Em entrevista à Renascença, o líder do CDS-PP diz que fala com frequência com o presidente do PSD, Luís Montenegro "porque o CDS governa mais de 40 autarquias com o PSD e está junto com o PSD no Governo Regional dos Açores e da Madeira" e "só por falta de lucidez não conversaríamos".
Há seis meses que é líder do CDS. Não tem sido um mandato fácil ou tem?
Fácil não tem sido, mas as dificuldades também não têm sido propriamente surpreendentes. Eu sabia perfeitamente, quando avancei para o Congresso e para a liderança, que iria, se fosse eleito, presidir a um partido que não tinha grupo parlamentar. E em relação ao CDS, há um antes e um depois de 30 de janeiro de 2022. Um grupo parlamentar implicava a exposição mediática diária, desde logo nos principais órgãos de comunicação social, e recursos financeiros que desapareceram no essencial. Mas isso só nos motiva mais a devolver o CDS a esses tempos. Sabemos da importância instrumental de um grupo parlamentar. Sabemos da justiça que significa o CDS estar na Assembleia da República e é nesse sentido que trabalhamos todos os dias.
Este é o segundo debate do Orçamento do Estado em que o CDS não participa diretamente. Que propostas de alteração é que gostava de ver apresentadas e aprovadas?
Quando, por exemplo, o jornal Expresso noticia que, neste momento, há pessoas que escondem latas de atum e pacotes de leite nos supermercados, onde aumentam os furtos para alimentar as famílias, o que é óbvio é reduzir à taxa zero o IVA dos bens alimentares. O Governo não precisa sequer da autorização da Comissão Europeia e pode fazê lo temporariamente.
E, portanto, quando o custo de vida aumenta tremendamente e quando muitas famílias já não se conseguem alimentar, mais que não fosse por um mínimo de sensibilidade social, tendo em vista ter algum impacto na economia, ajudar famílias e ajudar consumidores, era de reduzir à taxa zero o IVA dos bens alimentares.
O Governo tem argumentado que essa medida iria beneficiar a distribuição.
O não lançar a medida é que vem beneficiando o Governo, que até agosto arrecadou mais de 6 mil milhões de euros de lucros excessivos, porque são lucros angariados à conta da inflação e à custa precisamente das famílias e, principalmente, das mais desfavorecidas.
O que noutros países está a acontecer é precisamente em bens essenciais que são identificados diferentemente num ou noutro caso, mas naquilo que é tido por bens essenciais o IVA baixa à taxa zero, precisamente para que as famílias tenham a possibilidade de suportar o aumento do custo de vida. E este é o quadro sociológico do país.
IRC de 21% para 19%? 'É uma medida óbvia, que o CDS já propôs'
E como é que se valorizam os salários?
Valorizam-se, em primeiro lugar, dando condições de competitividade às empresas e reduzindo os encargos sobre os trabalhadores das famílias. E nisto, o quadro do socialismo é muito nítido em Portugal e ajuda a perceber porque é que este modelo perverso nos arrasta para o fundo e principalmente nos prende a salários que são baixos e são absurdos.
A descida do IRC se dos 21% para os 19% que as empresas tanto queriam era uma medida que devia avançar já?
É uma medida óbvia, que o CDS já propôs. Havia várias medidas que o CDS lançaria se estivesse na discussão do Orçamento do Estado e pudesse apresentar propostas no Parlamento. Uma era atualizar os escalões do IRS pelo nível da inflação. Mas note que em Portugal nós temos a taxa de IRC mais alta da OCDE. Isto é muito impressionante. Em 38 países nós somos o 26.º em termos de competitividade fiscal.
Portanto, tudo o que tem a ver com empresas: temos a taxa de IRC mais alta, estamos no fundo da tabela dos países competitivos, o que significa que Portugal não é atrativo para o investimento, mas depois acumulamos valores recorde de outros dados muito perversos. Dívida: neste momento de valor absoluto, Portugal tem uma dívida de 280 mil milhões €. O Governo estima para 2023 ultrapassar pela primeira vez os 300 mil milhões €.
O cenário de um orçamento retificativo é o mais provável?
Um cenário de retificativo, se não tivermos eleições antecipadas, coisa que estaremos depois aqui para para ver. Independentemente de retificações orçamentais, o que me preocupa neste momento é a realidade da vida das famílias e das empresas.
Novas medidas de apoio podem significar um orçamento retificativo ou um orçamento suplementar?
As coisas estão para piorar antes de melhorarem. Há dados que nós conhecemos e que ajudam a perceber como é que, se nada for feito, é impossível suportar este modelo socialista errado que passa por um aumento de despesa pública, níveis absurdos de impostos e nenhuma realização de reformas estruturais relevantes.
Energia. França mostra-se 'profundamente protecionista, prejudicando toda a UE para proteger o nuclear'
Perante o anúncio do acordo entre Portugal, Espanha e França para a passagem do gasoduto ibérico por Marselha, já vimos críticas muito duras por parte do PSD. Acompanha o eurodeputado Paulo Rangel, na opinião de que Portugal foi quem mais ficou a perder com este acordo?
