Quando foi que a monarquia portuguesa acabou? A 5 de outubro de 1910, quando os revolucionários a proclamaram extinta e substituída pela república. Mas esta é uma resposta incompleta. Em 1910 acabou, de facto, o regime monárquico, que nunca mais Portugal voltou a ter; mas não a causa monárquica, por ela se entendendo a ambição restauracionista, que por mais de uma vez se manifestou, e que culminou, há cem anos – esta crónica é motivada pela efeméride – na proclamação e curta vida da chamada “Monarquia do Norte”.
Janeiro e fevereiro de 1919 devem ter sido os meses mais confusos de toda a política republicana: as terríveis consequências socioeconómicas e mentais da Primeira Guerra Mundial ainda eram muito vivas, a pneumónica ainda ceifava milhares de vidas e o “Presidente-Rei”, Sidónio Pais, o caudilho messiânico, acabara de cair assassinado, criando um chorado vazio de poder e abrindo a porta a todos os pretendentes ao dia seguinte: os restos do sidonismo, o republicanismo de antes de 1918 redivivo… e os monárquicos, que durante meses tinham “flirtado” com o sidonismo, na esperança, vã, de que Sidónio (lhes) restaurasse o trono.
Henrique Paiva Couceiro já o tinha tentado, a partir da Galiza, através de duas “incursões monárquicas” em Portugal, em 1911 e 1912. Depois viera o “afonsismo” e o largo monopólio do republicanismo jacobino de Afonso Costa sobre o regime. Em reação, o anti afonsismo de Sidónio voltou a enchê-los de esperança, até perceberem que o antigo embaixador português em Berlim era um presidencialista, mais apostado em construir uma nova República do que em restaurar a velha monarquia.
A Sidónio sucedeu, em Belém, Canto e Castro e, na presidência do governo, Tamagnini Barbosa. Era um remendo de sidonismo, tentando navegar entre dois extremos: as juntas militares monárquicas, que espreitavam uma oportunidade, e os velhos republicanos, que espreitavam o regresso ao poder. A 10 de janeiro de 1919, houve pronunciamentos da esquerda republicana em Lisboa, na Covilhã e, o mais forte, em Santarém. Em reação, no dia 19 desse mês, o irrequieto Paiva Couceiro proclamou, no Porto, a restauração da Monarquia, um arremedo de um Portugal novo que, nos dias seguintes, se alargou à linha do Vouga. Em Lisboa, multidões de voluntários civis acorreram à chamada às armas contra os manejos da “reação”. E foi esse “bom povo” republicano que realizou a mítica “escalada de Monsanto”, para expulsar, lá do alto, as magras tropas que Aires de Ornelas, o lugar-tenente de D. Manuel II, ali juntou, em solidariedade e ligação com o pronunciamento nortenho, hasteando a bandeira azul e branca a 23 de janeiro. Os monárquicos de Lisboa baquearam no dia seguinte, 24. A 13 de fevereiro, o capitão Sarmento Pimentel derrotou a monarquia portuense, pondo fim aos 25 dias do que os críticos chamaram “o reino da Traulitânia”.
Em 1919, a causa monárquica era uma manta de retalhos e um enorme equívoco, dividida entre constitucionalistas e legitimistas, entre velhos monárquicos e ex-republicanos entretanto feitos monárquicos, por exemplo, pela porta do Integralismo Lusitano. Sobretudo, foi uma monarquia sem rei, porque o deposto D. Manuel II jamais aceitou o repto de regressar ao seu país. 1919 assinalou, por isso, o canto do cisne do monarquismo em Portugal. Quando D. Manuel morreu no exílio britânico, em 1932, Salazar logo avisou, sibilinamente, que desaparecera o “último” rei de Portugal.
Desde há (mais de) cem anos, os regimes políticos em Portugal mudaram – mas não a fórmula republicana, para nosso bem, ou para nosso mal, consoante as apreciações…