Nuno Melo. "Por muito menos houve governos que caíram"
25-10-2022 - 07:19
 • Susana Madureira Martins

Na semana em que se discute e vota na generalidade a proposta de Orçamento do Estado, Nuno Melo diz-se à espera que o Presidente da República "possa ser o garante do normal funcionamento das instituições democráticas", tendo em conta os sucessivos casos que têm marcado os seis meses de Governo de António Costa. "Por muito menos houve governos que caíram".

Em entrevista à Renascença, o líder do CDS-PP diz que fala com frequência com o presidente do PSD, Luís Montenegro "porque o CDS governa mais de 40 autarquias com o PSD e está junto com o PSD no Governo Regional dos Açores e da Madeira" e "só por falta de lucidez não conversaríamos".

Há seis meses que é líder do CDS. Não tem sido um mandato fácil ou tem?

Fácil não tem sido, mas as dificuldades também não têm sido propriamente surpreendentes. Eu sabia perfeitamente, quando avancei para o Congresso e para a liderança, que iria, se fosse eleito, presidir a um partido que não tinha grupo parlamentar. E em relação ao CDS, há um antes e um depois de 30 de janeiro de 2022. Um grupo parlamentar implicava a exposição mediática diária, desde logo nos principais órgãos de comunicação social, e recursos financeiros que desapareceram no essencial. Mas isso só nos motiva mais a devolver o CDS a esses tempos. Sabemos da importância instrumental de um grupo parlamentar. Sabemos da justiça que significa o CDS estar na Assembleia da República e é nesse sentido que trabalhamos todos os dias.

Este é o segundo debate do Orçamento do Estado em que o CDS não participa diretamente. Que propostas de alteração é que gostava de ver apresentadas e aprovadas?

Quando, por exemplo, o jornal Expresso noticia que, neste momento, há pessoas que escondem latas de atum e pacotes de leite nos supermercados, onde aumentam os furtos para alimentar as famílias, o que é óbvio é reduzir à taxa zero o IVA dos bens alimentares. O Governo não precisa sequer da autorização da Comissão Europeia e pode fazê lo temporariamente.

E, portanto, quando o custo de vida aumenta tremendamente e quando muitas famílias já não se conseguem alimentar, mais que não fosse por um mínimo de sensibilidade social, tendo em vista ter algum impacto na economia, ajudar famílias e ajudar consumidores, era de reduzir à taxa zero o IVA dos bens alimentares.

O Governo tem argumentado que essa medida iria beneficiar a distribuição.

O não lançar a medida é que vem beneficiando o Governo, que até agosto arrecadou mais de 6 mil milhões de euros de lucros excessivos, porque são lucros angariados à conta da inflação e à custa precisamente das famílias e, principalmente, das mais desfavorecidas.

O que noutros países está a acontecer é precisamente em bens essenciais que são identificados diferentemente num ou noutro caso, mas naquilo que é tido por bens essenciais o IVA baixa à taxa zero, precisamente para que as famílias tenham a possibilidade de suportar o aumento do custo de vida. E este é o quadro sociológico do país.

IRC de 21% para 19%? 'É uma medida óbvia, que o CDS já propôs'
E como é que se valorizam os salários?

Valorizam-se, em primeiro lugar, dando condições de competitividade às empresas e reduzindo os encargos sobre os trabalhadores das famílias. E nisto, o quadro do socialismo é muito nítido em Portugal e ajuda a perceber porque é que este modelo perverso nos arrasta para o fundo e principalmente nos prende a salários que são baixos e são absurdos.

A descida do IRC se dos 21% para os 19% que as empresas tanto queriam era uma medida que devia avançar já?

É uma medida óbvia, que o CDS já propôs. Havia várias medidas que o CDS lançaria se estivesse na discussão do Orçamento do Estado e pudesse apresentar propostas no Parlamento. Uma era atualizar os escalões do IRS pelo nível da inflação. Mas note que em Portugal nós temos a taxa de IRC mais alta da OCDE. Isto é muito impressionante. Em 38 países nós somos o 26.º em termos de competitividade fiscal.

Portanto, tudo o que tem a ver com empresas: temos a taxa de IRC mais alta, estamos no fundo da tabela dos países competitivos, o que significa que Portugal não é atrativo para o investimento, mas depois acumulamos valores recorde de outros dados muito perversos. Dívida: neste momento de valor absoluto, Portugal tem uma dívida de 280 mil milhões €. O Governo estima para 2023 ultrapassar pela primeira vez os 300 mil milhões €.

O cenário de um orçamento retificativo é o mais provável?

Um cenário de retificativo, se não tivermos eleições antecipadas, coisa que estaremos depois aqui para para ver. Independentemente de retificações orçamentais, o que me preocupa neste momento é a realidade da vida das famílias e das empresas.

Novas medidas de apoio podem significar um orçamento retificativo ou um orçamento suplementar?

As coisas estão para piorar antes de melhorarem. Há dados que nós conhecemos e que ajudam a perceber como é que, se nada for feito, é impossível suportar este modelo socialista errado que passa por um aumento de despesa pública, níveis absurdos de impostos e nenhuma realização de reformas estruturais relevantes.

