Seis meses depois de ter sido eleita porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real leva pela segunda vez o partido às urnas. Com o combate às alterações climáticas nos programas de vários partidos, os ambientalistas querem distinguir-se com os protagonistas de uma “verdadeira revolução verde”, mas querem falar também do combate à corrupção ou aos paraísos fiscais. Determinado a rejeitar o rótulo da esquerda ou direita, o PAN está disponível para dialogar com o partido que precisar de maioria parlamentar (desde que não seja o Chega) e não esconde a ambição de integrar o executivo - mas não traça exigências.
O PAN elegeu quatro deputados há dois anos. Considera que há condições para reforçar, manter ou há o perigo de reduzir?
Estas eleições são particularmente desafiantes. Não pelo receio relativamente ao resultado eleitoral, mas pelo contexto que vivemos. Sabemos que a pandemia já marcou alguns atos eleitorais e isso não nos ajuda a combater um dos maiores inimigos da democracia, a abstenção. Mas partimos com confiança. Esperamos ganhar novas geografias. Em 2019 elegemos deputados pelo distrito de Lisboa, Porto e Setúbal.
Querem alargar representação a outros distritos...
Sentimos que é preciso mais vozes do PAN a representar distritos não apenas das grandes áreas metropolitanas, mas também do Interior e Litoral.
Para onde estão a apontar?
É sempre injusto dizermos alguns distritos porque todos vamos trabalhar para o melhor resultado. Em 2019 ficámos mais perto de obter esse resultado em Braga, Aveiro e Faro.
A eventual redução da bancada parlamentar pode colocar a sua liderança em risco?
Esta direcção foi eleita em Junho, portanto não temos ainda tempo para consolidar o trabalho e a visão que trouxemos para o partido. Infelizmente passou pouco tempo.
Um mau resultado não é crítico para a sua liderança?
Esta direcção tem pouco tempo e como tem pouco tempo de trabalho estratégico de visão para o partido dificilmente alguém ― de forma séria ― imputará responsabilidades à direção. Isso não quer dizer que não tenhamos que fazer a nossa reflexão interna. O xadrez partidário é hoje mais participado. Há novas forças políticas e isso implica uma adaptação e uma percepção daquilo que o eleitorado possa estar a ir atrás.
É com alguma preocupação que vemos que as pessoas começam a ver soluções para o país em forças populistas antidemocráticas esquecendo-se que Portugal já viveu numa ditadura e numa limitação de direitos liberdades e garantias.
Desde 2019, o PAN perdeu o seu único eurodeputado eleito e uma deputada parlamentar. Como garante aos eleitores que vão votar num candidato que ficará até ao fim do mandato?
Também temos as nossas dores de crescimento. Infelizmente essas pessoas optaram por prosseguir projectos pessoais e usar o PAN como uma plataforma de lançamento, não respeitando aquela que foi a vontade dos eleitores. Compreendo a preocupação que possa existir, mas posso dizer que o PAN fez um trabalho de escrutínio na escolha dos candidatos. As causas e valores do PAN devem ser o nosso compromisso e devem estar acima de qualquer eleição e acima de qualquer cargo político ― seja ele interno ou externo.
A saída de André Silva da liderança e do palco mediático prejudicou o PAN?
André Silva terá sempre o seu lugar, seja como porta-voz do PAN, seja como filiado de base, mas evidentemente que o colectivo não se esgota em André Silva. Mal seria se se esgotasse nos seus porta-vozes, mal seria se se esgotasse na minha pessoa. Muito pelo contrário. Tivemos uma mudança de liderança para o feminino, o que de alguma forma também é importante porque em Portugal sou apenas a quinta mulher a representar um partido político. Mal seria se precisássemos de um homem para nos vir dar mais força, seja à campanha, seja à participação na vida política, com todo o respeito que possa merecer.
Não sente que o partido perdeu palco mediático?
