Aeroporto no Montijo. Perguntas e respostas sobre um aeroporto (há muito) anunciado
07-03-2017 - 11:31

A assinatura do memorando de entendimento entre o Governo e a ANA – Aeroportos de Portugal para a construção do novo aeroporto vem colocar, de novo, o Aeroporto de Lisboa no centro do debate público. Mas sabe aquilo que está planeado? E quem vai pagar o novo aeroporto? Descubra aqui.

O actual aeroporto de Lisboa não chega para responder às necessidades?

Não. A solução que hoje a cidade oferece – o Aeroporto Humberto Delgado – já não chega face à procura que tem.

A entrada das companhias low cost no mercado da aviação veio baixar os custos e permitir que mais pessoas se desloquem de avião. Só em 2016, o aeroporto de Lisboa foi utilizado por 22,5 milhões de passageiros, esperando-se que, no ano de 2017, chegue a 25 milhões. Trata-se de um crescimento médio anual de 12%, nos últimos quatro anos.

Esta mudança de paradigma veio acelerar ainda mais a necessidade de resolver a atual limitação da Portela: falta de espaço.

Se já se previa que o actual aeroporto não chegava, por que é que não se resolveu a questão mais cedo?

A discussão sobre a necessidade de um novo aeroporto para Lisboa é já velha. Remonta ao ano de 1969, quando se ponderou a relocalização do Aeroporto da Portela, inaugurado em 1942. Num primeiro estudo, apontava-se para Rio Frio, mas a revolução de Abril e a crise petrolífera da época atiraram a decisão final para o ano de 1999. A Ota foi, então, apontada como a melhor localização, ainda num governo de António Guterres.

O tema voltou novamente à praça pública com o executivo de José Sócrates, que encomendou um estudo comparativo entre a já avaliada Ota e a zona do Campo de Tiro de Alcochete. O Laboratório Nacional de Engenharia Civil - entidade responsável pelo estudo – deu preferência à solução de Alcochete por ser mais barata. Foram gastos 40 milhões de euros em estudos para o aeroporto da Ota.

O período de crise económica e financeira que assola o país em 2011 faz com que a urgência de arranjar uma solução seja adiada.

A ideia de adaptar uma base aérea para uso civil – muitas vezes chamada de solução “Portela +1” - acompanhou sempre o intenso debate público em torno do novo aeroporto. Apesar de tudo, só agora esta solução foi vista como a solução mais viável pela ANA. Em 2005, num seminário promovido pela NAER – empresa pública que tinha como missão desenvolver os trabalhos necessários para o novo aeroporto – esta solução foi apresentada como não viável por não oferecer “benefícios” e não permitir “o prolongamento da vida útil do Aeroporto da Portela”, sendo uma solução “indesejável do ponto de vista comercial e de custos”.


Oiça a reportagem: OTA: Nem aeroporto nem medidas compensatórias





Quando esgota a Portela?

Podemos dizer que, se já não esgotou, está para esgotar muito em breve.

Quando o Governo português concessionou a ANA aos franceses da Vinci Airports, definiu um conjunto de indicadores que desencadeariam o processo de negociação e construção do novo aeroporto de Lisboa.

Três dos quatro indicadores definidos no contracto de concessão são atingidos em 2017 e 2018. No ano de 2016, tinha sido atingido o primeiro marco que sinalizava a necessidade de um novo aeroporto, quando o número de passageiros ultrapassou os 22 milhões.

A somar-se a isto, o Aeroporto Humberto Delgado já está a operar no limite da sua capacidade nas horas de pico. Com algum investimento, poderá acomodar o crescimento do tráfego previsto até ao ano de 2020. A partir daí, deixa de haver aeroporto que chegue para tanta procura.

Que solução foi apresentada?

O projecto apresentado defende a Instalação de uma Infraestrutura Aeroportuária Complementar ao actual aeroporto Humberto Delgado – a chamada “Portela +1”.

Na prática, quer-se remodelar o aeroporto que já temos e aproveitar a base militar do Montijo para construir um aeroporto que sirva de complemento e que atraia o tráfego das transportadoras low cost.

Caso isso aconteça e os níveis de crescimento se mantenham, a solução é viável até 2050, expandido a capacidade actual para 72 movimentos por hora e 50 milhões de passageiros por ano.

Esta solução liberta ainda o Aeroporto Humberto Delgado para que se torne um local de escala para África e América, dada a sua posição estratégica, e dá margem de manobra para as obras de requalificação da Portela sem que o serviço se degrade.


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Uma expansão do antigo Aeroporto da Portela não resolvia o problema?

