Um país, duas Igrejas
13-05-2020 - 06:15

Tamanha vassalagem à foice e ao martelo causa espanto. É um dos grandes mistérios da democracia portuguesa, sobre o qual alguém deveria um dia fazer uma tese, este de os portugueses terem de assistir à impunidade do PCP.

Parafraseando a máxima de George Orwell, na pandemia, como em geral na vida, há sempre uns que são mais iguais do que outros. E há definitivamente alguns que são mais responsáveis do que os outros. Hoje, dia 13 de maio, as tradicionais celebrações de Fátima mostrarão um santuário desoladoramente vazio. De todos os dias 13 do ciclo mariano das aparições, o mês de maio é o mais importante, o que confere à data uma centralidade muito especial no calendário dos católicos e da Igreja Católica, tanto em Portugal como globalmente. Nunca o Santuário esteve vazio num 13 de maio. O deste ano implica assim um enorme e muito respeitável sacrifício feito por larguíssimos milhares de crentes, obrigados a viverem na distância e no isolamento o mistério do sucedido na Cova da Iria há 103 anos. Acresce a isto a forma como a Conferência Episcopal, ciente do gregarismo das suas celebrações, adiou para o final deste mês o recomeço da celebração comunitária da missa, com as regras de proteção da saúde pública que se imporão.

No entretanto, uma outra “igreja” (atenção às aspas e à minúscula inicial), acha-se acima dessas mesmas regras, que a todos devem vincular, e celebra os seus “ritos” e “missas campais”, para fazer revivescer os seus “dogmas” e exibir aos “crentes” os seus “acólitos” e “sacerdotes”. Refiro-me à “igreja” das esquerdas e, particularmente, ao seu “Sanctum Sanctorum” que é o Partido Comunista Português. A rábula do 25 de abril na Assembleia da República já foi algo escorregadia, aproveitada à esquerda para vincar que Abril é desconfinamento para eles e confinamento para o restante país. Inacreditável foi a festa do 1.º de maio, na Alameda, um exclusivo da CGTP, ou seja, do poder potestativo e demonstrativo no espaço público do PCP. Marcelo e Costa anuíram, Marta Temido não soube como justificar a coisa na entrevista à SIC - e Jerónimo de Sousa e os camaradas sorriram contentes. Um decreto oblíquo achou justificável a exceção, flagrantemente ilegal à luz das regras do combate à Covid-19, de autocarros despejarem gente de fora de Lisboa em Lisboa, de essas pessoas confraternizarem e de depois montarem aquela coreografia, a que João Miguel Tavares chamou “um momento Leni Riefenstahl” e a que eu chamaria um momento Mocidade Portuguesa. O discurso da exceção sanitária não passou de cortina de fumo para o que foi um puro frete, um puro favor político do governo ao PCP, porque precisa dele para a calma sindical e umas quantas votações parlamentares. O resto é areia nos olhos. E em setembro, com pandemia ou sem ela, lá virá a Festa do Avante! Porque, ao contrário do Meo Sudoeste ou das praias algarvias, tem pouca gente que cumpre distâncias? Não: a festa acontecerá…porque é do PCP. Só isso (lhes) basta.

Tamanha vassalagem à foice e ao martelo causa espanto. É um dos grandes mistérios da democracia portuguesa, sobre o qual alguém deveria um dia fazer uma tese, este de os portugueses terem de assistir à impunidade do PCP - tanto ideológica, quando branqueia o seu passado e a simpatia que nutre, ainda e sempre, por totalitarismos criminosos, quanto fáctica, ao impor as suas regras de exceção a um país que nunca lhe deu mais do que 18,8% dos votos (o melhor resultado de sempre do PCP, em 1979), e que hoje vale, com o PEV, 6,3% (resultado de 2019). E enquanto a “igreja” leninista-cunhalista fura a lei, a responsabilidade e a igualdade, a Igreja Católica oferece o exemplo da responsabilidade, do acatamento e da abnegação. E não, Fátima não precisaria, para continuar perene, de um favorzinho arranjado à pressa. A Igreja dos crentes católicos é de outra estirpe. O contraste é óbvio e é, sobretudo, instrutivo.