Não. O PAN tem tido um crescimento mais consolidado, ainda que tímido, em relação a outras forças políticas porque procuramos fazer política pela positiva e não de forma populista. E isso nem sempre é fácil. Ser oposição de forma responsável, sem fazer oposição só para ser do contra, pode não dar os bonecos mediáticos que alguns dão. Mas fazemos avançar as nossas causas.
Admite que a polémica em torno da empresa da sua família possa penalizar o partido?
Acredito que não. Desde o primeiro momento que prestei todos os esclarecimentos, sempre pautei de forma totalmente transparente...
Não acha que pode ter uma consequência nos votos?
Bastou ver a reação da Confederação dos Agricultores de Portugal para as pessoas perceberem que foi um ataque que seria feito independentemente de quem fosse o representante do PAN. Não foi o primeiro nem será certamente o último, porque o PAN não se tem conformado, nem se vai inibir de continuar a enfrentar os interesses instalados.
Perguntamo-nos porque é que a pessoas se afastam da vida pública e política. Pessoalmente, tendo passado por esta experiência, só posso comprovar que quando as pessoas vêm de fora do sistema, o sistema reage desta maneira. Nunca fui uma “girl” das estruturas partidárias. Tinha uma vida pessoal antes de estar na vida política e na Assembleia da República. Esta é a reação do sistema quando se vê confrontado com uma força política que quer fazer política de forma diferente. O eleitorado é esclarecido e sabemos que as pessoas saberão pensar por elas próprias. É uma página virada.
Dizia que o PAN não se encaixa no rótulo esquerda/direita? Isso facilita o diálogo com o PS e PSD?
Devia facilitar, mas na verdade não.
Com o PS tem sido fácil esse diálogo...
O diálogo nunca é fácil. A percepção que existe é um pouco errada. Negociar orçamentos do Estado ou até mesmo fazer avançar algumas iniciativas que o PAN conseguiu – como os passes sociais que estão a ser financiados com a taxa de carbono sobre a navegação e aviação - foi muito difícil. A negociação é sempre difícil porque há muitas resistências por parte do Governo em acolher medidas, em executá-las. Fomos aprendendo que é fundamental garantir a execução das medidas para poder avançar no diálogo. E palavra dada tem de ser honrada.
O tipo de diálogo que conseguiu ter com o PS, admite ter com o PSD?
A percepção que temos é que qualquer força política que esteja no Governo e não tenha maioria absoluta vai precisar sempre das forças políticas que estão na Assembleia da República para poder passar os seus orçamentos.
Estaria disponível?
O PAN estará sempre disponível para fazer avançar as suas causas. Não se limita à nossa responsabilidade fazer oposição só porque sim ou rejeitar as propostas do Governo, mas fazer o trabalho de casa e apresentar soluções alternativas. Isso dá muito trabalho e implica muita capacidade de diálogo e negociação. Este PSD tem sido mais conservador e tem deixado para trás pessoas mais ligadas à causa animal. Recordo que António Maria Pereira foi um nome incontornável na defesa dos direitos dos animais. Houve um retrocesso. Rui Rio não veio clarificar se se posiciona ou não contra ou a favor das touradas, por exemplo. Mas o PAN não se furtará, nem baixará os braços, mesmo com forças políticas mais conservadoras em relação aos costumes, com excepção do Chega. É a nossa linha vermelha. É uma força populista, antidemocrática. Não nos identificamos minimamente com o seu ideário. Portugal não pode voltar a ser um país onde as liberdades direitos e garantias não são respeitados.
Além da posição de Rui Rio em relação à tourada, que outras linhas vermelhas precisava que o PSD esclarecesse?
O debate terá de ser feito sempre após o resultado eleitoral e em função daquilo que é o caderno de encargos de cada um. Não se esgota na tauromaquia. Temos hoje - e isto aplica-se quer ao PSD, quer ao PS - um problema grave no nosso país do ponto de vista ambiental, quer com a poluição nos rios (não há um forte compromisso com a despoluição e com a travagem dos afluentes pecuários que existem em distritos como Leiria), quer na exploração do lítio (em Viseu e Castelo Branco).