Energia. França mostra-se 'profundamente protecionista, prejudicando toda a UE para proteger o nuclear'
Perante o anúncio do acordo entre Portugal, Espanha e França para a passagem do gasoduto ibérico por Marselha, já vimos críticas muito duras por parte do PSD. Acompanha o eurodeputado Paulo Rangel, na opinião de que Portugal foi quem mais ficou a perder com este acordo?

Não acompanho, vou a par. Disse isso ao tempo em que o Paulo Rangel o disse, naquilo que me parece óbvio. É que o dr. António Costa conseguiu transformar um mau negócio numa boa propaganda. O gás está lá. E onde é que está a eletricidade? Quando nós defendemos corredores energéticos e eu, pessoalmente, desde 2009, bato-me por eles no Parlamento Europeu, batemo-nos por corredores energéticos que sejam importantes na diversificação da oferta para a União Europeia, por um lado, e, por outro lado, que permita aos nossos parceiros uma lógica que também é redistributiva e de solidariedade. Aproveitarem do que Portugal vai tendo de forma excedentária. O que é que Portugal tem de excedentário neste momento? Por exemplo, a energia eólica. Nós não vamos ter corredores energéticos. Continuaremos a ser uma ilha energética a esse propósito e muitos países da União Europeia deixam de beneficiar daquilo que nós tínhamos vantagem em fornecer e a Europa vantagem em comprar.

Portanto, nesse aspeto, a França manteve a proteção de mercado. A França, que se diz federalista, mostra-se profundamente protecionista, prejudicando toda a União Europeia para proteger o nuclear. O gás é talvez o lado menor da equação. Neste momento, a União Europeia tem reservas para o inverno de 90% de gás. Temos reservas, dito a mim próprio pela presidente da Comissão Europeia no encontro recente que com ela mantive, este foi um dos temas de que falámos e essa é uma nota que é relevante. Depois o problema vai pôr-se outra vez na primavera. Mas para o inverno o problema do lugar está resolvido e a oferta do gás mesmo por via marítima e com acesso a outros portos de outros países da União Europeia, é mais fácil de resolver do que o problema da eletricidade. E o problema da eletricidade é que é estratégico para Portugal.

O Presidente da República já veio dizer que este foi o acordo possível, dando assim algum conforto ao Governo português. Ou não entendeu assim?

É melhor ter corredores energéticos para o gás do que não ter corredores energéticos nenhuns. Agora, o facto de não termos os outros corredores energéticos, nomeadamente no que tem que ver com eletricidade, mostra o fracasso da capacidade negocial portuguesa. Ainda no início de 2015 houve um outro acordo celebrado entre Emmanuel Macron, Passos Coelho e Mariano Rajoy, que concretizava os corredores energéticos numa escala que era global e que depois não avançou. Entretanto, os socialistas perdem as eleições em Portugal, mas governam, ganham as eleições em Espanha e tudo se reverte e nada se concretiza. Mas esse era um bom acordo, porque era um acordo transversal e era um acordo que tinha em vista as várias componentes. Este não, é um acordo reduzido, é um acordo que realmente mostra a cedência.

E António Costa devia explicar-se no Parlamento, como propõe o PSD?

Portugal está há anos a investir na energia dita limpa, nomeadamente eólica de que a União Europeia não pode aproveitar porque o dr. António Costa não teve capacidade negocial e aceitou ficar-se pelo gás. Isso é uma evidência. Acho que nem sequer carece de explicação, porque temos no que temos a verificação do fracasso.

O Presidente da República tem sido muito criticado pelos partidos conotados com a direita de dar uma ajuda aqui, outra dali ao Governo de António Costa. Marcelo Rebelo de Sousa está a surpreendê-lo ou não está a surpreender de todo?

O Presidente da República está como sempre esteve. E nessa medida não surpreendeu ninguém. Tenho a certeza que na rua e nas urnas manterá índices muito grandes de popularidade. Naturalmente, que aqui ou ali tomará decisões que eu não acompanharia, mas o professor Marcelo Rebelo de Sousa é o Presidente da República, eu sou líder de um partido e o que desejo é que possa ser o garante do normal funcionamento das instituições democráticas. A seu tempo, se tiver que tomar alguma decisão mais relevante, como por exemplo, a que antecipou se o Dr. António Costa tivesse pretensões a Bruxelas, porque foi o dr. António Costa que foi a votos nas eleições legislativas, dissolvendo o Parlamento e devolvendo a palavra aos eleitores.

Incompatibilidades: 'há coisas que não precisam de clarificação nenhuma'
No dia 5 de Outubro, o Presidente da República não deixou de referir esse facto que tem esse poder, que tem a bomba atómica na mão.

Por muito menos do que o que temos houve quem já dissolvesse parlamentos no passado, caso concreto, por exemplo, do Governo do Dr. Pedro Santana Lopes, coligação onde o CDS também estava. Por muito menos houve governos que caíram.

Estes casos de incompatibilidades já deviam ter feito pensar, por exemplo?

