O ano em que a música morreu
30-12-2016 - 11:50
 • Ricardo Vieira , Carlos Calaveiras

O título deste artigo é mentira: a música não morre e até as mortes o provam (já explicaremos). Mas não haverá muitos anos assim. 2016 levou Bowie, Prince e Cohen.

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No dia de Natal (cruel data: cantámos e cantaremos "Last Christmas" tantas vezes), dia da morte de George Michael, o Facebook encheu-se de comentários que vociferavam contra 2016, ano maldito, ano bandido. Compreende-se: o ano, que começou sob o signo da morte de David Bowie, viu desaparecerem algumas estrelas de peso.

Em 1971, na cantiga "American Pie", Don McLean falava no "dia em que a música morreu". Referia-se a 3 de Fevereiro de 1959, quando Buddie Holly, Ritchie Valens e The Big Bopper morreram num acidente de avião.

Com as mortes de vultos como Bowie, Prince, Leonard Cohen e George Michael parecia que a canção de McLean podia ser actualizada em 2016. Mas a música não morreu: 2016 confirmou o poder (quase) universal da pop e do rock. Choque, tristeza e celebração das canções dos grandes que morreram convergiram nas redes sociais.

Dois dias antes de morrer, aos 69 anos, uma despedida em forma de álbum, o derradeiro gesto criativo de uma carreira cheia de revoluções. “Blackstar”, o 25.º e último álbum de estúdio de David Bowie, mostrou como o inglês foi sempre inovador até à mais ínfima partícula. Reinventou-se constantemente ao longo da vida.

Durante a carreira, iniciada ainda nos anos 60, deu milhares de concertos e passou vários anos em digressão. Foi Ziggy Stardust, Aladdin Sane, Thin White Duke e Bowie, um homem de muitas faces. Ditou tendências, desbravou caminho na cultura pop.

O mundo ainda estava a refazer-se do desaparecimento de Bowie, quando, poucos meses depois, chegou a notícia de que Prince fora encontrado sem vida na sua casa de Paisley Park, em Minneapolis.

Prince Roger Nelson era o protótipo do artista perfeito. O homem dos sete instrumentos, que cantava e dançava, criou filigrana musical e hinos refinados para as massas, como “Purple Rain”, "1999", "The Most Beautiful Girl in the World" ou "Little Red Corvette".

O rapaz de Minneapolis tinha uma ligação a Portugal. Era amigo da fadista Ana Moura e um dia visitou o estúdio de Rui Veloso, em Sintra.

Leonard Cohen, o poeta com voz de trovão, calou-se para sempre em 2016, poucos dias depois de oferecer ao mundo o álbum “You Want It Darker”.

No ano em que Bob Dylan ganhou o Nobel da Literatura, muitos defenderam que Cohen também merecia. Mas ele, com humildade, considerou que dar o prémio a Dylan era como "dar uma medalha ao monte Evereste por ser a montanha mais alta".

O canadiano escreveu muito muito – poesia, romances e, claro, canções. Viveu numa ilha grega com a sua musa, Marianne, e chegou à música um pouco tarde, aos 32 anos, mas ainda a tempo de se tornar num artista de culto.

No Dia de Natal e mais de 100 milhões de discos vendidos depois, morreu George Michael, o cantor de “Last Christmas” e de muitos outros sucessos pop. O fundador dos Wham! e estrela pop definidora dos anos 80 tinha 53 anos.

Sem ele a música das últimas décadas teria sido muito diferente. George Martin, o "quinto Beatle", morreu aos 90 anos. Ajudou os quatro de Liverpool a construir alguns dos temas mais emblemáticos. Muitos consideram-no o produtor musical mais bem sucedido de sempre.

O universo R&B e soul também chorou o desaparecimento de nomes grandes, como Natalie Cole, Sharon Jones e Maurice White, dos Earth, Wind & Fire.

Morreu em palco a fazer o que mais gostava. Papa Wemba era um dos artistas mais conhecidos de África e figura da "world music".

No rock, o ano ficou marcado pelos desaparecimentos de artistas como Glenn Frey, dos Eagles, Keith Emerson, dos Emerson Lake & Palmer, Paul Kantner, guitarrista e fundador dos Jefferson Airplane, Nick Menza, ex-baterista dos Megadeth, ou Rick Parfitt, guitarrista dos Status Quo.

2016 também Merle Haggard, lenda da country, e Alan Vega, que no duo Suicide fez punk antes do tempo, para além do tempo.