Não acompanho, vou a par. Disse isso ao tempo em que o Paulo Rangel o disse, naquilo que me parece óbvio. É que o dr. António Costa conseguiu transformar um mau negócio numa boa propaganda. O gás está lá. E onde é que está a eletricidade? Quando nós defendemos corredores energéticos e eu, pessoalmente, desde 2009, bato-me por eles no Parlamento Europeu, batemo-nos por corredores energéticos que sejam importantes na diversificação da oferta para a União Europeia, por um lado, e, por outro lado, que permita aos nossos parceiros uma lógica que também é redistributiva e de solidariedade. Aproveitarem do que Portugal vai tendo de forma excedentária. O que é que Portugal tem de excedentário neste momento? Por exemplo, a energia eólica. Nós não vamos ter corredores energéticos. Continuaremos a ser uma ilha energética a esse propósito e muitos países da União Europeia deixam de beneficiar daquilo que nós tínhamos vantagem em fornecer e a Europa vantagem em comprar.
Portanto, nesse aspeto, a França manteve a proteção de mercado. A França, que se diz federalista, mostra-se profundamente protecionista, prejudicando toda a União Europeia para proteger o nuclear. O gás é talvez o lado menor da equação. Neste momento, a União Europeia tem reservas para o inverno de 90% de gás. Temos reservas, dito a mim próprio pela presidente da Comissão Europeia no encontro recente que com ela mantive, este foi um dos temas de que falámos e essa é uma nota que é relevante. Depois o problema vai pôr-se outra vez na primavera. Mas para o inverno o problema do lugar está resolvido e a oferta do gás mesmo por via marítima e com acesso a outros portos de outros países da União Europeia, é mais fácil de resolver do que o problema da eletricidade. E o problema da eletricidade é que é estratégico para Portugal.
O Presidente da República já veio dizer que este foi o acordo possível, dando assim algum conforto ao Governo português. Ou não entendeu assim?
É melhor ter corredores energéticos para o gás do que não ter corredores energéticos nenhuns. Agora, o facto de não termos os outros corredores energéticos, nomeadamente no que tem que ver com eletricidade, mostra o fracasso da capacidade negocial portuguesa. Ainda no início de 2015 houve um outro acordo celebrado entre Emmanuel Macron, Passos Coelho e Mariano Rajoy, que concretizava os corredores energéticos numa escala que era global e que depois não avançou. Entretanto, os socialistas perdem as eleições em Portugal, mas governam, ganham as eleições em Espanha e tudo se reverte e nada se concretiza. Mas esse era um bom acordo, porque era um acordo transversal e era um acordo que tinha em vista as várias componentes. Este não, é um acordo reduzido, é um acordo que realmente mostra a cedência.
E António Costa devia explicar-se no Parlamento, como propõe o PSD?
Portugal está há anos a investir na energia dita limpa, nomeadamente eólica de que a União Europeia não pode aproveitar porque o dr. António Costa não teve capacidade negocial e aceitou ficar-se pelo gás. Isso é uma evidência. Acho que nem sequer carece de explicação, porque temos no que temos a verificação do fracasso.
O Presidente da República tem sido muito criticado pelos partidos conotados com a direita de dar uma ajuda aqui, outra dali ao Governo de António Costa. Marcelo Rebelo de Sousa está a surpreendê-lo ou não está a surpreender de todo?
O Presidente da República está como sempre esteve. E nessa medida não surpreendeu ninguém. Tenho a certeza que na rua e nas urnas manterá índices muito grandes de popularidade. Naturalmente, que aqui ou ali tomará decisões que eu não acompanharia, mas o professor Marcelo Rebelo de Sousa é o Presidente da República, eu sou líder de um partido e o que desejo é que possa ser o garante do normal funcionamento das instituições democráticas. A seu tempo, se tiver que tomar alguma decisão mais relevante, como por exemplo, a que antecipou se o Dr. António Costa tivesse pretensões a Bruxelas, porque foi o dr. António Costa que foi a votos nas eleições legislativas, dissolvendo o Parlamento e devolvendo a palavra aos eleitores.
Incompatibilidades: 'há coisas que não precisam de clarificação nenhuma'
No dia 5 de Outubro, o Presidente da República não deixou de referir esse facto que tem esse poder, que tem a bomba atómica na mão.
Por muito menos do que o que temos houve quem já dissolvesse parlamentos no passado, caso concreto, por exemplo, do Governo do Dr. Pedro Santana Lopes, coligação onde o CDS também estava. Por muito menos houve governos que caíram.
Estes casos de incompatibilidades já deviam ter feito pensar, por exemplo?