Não. Desde logo, porque já não tem lá muito por onde expandir.

Optimizando a capacidade em terra e ar – e procedendo ao encerramento de uma pista para criar espaço para estacionamento – tínhamos aeroporto até 2030, segundo um estudo da consultora Roland Berger feito para a ANAC – Autoridade Nacional de Aviação Civil.

Depois disso, tínhamos que pensar numa nova solução, havendo risco da degradação dos serviços.


E porque não um aeroporto novo, como tinha sido pensado?

Por duas razões: porque ficava mais caro e porque já não íamos a tempo.

Um novo aeroporto, para além do investimento elevado que envolve, demoraria cerca de sete a oito anos a construir. No melhor dos cenários, haveria novo aeroporto em 2024, com o Humberto Delgado a operar na sua capacidade máxima durante vários anos, conduzindo a uma degradação das infra-estruturas e dos serviços oferecidos.

Para além disso, o ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, já culpabilizou o anterior governo de ser o responsável pelo facto de não ser construído um novo aeroporto, já que com o “modelo de privatização da ANA que o anterior governo aplicou, comprometeu-se a construção de novo aeroporto de raiz financiado por taxas aeroportuárias”.


Como se chegou à conclusão que um aeroporto complementar no Montijo é a melhor escolha?

Para se chegar a esta escolha, foram pedidos vários estudos a entidades nacionais como a ANA – Aeroportos de Portugal, a NAV (empresa de controlo aéreo) e a ANAC - Autoridade Nacional da Aviação Civil – que subcontratou a Roland Berger – bem como à internacional Eurocontrol.

A partir destes estudos, criou-se um grupo de trabalho que juntou o Governo, a Força Aérea, a ANA e a NAV, que procurou incluir todos os factores analisados e que levou à assinatura do memorando entre o Estado e a ANA.

Esta não é, no entanto, uma decisão definitiva. Faltam ser conduzidos estudos mais detalhados sobre esta solução, nomeadamente no que toca às implicações ambientais.

Que localizações foram discutidas?


Nos vários estudos, a base aérea do Montijo foi comparada com Sintra e Alverca, mostrando-se sempre a solução mais vantajosa. Para além de ser a única que permite o processamento de 72 movimentos por hora (o dobro da capacidade actual da Portela), já que não interfere com as rotas existentes, é ainda uma solução que não apresenta problemas relativos ao espaço para estacionamento de aviões (como em Alverca) nem tem o terreno acidentado de Sintra.

O Governo argumenta ainda que, para além de ser uma solução com um custo mais reduzido, é aquela que tem um tempo de execução mais rápido.

E problemas?

Fonte: "Estudo da localização de uma infraestrutura aeroportuária complementar na região de Lisboa" (Outubro de 2012), ANAC, Roland Berger


Em todas as variáveis analisadas pela ANA num estudo de 2012, o Montijo mostrou-se sempre a melhor opção, excepto num ponto: o da sustentabilidade ambiental

A actual base aérea da Força Aérea situa-se bem perto do Estuário do Tejo, um habitat protegido por vários estatutos nacionais e internacionais. Aquela que é a maior zona húmida nacional e uma das dez mais importantes de toda a Europa é bastante importante para a conservação de algumas espécies de aves aquáticas ou dependentes deste meio.

A maior preocupação vai para as aves migratórias, já que o zona de proteção do estuário do Tejo é um ponto de passagem de cerca de 120 mil aves.



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Então a decisão está tomada? É mesmo no Montijo que se vai construir o aeroporto complementar?

Não, a decisão não está tomada porque é preciso realizar estudos sobre as rotas migratórias das aves do estuário do Tejo, que só estará concluído no final do ano, como realçou o próprio primeiro-ministro.

O projecto poderá ainda precisar de um parecer prévio da Comissão Europeia, dado o estatuto de zona protegida do estuário do Tejo.

A solução encontrada é uma solução original?

Não.

O fenómeno das low cost não é exclusivo da cidade de Lisboa, mas sim algo observável em todas as cidades europeias.

As soluções têm passado pela preparação de planos de expansão economicamente eficientes, com algumas cidades a adoptar o mesmo modelo que agora Lisboa quer adoptar – uma solução dual, com um aeroporto vocacionado para as low cost.

Em que cidades é que isso aconteceu?

Istambul (Tarurk e Sabiha Gokçen), Roma (Fiumicino e Ciampino), Veneza (Marco Polo e Treviso), Frankfurt (Am Main e Hahn) e Bruxelas (Zavetem e Charleroi).

E como correu a aplicação desta solução nos outros casos europeus?

Depende para onde olharmos.

