Marcelo e os abusos sexuais. Isabel Moreira contraria Costa: "Todas as pessoas interpretaram como eu interpretei"
12-10-2022 - 18:07
 • Pedro Mesquita , com Pedro Valente Lima

Deputada do Partido Socialista lamenta as primeiras declarações do Presidente, que deveriam ter sido mais empáticas e dirigidas às vítimas. Ainda assim, valoriza a tentativa de correção e contextualização posterior de Marcelo, que considera clarificadora e "extremamente importante".

A deputada socialista Isabel Moreira contraria o primeiro-ministro António Costa que, esta quarta-feira, expressou "total solidariedade" com o Presidente da República, na sequência do que diz ter sido uma "interpretação inaceitável" das declarações de Marcelo sobre abusos sexuais na Igreja Católica.

António Costa sublinhou, inclusivamente, que "quem tem feito esta interpretação é que deve um pedido de desculpas ao Presidente da República". No entanto, Isabel Moreira discorda.

"O Presidente disse aquilo que disse. Portanto, todas as pessoas interpretaram como eu interpretei. E o Presidente veio agora dizer uma segunda coisa, que é extremamente importante e grave. Vem dizer que considera que o número de vítimas é muitíssimo superior àquele que foi apurado", disse à Renascença.

Num primeiro momento, Isabel Moreira diz ter ficado "muito chocada" com as declarações de Marcelo sobre as mais de 400 denúncias de abuso sexual na Igreja apuradas pela Comissão Independente que investiga as denúncias de alegados abusos sexuais na Igreja, embora considere que o Presidente já se terá retratado.

Para a deputada do Partido Socialista (PS), este é um "tema doloroso" sobre o qual o Presidente devia ter tido mais cuidado.

"Se há alguém, sobretudo um Presidente da República, que entende expressar-se sobre a matéria, parece-me ser de bom senso que a primeira palavra deve ser dirigida às vítimas", sublinha.

Neste tipo de incidentes, Isabel Moreira considera "não ser razoável" que a primeira reação de Marcelo tenha sido relativamente ao número de vítimas apuradas no processo, "quando se sabe que é evidente, fosse o número que fosse, que já seria inaceitável".

"Uma frase como «400 [vítimas] num universo de milhões não é um número assim tão elevado» é uma frase que magoa não só a sociedade como um todo, mas magoa diretamente as vítimas."

Deste modo, a deputada socialista sentiu que haveria a "necessidade de um pedido de desculpas imediato às vítimas" da parte do Presidente. "Não só àquelas que tiveram coragem de se chegar à frente, mas às muitas vítimas - que serão certamente muitas mais - que não conseguem falar sobre o assunto", reforça.

As reações de Isabel Moreira também não passaram despercebidas na rede social Twitter, na qual reitera a sua opinião.

Isabel Moreira soube pela Renascença da posição de António Costa, que considerou que as críticas ao Presidente da República configuram uma "interpretação inaceitável" das palavras do Chefe do Estado e diz não ter ouvido as declarações do primeiro-ministro.

"Estamos a falar das feridas mais profundas que podem atingir uma pessoa, sobretudo numa idade tão crucial para o desenvolvimento da sua personalidade. Tanto é assim, que o Presidente sentiu a necessidade de explicar melhor o que queria dizer."

Isabel Moreira salienta também que Marcelo não tem tido a melhor postura neste capítulo dos abusos na Igreja: "As pessoas sentiram-se magoadas, porque já há um histórico de intervenções menos felizes [do Presidente] neste dossiê."

Momentos após ter reagido aos números avançados pela comissão independente aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa viu-se obrigado a corrigir e a contextualizar as suas palavras, em declarações à RTP, nas quais nega ter desvalorizado a gravidade da situação.

Também na rede social Twitter, já depois de ter falado à Renascença, Isabel Moreira apontou o dedo à cumplicidade do Presidente com a Igreja, reiterando que a prioridade é proteger as vítimas.

Ainda assim, para Isabel Moreira, as declarações posteriores do Presidente foram "extremamente importantes" e permitiram "corrigir, de alguma maneira", a sua reação inicial.

"Porque o Presidente afirma que o que queria dizer era que, num universo certamente gigantesco, não são certamente estes 400 [casos] que são relevantes, porque haverá muitos mais."

No entanto, a deputada socialista não descura as palavras iniciais: "A primeira [declaração] deu azo a uma interpretação indignada das pessoas que eu acho absolutamente razoável". "Portanto, todas as pessoas interpretaram como eu interpretei", explica.