O que nós temos neste momento é um Governo com muito poucos meses que se apresenta como um Governo gasto e velho, de muitos e muitos anos, embora bem sabemos desde 2015, parte dos ministros se repitam. Isso parece muito evidente. Isto, por razões de natureza política, por razões de natureza económica e financeira e por razões de natureza moral e ética. Evidentemente, neste último aspeto, aí caindo aquilo que são contratos que vão sendo conhecidos e que basicamente ostentam, enfim, quem não tem noção do cargo, permitindo-se aquilo que, em princípio, não seria preciso nenhuma lei para desmotivar um governante a fazer.
O Presidente da República pediu uma clarificação ao Parlamento...
Mas há coisas que não precisam de clarificação nenhuma. Veja-se o caso do ministro Pedro Nuno Santos e o contrato recente celebrado por uma empresa de que é sócio muito minoritário, a par do pai. Na discussão invoca-se um parecer da Procuradoria Geral da República. Coisa que me espanta, porque o parecer não se aplica ao caso do ministro Pedro Nuno Santos. Não tem nada que ver. O parecer que é invocado premeditadamente pelo Governo e pelo ministro em particular tem que ver com casos em que o governante não tem nenhuma participação na empresa. Para os casos em que o governante tem uma participação na empresa, há um artigo específico na lei que proíbe a celebração de negócios com o Estado e que culmina como sanção a perda de mandato.
Por isso, quando agora se diz que é preciso mudar a lei, é rigorosamente o que interessa ao PS por duas razões. Em primeiro lugar, mudando a lei, não se aplica aquilo que a lei imperativamente impõe, que é a perda de mandato ou a demissão do ministro. Em segundo lugar, é alterar a lei para poder permitir que aquilo que o empresa de que o ministro é sócio fez passe a ser legitimado.
É extraordinário, perceber que até partidos que se dizem oposição, que não leem a lei e desconhecem-na, que é uma coisa extraordinária, para defender o próprio ministro, mas parecendo que estão à defesa do governo.
Realmente, aqui o que está em causa não é saber se a participação é simbólica ou não, porque o simbolismo é coisa que não cabe na letra da lei. O simbolismo é uma perspetiva do arbítrio do governante, que diz "bom, mas a participação é muito pequenina, isto é simbólico". Mas a lei não fala de simbolismo. A lei, o que diz é que quem tenha participação em empresa no montante, juntamente com um familiar superior a X%, não pode assumir negócios com o Estado. Está na lei, claro, como água. E o resto é conversa.
Falo com muitas pessoas do PSD de quem sou amigo e com quem, naturalmente, a política é assunto tratado
Sobre o xadrez da direita nacional. Tem falado com Luís Montenegro, o atual líder do PSD, sobre o estado da Nação da direita?
Falo com o dr. Luís Montenegro, como falo com outras pessoas do PSD, é, de resto, outra coisa seria estranho que assim não fosse, porque o CDS governa mais de 40 autarquias com o PSD e está junto com o PSD no Governo Regional dos Açores e da Madeira. E, portanto, o PSD é o partido aliado em muitas autarquias, em governos regionais. Só por falta de lucidez não conversaríamos.
E essas conversas não são mais para a gestão corrente dessas alianças ou para discutir um pouco o estado do sítio?
As conversas não se revelam muito menos numa rádio. Isso parece óbvio. Mas sabe que eu já falava com o dr. Luís Montenegro, senhor presidente do partido. Como falo quase todos os dias com o Paulo Rangel, como falo com o Luís Menezes. Falo com muitas pessoas do PSD de quem sou amigo e com quem, naturalmente, a política é assunto tratado.
Na Madeira, Miguel Albuquerque já assumiu que irá coligado com o CDS nas regionais de 2023. Tem essa ideia de que bastará ao PSD a coligação com o CDS para vencer essas eleições, ou será necessário fazer mais uns entendimentos?
Parece me evidente que a expectativa é essa. Ao que parece, a maior parte das sondagens confirmam-no.
Há uma maioria relativa na Madeira.
Sim, mas mais relevante para mim neste momento é perceber a coesão de um projeto que nasce na sequência de eleições, muito ao género do que sucedeu quando, por exemplo, o Dr. José Manuel Durão Barroso acaba Primeiro-Ministro vencendo eleições, mas fazendo coligação com o CDS para poder governar. E a convivência conjunta dos representantes dos dois partidos tem formado o que é mais relevante, que é a equipa e a equipa transcende os próprios partidos e é na base da aposta ganha, feita, experimentada, da confiança que é criada, que agora se propõe renovar um projecto que é maior porque é de coligação pré-eleitoral e portanto tenho muita confiança.
E o regresso em absoluta do PSD, agora coligado com o CDS. Isso é possível?
Eu julgo francamente que sim e espero que assim aconteça.
A seguir às regionais da Madeira, teremos as europeias. Já decidiu se será o cabeça de lista nas europeias?
Não. O que está decidido neste momento é, no que tem que ver com a Madeira, uma coligação com o PSD. Em relação às eleições europeias, provavelmente até teremos um congresso antes das eleições europeias e, portanto, essa discussão terá o seu tempo próprio.