O que nós temos neste momento é um Governo com muito poucos meses que se apresenta como um Governo gasto e velho, de muitos e muitos anos, embora bem sabemos desde 2015, parte dos ministros se repitam. Isso parece muito evidente. Isto, por razões de natureza política, por razões de natureza económica e financeira e por razões de natureza moral e ética. Evidentemente, neste último aspeto, aí caindo aquilo que são contratos que vão sendo conhecidos e que basicamente ostentam, enfim, quem não tem noção do cargo, permitindo-se aquilo que, em princípio, não seria preciso nenhuma lei para desmotivar um governante a fazer.

O Presidente da República pediu uma clarificação ao Parlamento...

Mas há coisas que não precisam de clarificação nenhuma. Veja-se o caso do ministro Pedro Nuno Santos e o contrato recente celebrado por uma empresa de que é sócio muito minoritário, a par do pai. Na discussão invoca-se um parecer da Procuradoria Geral da República. Coisa que me espanta, porque o parecer não se aplica ao caso do ministro Pedro Nuno Santos. Não tem nada que ver. O parecer que é invocado premeditadamente pelo Governo e pelo ministro em particular tem que ver com casos em que o governante não tem nenhuma participação na empresa. Para os casos em que o governante tem uma participação na empresa, há um artigo específico na lei que proíbe a celebração de negócios com o Estado e que culmina como sanção a perda de mandato.

Por isso, quando agora se diz que é preciso mudar a lei, é rigorosamente o que interessa ao PS por duas razões. Em primeiro lugar, mudando a lei, não se aplica aquilo que a lei imperativamente impõe, que é a perda de mandato ou a demissão do ministro. Em segundo lugar, é alterar a lei para poder permitir que aquilo que o empresa de que o ministro é sócio fez passe a ser legitimado.

É extraordinário, perceber que até partidos que se dizem oposição, que não leem a lei e desconhecem-na, que é uma coisa extraordinária, para defender o próprio ministro, mas parecendo que estão à defesa do governo.

Realmente, aqui o que está em causa não é saber se a participação é simbólica ou não, porque o simbolismo é coisa que não cabe na letra da lei. O simbolismo é uma perspetiva do arbítrio do governante, que diz "bom, mas a participação é muito pequenina, isto é simbólico". Mas a lei não fala de simbolismo. A lei, o que diz é que quem tenha participação em empresa no montante, juntamente com um familiar superior a X%, não pode assumir negócios com o Estado. Está na lei, claro, como água. E o resto é conversa.

Falo com muitas pessoas do PSD de quem sou amigo e com quem, naturalmente, a política é assunto tratado
Sobre o xadrez da direita nacional. Tem falado com Luís Montenegro, o atual líder do PSD, sobre o estado da Nação da direita?

Falo com o dr. Luís Montenegro, como falo com outras pessoas do PSD, é, de resto, outra coisa seria estranho que assim não fosse, porque o CDS governa mais de 40 autarquias com o PSD e está junto com o PSD no Governo Regional dos Açores e da Madeira. E, portanto, o PSD é o partido aliado em muitas autarquias, em governos regionais. Só por falta de lucidez não conversaríamos.

E essas conversas não são mais para a gestão corrente dessas alianças ou para discutir um pouco o estado do sítio?

As conversas não se revelam muito menos numa rádio. Isso parece óbvio. Mas sabe que eu já falava com o dr. Luís Montenegro, senhor presidente do partido. Como falo quase todos os dias com o Paulo Rangel, como falo com o Luís Menezes. Falo com muitas pessoas do PSD de quem sou amigo e com quem, naturalmente, a política é assunto tratado.

Na Madeira, Miguel Albuquerque já assumiu que irá coligado com o CDS nas regionais de 2023. Tem essa ideia de que bastará ao PSD a coligação com o CDS para vencer essas eleições, ou será necessário fazer mais uns entendimentos?

Parece me evidente que a expectativa é essa. Ao que parece, a maior parte das sondagens confirmam-no.

Há uma maioria relativa na Madeira.

Sim, mas mais relevante para mim neste momento é perceber a coesão de um projeto que nasce na sequência de eleições, muito ao género do que sucedeu quando, por exemplo, o Dr. José Manuel Durão Barroso acaba Primeiro-Ministro vencendo eleições, mas fazendo coligação com o CDS para poder governar. E a convivência conjunta dos representantes dos dois partidos tem formado o que é mais relevante, que é a equipa e a equipa transcende os próprios partidos e é na base da aposta ganha, feita, experimentada, da confiança que é criada, que agora se propõe renovar um projecto que é maior porque é de coligação pré-eleitoral e portanto tenho muita confiança.

E o regresso em absoluta do PSD, agora coligado com o CDS. Isso é possível?

Eu julgo francamente que sim e espero que assim aconteça.

A seguir às regionais da Madeira, teremos as europeias. Já decidiu se será o cabeça de lista nas europeias?

Não. O que está decidido neste momento é, no que tem que ver com a Madeira, uma coligação com o PSD. Em relação às eleições europeias, provavelmente até teremos um congresso antes das eleições europeias e, portanto, essa discussão terá o seu tempo próprio.