Em vésperas da dissolução da Assembleia da República foram vergonhosamente assinados contratos de exploração e de prospecção minéria, com uma grande opacidade. Portugal não pode estar a saque destes interesses. O futuro do que possa vir a ser a solução aeroportuária também é muito relevante. Estar a construir o aeroporto do Montijo numa zona que sabemos que é de especial interesse comunitário e que vai ficar alagada? Meter mais água do que isto é impossível. É importante que PS e PSD se posicionem e que voltem atrás.
Caso apoie um governo minoritário, vai exigir integrar o executivo? Ou basta um acordo de incidência parlamentar?
Não sabemos ainda o que é que vai resultar destas eleições nem os compromissos das diferentes forças políticas. O que a nossa comissão política nacional terá de avaliar é de que forma é que podemos avançar as nossas causas com maior eficácia: se fazendo ou não parte de um Governo ou estando na oposição - ainda que pontualmente possamos negociar e dialogar.
Há soluções noutros países, como Dinamarca e a Alemanha, que são muito mais interessantes do ponto de vista da participação das diferentes forças políticas. Em Portugal tem havido muita resistência. Existem soluções governativas em que é possível os ambientalistas estarem com pastas muito relevantes, como é o caso do Ministério da Economia e das Alterações Climáticas, criado na Alemanha.
Ninguém concorre para perder eleições. E, portanto, temos de ter a responsabilidade de pensar o país e ter uma visão para o país tal e qual como se fossemos Governo, independentemente do resultado que possamos vir a ter.
Qual é que seria a pasta que o PAN gostaria de assumir?
Não é difícil perceber que o PAN tem um especial apreço pela matéria ambiental. Dificilmente nos dariam o Ambiente porque teríamos uma verdadeira revolução verde no país. Acho que teríamos governantes para todos os ministérios, mas é difícil compaginar aquilo que é a nossa visão coma visão mais conservadora dos partidos que têm estado no poder e que está ultrapassada.
Tem-se falado no novo modelo governativo. Há algum ministério que gostasse de criar nesta perspectiva de resposta climática mais organizada com as restantes pastas ministeriais?
É importante que a Economia deixe de subjugar áreas tão relevantes como o Ambiente. Criar uma pasta da Economia e das Alterações Climáticas e perceber a visão que é trazida para o país, o investimento que tem de ser feito, que se têm de priorizar o combate às alterações climáticas é fundamental. Basta olhar para o Plano de Recuperação e Resiliência [PRR]: Portugal só consignou 24% dos fundos do PRR para o combate às alterações climáticas, quando a meta da Comissão Europeia era de pelo menos 30%. A Dinamarca e a Bélgica consignaram entre os 60% a 90% dos seus fundos comunitários para o combate às alterações climáticas.
Por outro lado, elevar e dignificar a protecção animal, alterando o Ministério do Ambiente, passando a ser o Ministério do Ambiente, Biodiversidade e Protecção Animal. A Agricultura está manifestamente obsoleta, por isso não queremos os animais no Ministério da Agricultura.
Temos de pôr fim a uma série de atividades anacrónicas que persistem no nosso país. Tivemos uma vitória muito histórica: o fim do tiro aos pombos. Criámos também, pela primeira vez, um quadro sancionatório na lei de protecção aos animais. Não existia qualquer sanção para maltratar um animal. Não conseguimos alterar o Código Penal, mas, pelo menos, existem coimas que podem ser aplicadas nesse caso. Queremos ir mais longe. Queremos acabar com as touradas, reconverter essa atividade e acabar com atividades absolutamente anacrónicas como a caça à paulada. É preciso termos ministérios que estejam em consonância com aquela que é a sensibilidade social dos dias de hoje e que não querem ver estas atividades serem perpetuadas ou financiadas.
O próprio Ministério da Agricultura tem também de ter uma visão, não só por um lado, em relação ao bem-estar animal, mas por outro também em relação às alterações climáticas, uma visão que tem estado completamente ausente.
Vamos ao programa eleitoral. Quais é que são as traves mestras para o regime fiscal? O aumento do imposto para a aviação, combustíveis, redução dos escalões do IRS? O que é que está a ser pensado?
