse momento e convidou os irmãos ortodoxos a “caminhar juntos com a força da memória. Não a memória dos agravos sofridos e infligidos, dos juízos e preconceitos, que nos fecham num círculo vicioso e levam a atitudes estéreis, mas a memória das raízes”.

Assim, considera o Papa, será possível a católicos e ortodoxos chegar a uma nova fase que se segue naturalmente à Páscoa: um Pentecostes da unidade. “O nosso caminho partiu da certeza de ter ao lado o irmão que partilha a fé fundada na ressurreição do mesmo Senhor. Da Páscoa ao Pentecostes: tempo de nos recolhermos em oração sob a proteção da Santa Mãe de Deus, tempo de invocar o Espírito uns para os outros.”

“Que nos renove o Espírito Santo, que desdenha a uniformidade e gosta de plasmar a unidade na mais bela e harmoniosa diversidade. O seu fogo consuma as nossas desconfianças; o seu vento varra as reticências que nos impedem de testemunhar juntos a vida nova que nos dá. Que Ele, artífice de fraternidade, nos dê a graça de caminhar juntos. Ele, criador da novidade, nos faça corajosos em experimentar caminhos inéditos de partilha e missão. Que Ele, força dos mártires, nos ajude a não tornar infecundo o seu sacrifício”, disse o Papa.

O pão da memória

Depois deste encontro, as delegações encaminharam-se para a Nova Catedral de Bucareste, construída depois da queda do comunismo e para a qual o Papa João Paulo II fez uma generosa doação, onde rezaram juntos o Pai Nosso.

O Papa fez uma pequena reflexão sobre esta oração fundamental do Cristianismo. “A Vós, que estais nos céus – os céus que abraçam a todos e onde fazeis nascer o sol para os bons e os maus, para os justos e os injustos –, pedimos a concórdia que não soubemos guardar na terra. Pedimo-la pela intercessão de tantos irmãos e irmãs na fé que moram juntos no vosso céu, depois de ter acreditado, amado e sofrido muito – mesmo em nossos dias – pelo simples facto de serem cristãos”, disse Francisco, que também exortou os fiéis de ambas as religiões a recusar o “consumismo desenfreado”.

“Enquanto nos encontramos mergulhados num consumismo cada vez mais desenfreado, que cega com fulgores cintilantes mas efémeros, ajudai-nos, Pai, a crer naquilo que rezamos: renunciar às seguranças cómodas do poder, às seduções enganadoras da mundanidade, à vazia presunção de nos crermos autossuficientes, à hipocrisia de cuidar das aparências. Assim, não perderemos de vista aquele Reino a que Vós nos chamais.”

Por fim, Francisco pediu que o “pão de cada dia” seja também um “pão da memória, a graça de reforçar as raízes comuns da nossa identidade cristã, raízes indispensáveis num tempo em que a humanidade, particularmente as gerações jovens, correm o risco de se sentirem desenraizadas no meio de tantas situações líquidas, incapazes de fundamentar a existência.”

“O pão que pedimos, com a sua longa história que vai do grão semeado à espiga, da ceifa à mesa, inspire em nós o desejo de ser cultivadores de comunhão pacientes, que não se cansam de fazer germinar sementes de unidade, fermentar o bem, atuar sempre lado a lado com o irmão: sem suspeitas nem distanciamentos, sem forçar nem nivelar, na convivência das diferenças reconciliadas”, disse.

Francisco chegou esta sexta-feira à Roménia, onde permanece durante três dias. No domingo, depois de beatificar sete bispos católicos mortos pelo regime comunista, regressa a Roma.