A análise feita pela consultora Roland Berger indica que, “o sucesso destas soluções depende da competitividade da infraestrutura”, nomeadamente da sua capacidade de conseguir atrair as companhias low cost.

Um caso paradigmático do que pode correr mal vem da Alemanha. O aeroporto do Frankfurt-Hahn até chegou a registar movimentos de quatro milhões de passageiros no ano de 2007, mas o desinteresse da Ryanair na aerogare complementar fez com que, no ano de 2016, esse valor caísse para 2,6 milhões de passageiros, tendo sido reportados 17 milhões de euros de prejuízo no ano de 2015.

Como podemos evitar que aconteça o mesmo no Montijo?

A solução Montijo precisa de ser suficientemente atractiva para as companhias low cost.

E como se faz isso?

A ANA prevê consegui-lo através de um valor mais baixo nas taxas aeroportuárias e em custos mais baixos no processamento da bagagem. Estas duas vantagens permitirão às companhias praticar preços mais baixos, um argumento a que os clientes das low cost são mais sensíveis.

Mas estão as aerotransportadoras disponíveis para voar para o Montijo?

A Ryanair já se mostrou entusiasta da ideia, tendo até criticado o governo português pela demora em avançar para a nova solução. "Se no Montijo for cobrado metade do preço em relação à Portela, então muitas companhias aéreas, como a Ryanair, e provavelmente a EasyJet, vão para lá", disse, recentemente, o presidente executivo da Ryanair.

Mas a Easyjet não parece tão entusiasmada, com o porta-voz da companhia a afirmar: “A Easyjet quer continuar na Portela porque é daí que os nossos passageiros querem voar. E nesta questão as regras são muito claras: ninguém pode ser empurrado para fora de um aeroporto”.

Para que o Montijo convença, a capacidade de chegar a Lisboa de forma barata e eficiente é factor-chave.

Como vai para Lisboa quem aterra no Montijo?

A principal vantagem do Montijo é ter a Ponte Vasco da Gama nas proximidades. No entanto, ainda não há uma ligação directa entre a saída sul da ponte e a base aérea. Aqui, entram em jogo, novamente, as questões ambientais, que terão de ser avaliadas, para a construção dos acessos.

Uma outra vantagem do Montijo é ter já um terminal fluvial – o terminal do Seixalinho, de onde saem os barcos da Transtejo para o Cais do Sodré. Está previsto um reforço dessa ligação. Há ainda a possibilidade de uma nova ligação ferroviária ligeira, utilizando a ponte Vasco da Gama, para além do reforço dos transportes públicos.

A grande questão é se todas as ligações ponderadas serão suficientemente atractivas para quem queira voar a partir do novo aeroporto.

Então, quanto é que me vai custar este novo aeroporto?

Em princípio, serão os utilizadores, e não os contribuintes, a pagar este novo aeroporto. Com a concessão da ANA, espera-se que o investimento seja feito pelo concessionário, que prevê que as taxas cobradas o permitam financiar.

Apesar de tudo, há estimativas que apontam para 200 milhões a 300 milhões de euros para o Montijo.

Há ainda a questão do contrato de concessão da ANA à Vinci Airports, no qual se prevê que a empresa comece a partilhar receitas geradas pela exploração dos aeroportos precisamente no ano de conclusão da construção do aeroporto. A empresa francesa poderá querer renegociar o contrato com o Estado português.

E o que acontece à base militar que está agora no Montijo?

A base militar mantem-se no Montijo, com o Governo e a ANA a defenderem que a nova infraestrutura deverá ter um uso misto – civil e militar.

Esta não é, no entanto, uma posição que agrade à Força Aérea, que entende que os 72 movimentos por hora no espaço aéreo da cidade poderão causar constrangimentos à actividade militar.

O Governo já fez saber, no entanto, que eventuais transferências e os custos associados serão objecto de um estudo detalhado, com a Força Aérea a argumentar, por exemplo, que 50% das missões de treino terão que ser executadas noutros aeródromos.



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Então, e o Aeroporto da Portela?

O aeroporto da Portela mantem-se em funcionamento, estando previsto que se aumente a capacidade de estacionamento e circulação de aviões com a eliminação de uma das pistas.

Espera-se ainda melhorar as estruturas de acolhimento e transferência dos passageiros.

Quando é que vamos, efectivamente, ter um novo aeroporto?

O Governo espera começar as obras em 2019, para que o novo aeroporto entre em funcionamento em 2021.

Até lá, ainda há muitos detalhes a ser afinados, como o estudo de impacto ambiental e a revisão do contrato com a ANA, pelo que o ano de 2021 é meramente indicativo.