A revisão dos escalões do IRS vai ser uma prioridade. Se queremos combater a pobreza no nosso país é fundamental aliviarmos as famílias e a carga fiscal. Não basta ouvirmos falar em combater a pobreza infantil. Para combatermos a pobreza infantil temos de combater a pobreza das famílias.
É prioritário em relação por exemplo a uma revisão do IRC?
Há várias prioridades em cima da mesa. A revisão dos escalões tem um impacto de entre 160 a 180 milhões de euros. É perfeitamente acomodável. Basta pensarmos no fim das borlas fiscais que estão a ser dadas a atividades poluentes, que todos os anos custam 500 milhões de euros ao país, para perceber que conseguimos garantir o equilíbrio das contas públicas e aliviar as famílias. É preciso ir mais longe e alcançar um alívio para as empresas, sobretudo depois desta retoma socioeconómica. Seja através do IRC, seja através de outros benefícios fiscais, incluindo para a transição energética. É fundamental que o dinheiro não vá para mais dos mesmos.
E quais é que são as propostas?
Terá de haver um apoio mais eficaz às empresas, seja do ponto de vista social, seja através do alívio fiscal ou de mecanismos com outro tipo de incentivos, como é o caso do apoio para a transição energética. Só assim poderemos tornar o país mais competitivo. Quem não estiver alinhado com a transição verde que o país e o mundo têm de atravessar vai ficar certamente para trás. A Organização Internacional do Trabalho diz-nos que podemos criar mais 220 milhões de postos de trabalho por todo o mundo se decidirmos apostar na empregabilidade verde e na fiscalidade verde. Isso significa tributar aquelas empresas poluentes e que têm uma pegada negativa e aliviar a carga fiscal daquelas que têm boas práticas e que são responsáveis ambientalmente.
Isso virá tudo no programa eleitoral que o PAN vai apresentar?
Evidentemente. Acabar com os paraísos fiscais, que todos os anos nos fazem perder mais 16 mil milhões de euros ou apostar no combate à corrupção (todos os anos Portugal perde 18 mil milhões de euros) também será prioridade. Enquanto não tivermos uma justiça mais eficaz, reforçando os meios, não só vai pugnando a impunidade daqueles que, de facto, se acham os donos disto tudo, como é dinheiro que o país perde e que seria absolutamente fundamental para apostar na ferrovia, por exemplo, e na transição climática. É dinheiro que nos faz falta.
Como é que o PAN se tenciona distinguir no combate às alterações climáticas, tendo em conta que é um tema incontornável para praticamente todos os partidos?
Folgamos em ver que as outras forças políticas estão a vir atrás do PAN. Infelizmente continuamos a votar isolados em muitas medidas e continuamos a ter forças políticas que não acompanham aspectos tão essenciais como a Lei de Bases do Clima (a Iniciativa Liberal votou contra). Continua a existir um negacionismo por parte dessas forças políticas, que não acompanham as propostas do PAN para que se taxe a atividade pecuária intensiva e superintensiva. Iremos apresentar uma iniciativa para que se reconheça o crime de ecocídio. Aí veremos quem é que nos acompanha ou não.
Afirmou que o veto do Presidente da República à legalização da eutanásia era uma posição pessoal. Teme que este regresso do diploma a um Parlamento com uma diferente composição parlamentar possa colocar a lei na gaveta?
Tem ficado claro que tem havido de facto aqui quase que um imiscuir do Presidente da República naquilo que é a independência de um órgão de soberania, neste caso a Assembleia da República…
Esperamos que continue a existir uma maioria, independentemente daquela que seja a força que venha a formar governo, que continue a acompanhar esta iniciativa. O grupo de trabalho procurou dar resposta àquelas que foram as próprias preocupações apontadas pelo próprio Tribunal Constitucional. Só o futuro da próxima composição parlamentar nos poderá ditar se assim será ou não. Foi um processo amplamente participado na Assembleia da República, com várias auscultações. Esperamos que não haja retrocessos.